09/05/2012
Alegria de pobre

Meu pai tinha um ditado que dizia: “Alegria de pobre é o dia que se mata um porco”! Realmente, na roça é sinal de fartura, pelo menos por seis meses, quando se abate um bom capado, pesando acima de dez arrobas e que produza, pelo menos, de quatro a seis latas de vinte quilos, de banha.
Dada às dificuldades e à falta de conforto da época, nos acostumávamos e
valorizávamos muito aquilo que dispúnhamos, e, diga-se a verdade - éramos felizes. Teve época que engordávamos porco à meia, ou seja, quando do abate dividia-se o animal com o sócio que o cedeu. Esta troca de favores era muito comum entre vizinhos, principalmente quando acabava a banha, carne e lingüiça, do abate anterior, e não se dispunham de um animal pronto para engordar, aí é que entrava o vizinho sócio.
Todos os dias, assim que voltava do colégio, uma das minhas tarefas era dar trato ao capado. Além de lavagem - restos de comidas - e milho do nosso paiol, dependendo da época do ano, também tratávamos com mandioca passada do ponto de consumo, abóbora e nabissa, cultivadas na roça de milho recém colhida.
Uma semana antes do abate, começavam os preparativos: providenciar as tripas para encher lingüiça, soda cáustica para fazer o sabão no tacho, afiar as facas, descascar o alho usado no tempero e limpar o varal em cima do fogão de lenha, onde a lingüiça era defumada por meses, devido ao fato de não termos geladeira.
Meu velho acordava bem cedo e apanhava seu punhal afiado - usado uma ou no máximo duas vezes por ano - e rapidamente trazia o suíno, já morto, em uma carriola para ser limpo e destrinchado. Enquanto isso, um tacho era colocado no terreiro para ferver a água que seria usada na lida.
Antes do almoço, tínhamos como costume, levar uma boa porção de carne para todos os vizinhos. Este gesto de boa vizinhança foi nos passado de pais para filhos.  No tacho, junto com a banha derretida, fritavam-se as carnes para serem posteriormente acondicionadas nas latas da própria banha e guardadas em nossa dispensa. Carne esta que durava até o próximo abate.
A tarefa mais árdua do dia ficava por conta da fabricação da lingüiça. Tudo feito manualmente, portanto, muito demorado. Talvez venha daí a expressão “encher lingüiça” quando nos referimos a algo que demora a ser feito, ou quando temos que “matar o tempo”. Com um espinho de laranjeira eu ia furando o produto já pronto para a retirada das bolhas de ar formadas no ato do enchimento. 
O sabor da pururuca crocante boiando no tacho com a banha escaldante era indescritível. Da lingüiça defumada - temperada com alho e pimenta do reino – nem se fala! A saborosa carne retirada da lata de banha e frita na hora, na própria banha, são inesquecíveis. Não posso esquecer-me do delicioso chouriço feito com sangue.
Bons tempos onde a nossa referência era a simplicidade! Com três ou quatro mudas de roupas, um par de botinas para trabalhar na roça e um par de sapatos surrados para ir à cidade, estava feito nosso guarda roupa.
O paiol era lotado de milho e o quintal cheio de galinhas. Na tulha, feijão, arroz, réstias de cebola e alho para o ano inteiro. Na horta, toda espécie de verdura, e no pomar, onde as aves cantavam, muita fruta o ano inteiro. No chiqueiro, um capado engordando e por fim uma “sonata” ou vitrola, para ouvir “as modas” sertanejas nos finais de semana. Com este “kit capiau”, estava completa nossa alegria de viver. Simples assim!
E viva a fartura da roça!
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Osvaldo Piccinin

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