25/09/2012
Maria Fumaça

Hoje, acordei com saudades de você, Dona Maria Fumaça. Veio em minha mente aquela imagem, imortalizada na memória juvenil. Depois da charrete de meu pai e do nosso velho caminhãzinho, foi a primeira condução sofisticada a transportar meu esquelético corpanzil de criança.

            Uma das minhas alegrias era vê-la passar pelos trilhos da FEPASA, deixando um rastro de fumaça no ar e anunciando, com seus intermitentes apitos, sua chegada.  Na verdade seus apitos soavam quase como um lamento. Sua glamourosa passagem pelo interior do Brasil levando cargas preciosas e pessoas de todos os níveis sociais, indistintamente, era prenúncio do progresso.

            Também me vem à lembrança, o anúncio do fim de sua era. Foi substituída por máquinas elétricas muito mais rápidas e modernas, mas com muito menos charme. Talvez diga isso, pelo saudosismo do passado; talvez porque naquela nossa época, tanto na minha como na sua, vivíamos uma fase onde o desejo de servir aos semelhantes não tinha fronteira.

            Vivíamos na velocidade de nosso tempo, você sem pressa de chegar e eu sem pressa de sair do meu seguro e carinhoso aconchego familiar.

            O monte de lenha empilhado, em sua cabine, ao lado de sua caldeira, não deixava dúvida que seu combustível era o vapor gerado pela queima da madeira, sob seu deposito de água. Vapor este que a movia num tchac, tchac incessante e cadenciado. Daí vem o outro nome pela qual é conhecida - máquina a vapor.

            Em sua chaminé em forma de uma grande taça, além da fumaça se desprendiam pequenas fagulhas acesas, que vez por outra, incendiavam lavouras e florestas por onde passava.

            Os fazendeiros temiam sua passagem nas épocas secas do ano. Em seus vagões de passageiros a reclamação era outra. Pois as fagulhas ao adentrarem pela janela causavam pequenas queimaduras nos ternos finos e vestidos das madames, tornando-os imprestáveis para o uso.

            Conheci muitas Marias nesta vida, além das duas mais importantes que foram: a mãe de Jesus e a minha própria. Também a incluo entre as Marias da minha vida, pois não podia deixar de render-lhe esta homenagem.

            Você fez parte dos meus anseios e de meus sonhos.  Quantas vezes, em pensamento, viajei contigo até o fim do mundo, ou fim dos trilhos, quem sabe? Um lugar tão distante e tão cheio de encanto, que só uma cabecinha de criança poderia criar.

             Quantas vezes sonhei, um dia, ser seu maquinista só para puxar a cordinha do apito, usar um impecável uniforme azul marinho e aquele quepe preto bordado em amarelo, na cabeça. Ao vê-la parada na estação, ficava imaginando onde seria sua próxima parada. Eu sentia ciúmes de você, porque achava que me pertencia. Não gostava de vê-la partir, mas sempre de presenciar sua triunfante chegada.

            Pois é Maria, sua história virou fumaça, e hoje faz parte do acervo de alguns museus, ou ainda faz uns “bicos” em poucos recantos turísticos do nosso País.  Humildemente cumpriu sua missão, deixando um grande legado para as futuras gerações.

            Estão aí os trens- bala de alta velocidade e outros veículos que se deslocam sobre trilhos, pelo mundo afora, inspirados em sua forma romântica e pragmática de ser. Encerro esta minha homenagem com a frase de Augusto Cury. “Não é possível destruir o passado, para reconstruir o presente, mas é possível reconstruir o presente, para reescrever o passado”.

            E VIVA A MARIA FUMAÇA!

            [email protected]

 


Osvaldo Piccinin

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