Meu avô materno era um calabrês muito simpático, amoroso, educado e bastante ingênuo nos negócios. Nunca aprendeu a ler e nem escrever. Passou a vida inteira carregando uma sanfona pra baixo e pra cima na esperança de um dia aprender à tocá-la como num passe de mágica. Nunca aprendeu uma única música por inteiro. Sua musica preferida era uma tal de “pé de anjo”, que só ele conhecia.
Chamávamos de “nono” para diferenciar do avô paterno. Era um grande contador de “estórias”, passava um dia todo engambelando-nos sem, no entanto repeti-las. E como ele era engraçado e interessante! Para nós era uma diversão ficar ao seu lado, por horas a fio, sentado no terreiro do sítio ou na soleira da porta.
Verdade seja dita, não gostava muito de trabalho pesado, mas durante sua vida trabalhou um tempo como condutor de carro de boi, armeiro e depois mais velho, como consertador de guarda chuvas. Todo mundo pegava muito em seu pé, por ele gostar de uma cachacinha. Um dia ao chegar a minha casa para passar uma temporada, foi logo dizendo ao meu pai: - Dito, larguei de beber. Faz dois meses que não coloco cachaça na boca. Já bebi minha cota neste mundo!
Meu pai elogiou sua atitude, mas logo em seguida o viu tomando conhaque. - Mas o senhor não parou de beber? Mais que depressa respondeu: - Larguei de beber cachaça, como eu disse, porque é muito forte, mas conhaque é fraquinho - não faz mal. Eu achava gozado ele receitar “garrafadas” para as pessoas como remédio, pois todas suas receitas continham cachaça e curavam qualquer doença. A que mais me chamava à atenção, era uma garrafa com cobra dentro. Esta, segundo ele, curava de tudo. Até mal olhado.
Quando menino enterrou um cabrito de cabeça para baixo para vingar um “carreirão” tomado do infeliz. Outra ocasião cismou de imitar o vôo dos pássaros adaptando uma folha de zinco nos braços e saltando de um barranco em declive, não sem antes se despedir dos amigos que o incentivavam. Se tivesse conseguido, eu seria neto de alguém famoso, algo assim como os descendentes de Santos Dumont.
Numa outra vez, segundo ele, nasceu um cabritinho sem ânus, e o bichinho berrava muito e inchava a cada dia, até que meu sábio avô, num gesto humanitário notou a anomalia no bodinho. Não teve dúvida, com um canivete de picar fumo, fez o serviço de desobstrução do canal “bostérico”, mas foi em vão, pois o bichinho veio a óbito e eu deixei de ter naquele momento um avô cirurgião plástico ou quem sabe, um renomado veterinário.
Já no final de sua vida, sentado na varanda de casa fumando seu inseparável e fedorento cachimbo, perguntei-lhe: - Nono o senhor tem medo de morrer?
- Não tenho meu filho, porque a morte não é este espantalho que se fala. A própria natureza nos ajuda a morrer, assim como nos ajuda a viver. Sabe, só depois de velho descobri que não bastam maus anos para a vida. Precisamos é de mais vida, muito mais vida, para os anos vividos. Confesso que me surpreendi com sua filosofada, apesar de não ter entendido nada naquela hora. Hoje vejo que ele tinha muita razão e procuro seguir à risca sua recomendação tentando trabalhar como se fosse viver uma eternidade e vivendo como se fosse morrer amanhã.
E VIVA OS CAUSOS DO MEU AVÔ!
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