Até doze anos de idade eu morava no sítio e trabalhava na lavoura de cana durante as férias escolares. Segundo meu pai, era para aprender a dar valor às coisas, ou seja, saber o quanto é difícil ganhar dinheiro, e o mais importante – saber gastá-lo.
No fundo da nossa propriedade, divisa com o sítio vizinho, tinha um riacho caudaloso e em seu percurso formavam-se pequenos poços com profundidade suficiente para a molecada se refestelar nos dias quentes de verão.
Éramos pelo menos dez garotos freqüentadores assíduos de uma destas piscinas naturais - batizada por nós de - Poção. Tinha no máximo dois metros de profundidade na parte mais funda.
O lugar era bastante pitoresco e muito arborizado. Um enorme pé de pau dalho dava requinte especial ao ambiente. O barranco alto à sua margem direita servia de trampolim. Foi ali que aprendi a mergulhar e dar as primeiras piruetas. Foi ali também onde soquei a cabeça no fundo do rio pela primeira vez e cheguei a ver estrelinhas. Ainda bem que. Deus protege as crianças!
Final de semana era nossa maior alegria, pois passávamos horas e horas nadando pelados até tremermos de frio, enrugar as pontas dos dedos e roxear os lábios. O pobrezinho do bilau encolhia tanto, que mais parecia uma verruga.
Muitas vezes, morríamos de vergonha quando tínhamos de voltar nus para casa, pois os primos mais velhos divertiam-se escondendo nossas roupas num capão de mata próximo - enquanto nadávamos.
Também foi ali que aprendi a fumar os famosos paieiros, com os primos e amigos mais velhos. A palha usada para enrolar o fumo era de milho e o isqueiro, era tipo binga - parente distante dos modernos, a gás. Não tínhamos a menor noção do mal causado por este vício, por isso fumávamos iguais uns caiporas, sem o conhecimento dos pais - é claro.
Aos sábados, depois de voltarmos do trabalho pesado da roça, tínhamos como hábito bater peneira no riacho para pegarmos lambaris e alguns bagres. Fazíamos o fogo num buraco cavado no chão e de posse a uma velha frigideira, um pouco de óleo e sal e fritávamos e comíamos ali mesmo os crocantes e saborosos lambaris.
Há pouco tempo atrás voltei lá com meu filho para mostrar-lhe, com orgulho, o lugar onde aprendi a nadar, mas foi só decepção. Seu leito mudou de lugar e sua água estava poluída, além do assoreamento causado pela ação irresponsável do homem.
Sua margem estava desmatada e o nosso pé de pau dalho - já sem vida - repousava no chão corroído pelo tempo. Quiçá de saudade da molecada! Sob sua generosa sombra, recuperávamos o fôlego para reiniciarmos as peripécias no riozinho.
Fiquei alguns minutos meditando sobre os bons tempos da minha longínqua infância, e a emoção embargou minha voz. Disfarcei para que meu filho não percebesse, mas foi em vão. Foi aí que eu lhe disse:
O bicho homem muitas vezes não tem noção das conseqüências de seus atos. Esta cena desoladora é um exemplo disso. A ganância é como a gula, ambas devem ser evitadas.
O progresso a qualquer custo, não pode atropelar a natureza, pois saiba que depois de destruída ela se vingará de alguma forma.
Olhe este riacho antes caudaloso e com água límpida e piscosa, nunca invadiu as lavouras e pastagens que o margeavam. Seu leito havia sido definido pelo tempo. Veja agora, o estrago feito quando ocorre uma enchente – lá estavam as marcas da destruição!
Saímos em silêncio e prometi nunca mais voltar ao riacho da minha infância, pois prefiro guardar em minha memória aquele cenário de outrora e do inesquecível - Poção.
E VIVA BANHO DE RIO!
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