Quando se é jovem temos pressa pra tudo, a afoiteza nos persegue. Temos pressa de nos tornarmos adultos, constituirmos uma família e vencermos na vida. Mal sabíamos que a fruta só dá na época certa - e como demora! Parece uma eternidade!
Eu, por exemplo, comecei fazer tudo muito cedo. Esta era a mentalidade da época. Nossos pais nos punham no “batente” muito cedo - temiam sermos taxados de vagabundos ou incompetentes perante a sociedade.
Precocemente aprendi a nadar, caçar, cavalgar, andar de bicicleta, namorar, dirigir, fumar, beber e outros “ers” da vida. Nesta época, há meio século, estávamos iniciando a grande arrancada rumo ao desenvolvimento brasileiro e a competição profissional passou a ser muito forte, principalmente no tocante à uma melhor formação escolar – cursar uma faculdade passou a ser uma obsessão! O negócio era fugir da roça, porque o cabo da enxada não trazia futuro pra ninguém - diziam “nossos velhos”.
No sítio onde eu morava, a princípio, tínhamos dois valiosos objetos de estimação: um pequeno trator Ford, carinhosamente batizado de Fordinho, usado no preparo do solo e um caminhão velho, mas muito bem conservado, que além de transportar as mercadorias produzidas por nós, também nos levava à cidade, em dias de festa.
Assim como eu, o sonho de meus trinta primos era dirigir estas geringonças, nem que fosse um pouquinho só. Com relação ao trator, de vez em quando, tínhamos este gostinho, mas dirigir o caminhão - nem pensar! Isso era privilégio apenas do tio Angelim, por sinal muito ciumento com seu GMC.
Assim que completei doze anos, nos mudamos para a cidade e meu pai comprou sua primeira condução – uma velha caminhonete. Aposentamos finalmente nossa charrete e a égua de estimação. Foi assim que aprendi a dirigir e me tornei o motorista oficial de uma Chevrolet D-10, “novinha em folha”, do armazém do Inácio, onde trabalhava fazendo entregas das compras mensais nas fazendas. Foi lá que dei minhas primeiras batidas e causei alguns prejuízos ao meu compreensivo patrão, amigo e grande professor de vendas.
Logo em seguida meu pai trocou sua velha pick-up por outra, num estado um pouco melhor. Desde então comecei a freqüentar os bailes e brincadeiras dançantes nas cidades vizinhas. Todo adolescente gosta de aparecer, e eu, não fui diferente - tinha de mostrar a todos que eu era o “cara” e que já sabia dirigir, beber, fumar etc.
Corria o mês de julho e fazia um frio terrível, mesmo com sol a pino. A geada que caiu naquela madrugada demorou até ao meio dia para derreter. Voltando de uma festa - por volta das cinco da manhã - capotei a caminhonete - o único meio de transporte do “meu velho”. Felizmente, ninguém dos ocupantes se feriu, mas o carro - virou um “bagaço”!
Chorei de tristeza ao me dar conta do tamanho prejuízo e da decepção que daria ao meu pai. Preparei-me para levar a maior bronca da minha vida, quiçá até um “pé d’ouvido”, pois no meu entender, era assim que eu merecia ser tratado.
Qual foi minha surpresa ao vê-lo chegando de mansinho, me perguntado como eu estava e se tinha me machucado? Ainda insisti: - mas você não vai me xingar? Foi então que ele me “matou de vez” dizendo: - Por quê? O mais importante é você estar bem. Poderia ter sido pior. Carro a gente trabalha e compra outro. - Pai, mas eu bebi um pouco demais! Ele retrucou: eu sei disso. A sua própria consciência lhe dará a bronca que esperava receber de mim, pois conheço bem o seu caráter! “Nunca o silêncio gritou tanto, nas ruas de minha memória”...
Ele tinha razão. E eu jurei que daquele dia em diante, nunca mais dirigiria seu carro e assim o fiz, pois me doía muito vê-lo pedalando uma velha bicicleta, com um latãozinho de leite na garupa; a caminho da roça até que ficasse pronta sua caminhonete. Foram longos quatro meses de espera, pois com a grana curta as peças foram compradas aos poucos.
Valeu Meu Querido Velho, sua bronca silenciosa e sem xingamento, foi uma das melhores lições que tive nesta vida. Calou fundo! É como diz o ditado: “É fazendo cagada que se aduba a vida”.
E VIVA A PÁTRIA!
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