Nenhum sol brilhará o suficiente para tirar o luto que mães, pais, avós, irmãos, primos, amigos, e milhares de pessoas da plebe ordinária, sentem pela morte de 21 inocentes no ataque a uma escola na cidade de Uvalde, no Estado do Texas nos Estados Unidos, semana passada.
O que pensar? Há algo a fazer?
Como seguir, no silêncio barulhento de nossas mentes apavoradas, pela ideia de que para a “desgraça” não há endereço nem idade?
Até onde já chegamos carregando o descompromisso com o mundo, com o semelhante, com as diferenças, com tantas exceções tratadas como regra?
A dor de barbáries da índole “morte matada” é a prova da veracidade da existência deste lugar sujo, lodoso, inescrupuloso, que alguns chamam de inferno, outros de purgatório, e hoje eu chamo de Terra.
Consequência ou não, a permissividade do alcance fácil às armas de fogo levou um jovem de 18 anos comprar armas e executar a sangue frio, sem delongas, sem negociação 19 crianças, 2 adultos e outros feridos em estado grave.
Será que um dia as crianças que presenciaram esta deplorável demonstração de violência, conseguiram caminhar com a frescura da infância para as salas de aula?
Duas destas pessoas eram professoras. O marido de uma das vítimas, faleceu dias depois por um ataque fulminante do coração, e mais 4 crianças ficaram órfãs.
Será que um dia tantas professoras se sentiram seguras para conduzir tantos “filhos” pela estrada da vida, muito além do acadêmico, com o aumento desta sequência de ataques a escolas?
Estas jovens que um dia foram senhoras, e estas senhoras que um dia foram ídolos de gerações de alunos que orientaram, viveram uma profissão que ainda representa o significado de vocação, amor ao próximo e dedicação.
Elas passam horas aplicadas em recortes, desenhos, projetos de aprendizagem, escolha de músicas, elaboração de decoração com direito a flores coloridas para cestinhas no meio da mesa com lápis de cor.
E isto não basta mais! É preciso graduar-se também na escola de heróis, ter superpoderes porque o desprezo pela vida entra pela porta da frente, sem bater.
O massacre da ultima semana é mais uma pagina do livro negro que conta historias de terror com enredos similares.
Mais um funesto desfecho escrito com sangue, lágrimas, tiros, vozes doces gritando de horror.
Deputados, senadores, governadores e os próprios presidentes americanos encontram sérias dificuldade em postular uma política restritiva sobre armas de fogo, porque a égide sob a qual este direito está fundamentado criou um estrutura enrijecida, petrificada na sociedade não só a favor do porte, como também da proliferação da indústria de armamento nos EUA.
Qual argumento “justifica” a letargia dos Poderes Públicos?
A segunda Emenda da Constituição Americana!
Ela garante o direito do cidadão de possuir armas pautado nos princípios da tão vigiada e defendida liberdade americana.
Pasmem: o número de pessoas que reivindica esta garantia constitucional com fervor é expressivo e fidelíssimo.
O legislativo, executivo e judiciário debatem-se engessados num direito ratificado em 1791. Uma batelada de argumentos, propostas, debates em todas as direções que preenchem muitas páginas sobre o tema.
Em recente discurso o Presidente Americano Joe Biden articulou sobre a não absolutividade da Segunda Emenda.
O governador do Texas não planeja implementar restrições às armas, como em outros estados americanos, sob o argumento de que isto não fará com que estes acontecimentos deixem de ocorrer.
O problema está se agravado nos últimos anos e levantando vozes, cada vez mais agudas, de representantes políticos, governamentais, de órgãos públicos, privados, celebridades etc.
Mas ainda que houvesse lucidez da premencia de consonância na interpretação deste direito, e sua gravidade, haveria que se arrastar as catacumbas o poderio do forte lobby exercido pela indústria de armamento e outras corporações que fomentam o mercado, com olhos sedentos de todos os tipos de poderes que ele representa.
Propaganda que encontrei na internet :“A Permissão do porte oculto de armas é reconhecida em 37 Estados. Carregue uma arma agora! A licença de porte multi-estado nº 1 está aqui! Carregue uma arma agora! Permissão de porte oculto. Permissão CCW do Texas. Serviços: Formação de Agentes de Segurança, Armas de Fogo Básicas…”
Sem mais!
Os estados americanos têm autonomia para legislar sobre uma gama considerável de assuntos. É aqui que o estado texano “peca”.
O Texas é um lugar de armas. E com certeza, a maioria de vocês já viu algum filme de vaqueiros das antigas e facilmente conseguirá imaginar, no mínimo superficialmente, a origem do slogan típico texano: “Não se meta com Texas”.
Ficou conveniente que em 1 de Setembro de 2021, o atual Governador Gregory Abbott, inclusive ex membro da Suprema Corte do Texas, “canetar” a lei que permite o porte de arma de fogo em lugares públicos, sem treinamento ou licença.
Na integra : “But today, I signed documents that instilled freedom in the Lone Star State.”
“Mas hoje, eu assino documentos que mais uma vez instituem liberdade no estado da estrela solitária” (tradução livre).
Rasguem-se, chorem, xinguem, vaiem este grandíssimo …..
É impressionante como conseguimos ter líderes, mundiais inclusive de tão baixo escalão.
Está difícil sair destas linhas, que escrevi e apaguei inúmeras vezes, porque o que quero é uivar meu desgosto, vergonha, pânico por dividir o mesmo planeta com “alguns” que brilhantemente apadrinham desgraceiras.
Quando selvagerias deste tipo acontecem, questiona-se o acesso às armas de fogo , mas tão pronto terminam os discursos de pré candidatos a cargos das eleições por vir, que se encontre um responsável com identificação simplória, o assunto verte para necessidade de mais segurança nas escolas, instalação de detectores de metal, aumento de trabalhadores na área de seguridade.
A culpa segue na defensiva, o problema real, a banalização da arma continua invisível.
Há algum tempo, discutiu-se sobre a possibilidade de fornecer armas para os professores na tentativa de frear a violência, ou as consequências dela.
Claro que todos os prismas devem ser ventilados, e sentenciados com atitudes de proteção, seja qual for. Mas o problema segue na raiz, impregnado de cheiro de pólvora.
E as soluções resumem-se ao velho tapar o sol com a peneira.
A semente segue germinando erros e lágrimas.
Efetivamente, o que é feito? Ou o que se pode fazer?
Porte legalizado de armas não significa acesso sem restrição!
Ilegalidade do porte de armas não significa erradicação da violência e crimes causados por armas de fogo. Quando se restringe o acesso de armas a um número mínimo de indivíduos, outro caminho se abre imediatamente com o contrabando e acesso através de grupos envolvidos com crimes como tráfico de drogas, sequestro e adiante.
Ter ou não ter?
Legalizado ou não?
Direito de quem? Por que?
Não há solução unânime para as consequências catastróficas acerca da política de armamento, nem sequer para restrições de aquisição.
Ao menos uma tentativa em conter estes ataques, principalmente em escolas americanas seria o endurecimento do rigor e pontual inacessibilidade sem condições mínimas exigidas? Como ? Não sei.
Existe resposta decente para famílias, para a sociedade? Não.
Se hoje uma lei fosse criada para banir armas de fogo, em 250 anos ainda existiria muita arma. Não dá para desarmar os EUA !
Estes tiroteios são frutos também da cultura do ódio, das diferenças sociais, econômicas, raciais e de vários problemas que desembocam direta ou indiretamente no caos social.
A capacidade de "diálogo" se afasta cada vez mais das relações humanas e a bipolaridade cresce galgando. É o distanciamento construído não em diferenças de opiniões e sim sob bandeiras levantadas por exércitos prontos para destruir o lado contrário. E sem práticas que busquem alternativas visando a paz, a solidariedade, o bem comum, não se encontrara um denominador comum.
Entre as guerras de ego, a população segue morrendo a mingua de dignidade.
As próximas gerações podem mudar isto? Talvez.
Talvez com acesso às informações limpas porque hoje se lucra com a miséria através (e também) da manipulação do consumo de notícias, que interessam a grupos que não representam o que se supõe compatível com as inúmeras carências humanas.
Uma prova recente disso : o presidente da Rússia conseguiu manter em segredo suas intenções para o povo Russo. Ou o que existe por trás da aceleração da aquisição de armas.
Entre o incidente em Uvalde e o fim de semana prolongado (Memorial Day) foram registrados mais ataques com armas nos Estados Unidos.
Agradecemos a todas as manifestações de solidariedade às vítimas. E principalmente a todos que fazem correr a voz da luta contra a incivilidade.
Não vendemos verdades, compartilhamos soluções.
“E o que somos?
Plebe ordinária!
Ordinaria de comum, de expressão da massa desajeitada que capenga, arrastando carriolas estupefatas de caixas de papelão, meia dúzia de pertences de ordem pessoal, um fiel amigo de patas, pelas ruas das grandes cidades em meio a caminhões, ônibus, carros de grã finos e uma batelada de mais gentes ordinárias.
Todos expostos aos ordinários “.
Nossos sentimentos, lástima e indignação, como pais, avós, filhos, tios do mundo dos ordinários
Daniele de Cassia Rotundo
colaboração Denis Oliveira Lima