No casebre de nossa vida penduramos!
Nas paredes do casebre de palafitas de nossas vidas, penduramos!
No prego enferrujado da parede do casebre de palafitas de nossas vidas, penduramos!
Penduramos a falta de tempo.
Penduramos a felicidade pela falta de tempo.
Penduramos o amor pela falta da felicidade que a falta de tempo desencadeia e encafita.
Penduramos o sorriso pelo amor contido na felicidade sem tempo.
Penduramos os medos porque o sorriso embrasea-se sem amor.
Penduramos as angústias causadas pelos medos porque não temos tempo de resolver o conflito da falta de felicidade descompassada à necessidade de amor com tempo.
Penduramos as lágrimas engulidas para que escorram pelo prego enferrujado, molhando: a parede de palafitas, a falta de tempo, a felicidade, o amor, o sorriso, o medo, a angústia, no cortiço do casebre de nossas vidas.
Tudo inundado e descomposto pelo molhado, e penduramos!
Penduramos os trapos limpadores dos móveis mal feitos de nosso casebre de palafitas!
E os trapos coloridos e sujos pendurados na parede de palafitas, brilham seu pó no reflexo da luz pela fresta quebrada por onde entra o sol miúdo no casebre de palafitas!
O pó da sujeira brilha como ouro, e, assim, discretamente contentes, penduramos as ilusões para: “um dia”, “talvez”!
A roupa costurada, de trabalho e empoeirada, penduramos na parede do casebre.
Abre-se a porta do casebre de palafitas, e penduramos!
Penduramos na porta do casebre de palafitas a toalha úmida do banho prolongado em uma banheira trincada pelo tempo rápido porque vivemos em um casebre, um casebre de palafitas!
E com a toalha penduramos o piso entroncado e encharcado pela água vazante da banheira velha que nos carrega, no casebre de paredes, paredes de palafitas!
Com pentes de plástico colorido na mão, e já tanto pendurados, acariciamos os cabelos ressecados com o pente colorido, procurando um gancho onde pendurar. E ao lado da porta onde está pendurada a pasta de dente, penduramos o pente!
A música do rádio encima da mesa de pés mancos e vermelhos, ensaia um samba da velha-guarda.
As unhas maltratadas nas mãos fatigadas buscam a faca, o garfo na gaveta azul escura para girar o botão de volume do rádio, encima da mesa de tampa riscada e, quase pendurada nos pés mancos, vermelhos, sem salto!
E falta espaço para o corpo gingar, então, entusiasmados, penduramos!
Na batida do tamborim entre a voz chorosa e a bateria frenética, penduramos com pressa de quem quer viver: a dor nos calcanhares, a coluna corcunda, o dinheiro escasso, o filho problemático, a sogra acomodada, o amigo pedinte, o inimigo enlouquecido, a velha da esquina que chuta cachorro, o bêbado que canta desafinado, o amante mulherengo, o marido ausente, o sócio incongruente, o vizinho rabugento, a madrasta prepotente, o padrasto insolente, o namorado adjacente!
Eita! Pendurado tudo! O samba no casebre pendurado pelo morro pendente!
A fumaça do charuto faz sinal ao único momento:o presente. Este, não penduramos! Só tem ele que não se faz ausente.
Soltem a música no cortiço de nossa mente!
Daniele de Cássia Rotundo