Desertifiquei : num processo cúmplice de total cansaço e desapego, me desprendi deste suposto campo fértil de mim mesma e mergulhei nas areias quentes do deserto sombrio por natureza e escaldante por fato inconteste.
Desnuda, agarrei a impaciência deste querer sem sentido e enchi meu cérebro com a tunda severa das palavras pre meditadas, arrancando a sangue frio este lúbrico caráter de vida profana!
Uma grande orbe formou-se ao redor de meu invólucro corporal, fechei os olhos. A onda quente impávida viajou pelo mar seco e ali despejou meu corpo, desaparecendo impecavelmente num clarão de estrondosa fuga!
Minha transpiração despertou-me das palavras verrinas que ainda ecoavam sua lúxuria em meus ouvidos obcecados por meu derradeiro beijo de morte mental.
Sacolejada milhares de vezes por minha sombra fiel, angustiada matutei por que havia optado por esta viagem solitária a um espaço tão árido!
Despovoei!
Abandonei!
Desisti!
Desviei!
Desertei!
No meio do nada, chorei copiosamente buscando as estacas que me mantiveram em pé por tanto tempo. Não as encontrava e senti que rastejaria até o fim, já que minhas pernas não existiam em minha concepção pragmática de uma ameba sem movimentos largos.
Minha pele ardia pelo sol castigante e a sede desidratava minhas células constatemente.
Seria devorada por uma víbora, ou um abutre destroçaria meus pedaços de carne inertes neste umbral impiedoso?.
Uma infinidade de pensamentos atormentavam os neurônios ainda vivos de meu cérebro já tão degenerado.
As imagens de uma vida a espreita, esperando meu momento cume, gritavam como bruxas malévolas gargalhando da suposta desgraça em que me encontrava.
Perdão! Perdão! A quem peço perdão para partir com menos culpa ?
Ainda em transe adormeci tragando a fumaça que queimava meus cabelos, minhas pestanas!
Agradeci a chegada do anoitecer e certa que era um dejeto a ser descartado pela vida, pedi água e implorei pela visão do oásis.
Entre a inocência do sonho e a ilusão do inconsciente, uma grande voz latiu:
“Só existe uma maneira de encontrar-se com sua quimera e destrui-lá num golpe de amor à sua existência saudosista: enfrente-se!
Com uma lupa viaje cada pedaço de seu corpo e reconheça onde está colocando toda sua força, todo seu desgosto, onde transitam seus anseios e onde perecem seus caprichos.
Não seja indiferente ao que diz seu coração mas não aprecie mais estas emoções nascaradas e despovoadas de sentido verossível ao que realmente importa no pernoitar de uma vida passageira!.
As belas palavras de prosador fazem bonito seu despertar mas são o mais trivial de um imaginário suscetível de enganos pouco poéticos!
Então, que tão impassível é o conforto de sua vida lastimada por seus enganos mais que comoventes de piedade do que uma imersão ao absoluto mundo de você mesmo?
Inunde-se desta areia quente e se reconheça desesperadamente!
Mergulhe no seu deserto caótico e problemático, persuadiando seu íntimo até encontrar-se em plenitude com seu verdadeiro destino: ser feliz por ser autêntico ao lume da sua vida!
Esteja no deserto perturbador sem medo se encarar-se e assumir suas impurezas!
Será um transitar entre a lucidez e a loucura, uma luta desbeiçada entre sua verdade e a verdade do mundo confortável de sua cama bem feita de todas as noites!
Já deixe de ser demagogo no universo despovoado de conteúdo disfarçado de um falso eu.
Quem fala?
Seu eu verdadeiro!”
Disforme-se!
Entre no seu deserto e assim saberá quem é de verdade, sem rodeios, sem amarras, sem vozes alheias, sem lástimas inúteis!
Daniele de Cássia Rotundo