Câmara Municipal de Caieiras
Comissão Parlamentar de Inquérito - Ato nº 08/99
Fraude em concurso público
Relatório Final
PRESIDENTE DA CÂMARA: JOSÉ SOARES
Aos 17 dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e noventa e nove, reuniram-se os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída por meio do Ato da Presidência nº 008/99, para formular o relatório final e Projeto de Resolução, que resultaram nos moldes que seguem:
Nos termos dos artigos 68 e seguintes do Regimento Interno da Câmara Municipal de Caieiras, foi designada a presente Comissão Parlamentar de Inquérito com a finalidade de apurar possível irregularidades no Concurso Público realizado pela Câmara Municipal conforme Portaria nº 17, de 13 de março de 1998, para preenchimento dos seguintes cargos e números de vagas:
02 (dois) Agentes Legislativos de Tráfego;
02 (dois) Reparadores Gerais;
01 (um) Recepcionista;
02 (dois) Técnicos de Processamento de Dados;
01 (um) Telefonista.
O mesmo ato nomeou como componentes da Comissão do Concurso uma servidora da Câmara Municipal e dois Vereadores, a saber:
Dra. Nelma Cristina Manzanaris;
Vereador José Bispo dos Santos;
Vereador Roberto Fávero.
A primeira componente da Comissão do Concurso, posteriormente foi substituída pela Dra. Maria Martha Rose, conforme Portaria nº 24, de 12 de maio de 1998.
As possíveis irregularidades que motivaram a constituição da presente Comissão Parlamentar de Inquérito, deram-se pelo fato da publicação no Jornal da Tarde, na seção de classificados, edição de 28/04/98, que antecipou, com antecedência de 07 (sete) meses o resultado final dos aprovados, o que de fato veio a ocorrer.
A partir desse fato, outras questões foram levantadas para aferição da idoneidade do concurso, das quais a Comissão Parlamentar perseguiu a fim de trazer a verdade dos fatos.
Para tanto, foram convocados e ouvidos o então Presidente da Câmara, José Soares, os membros da Comissão do Concurso, Dra. Maria Martha Rosa, presidente da Comissão, os Vereadores José Bispo dos Santos e Roberto Favero, ambos membros, bem como o atual Presidente da Edilidade que homologou o certame, após revogou seu ato.
Em oitiva, o Vereador José Soares esclareceu que a participação dois cinco funcionários em cargo de Comissão ocorreu porque precisava regularizar a situação funcional deles. Alegou ainda que a Câmara "não tinha verba disponível para contratar uma empresa competente para a realização de tal serviço".
O Vereador José Bispo dos Santos afirmou que "não participou na integra do Concurso Público". Esclareceu que dois familiares seus participaram do Concurso.
Afirmou ainda que a elaboração e correção das provas foram procedidas pela Dra. Maria Martha Rosa. Por seu turno o Vereador Roberto Favero esclareceu que, por motivos particulares, não participou das provas oral e escrita, e que estas foram elaboradas e corrigidas pela Dra. Maria Martha Rosa. Disse que "seria conveniente uma empresa para realizar o Concurso, mas devido a falta de recurso não foi possível.
A Dra. Maria Martha Rosa confirmou que elaborou as provas e tinha ciência de que o filho do Presidente da Câmara e funcionários estavam participando do concurso, e que eles foram aprovados na classificação final. Ainda, esclareceu que nunca havia participado de comissão de concursos públicos.
Por derradeiro, o atual Presidente da edilidade foi ouvido e esclareceu que não havia assinado a portaria de abertura do Concurso em questão, na qualidade de Primeiro Secretário da Mesa, porque não tomou conhecimento nem foi consultado a respeito. Em relação à homologação do certame, esclareceu que a procedeu, por questão de atribuição, mas não viu qualquer necessidade de nomeação dos aprovados.
Posteriormente, em data de 01 de junho de 1999, a mesma homologação foi revogada pelo Ato nº 012, cuja motivação segue abaixo:
"Considerando a matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, em 28.04.1998, na página de classificados, com o título "conheça", onde revela os prováveis aprovados no concurso público da Câmara Municipal, até então desconhecida por esta Presidência;
Considerando também a matéria veiculada no dia 21 de abril último no "Jornal da Band", da rede Bandeirantes de Televisão, envolvendo o Concurso Público realizado por esta Câmara Municipal, Instaurando mediante edição da Portaria nº 17/98, de 13 de março de 1998, em gravíssimas denúncias,..."
É o relato e, diante da coleta das informações, a Comissão Parlamentar de Inquérito conclui o seguinte:
Em primeiro lugar viciado é todo o certame, uma vez que sabido é o fato de que Vereadores não podem compor Comissão de Concurso Público.
Nas palavras do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, há esclarecimento sobre isso, onde diz:
"As atribuições dos vereadores são precipuamente legislativas, embora exerçam ainda funções de controle e de fiscalização de determinados atos do Executivo, de julgamento de infrações político-administrativas do prefeito e de seus pares; e pratiquem restritos atos meramente administrativos nos assuntos de economia interna da Câmara, quando investidos em cargos da Mesa ou em funções transitórias de administração da Casa. Sendo multiformes os aspectos em que as necessidades da comunidade se apresentam a pedir soluções, variadíssima é a atividade do edil, a ser consubstanciada em disposições normativas (leis), em deliberações administrativas (decretos legislativos, resoluções e outros atos), em sugestões ao Executivo (indicações), sobre todo e qualquer assunto da competência local. (Direito Municipal Brasileira, Editora Malheiros , 6ª edição, pág. 447)"
Portanto, é patente e notório o divórcio existente entre as funções legislativas atribuídas Senhores Vereadores com as desempenhadas pela Comissão do concurso, pelo simples fato de que Concurso Público revela-se unicamente um procedimento administrativo e não político-administrativo.
Outro ponto que nulifica o certame é o critério de julgamento das provas que foi diverso daquele estabelecido no item 8 das instruções normativas.
Com efeito, o sub-item 8.2 estabeleceu que a classificação final se daria segundo a somatória dos pontos alcançados nas provas (escrito + oral).
O critério efetivamente adotado, em total afronta ao pricípio da vinculação ao instrumento convocatório, foi o seguinte:
- Somaram-se os resultados obtidos na prova escrita ao da prova oral.
- Dividiu-se o resultado da soma por dois.
- Obtiveram-se média aritmética, que prevaleceu como nota final.
Aliás essa forma de aplicação das notas prejudicaram candidatos que na verdade estariam aptos a colocação na classificação final do certame.
Outro aspecto importante é a publicação feita no Jornal da Tarde de 28/04/98, páginas 7/13.
Referida publicação ocorreu sete meses antes do conhecimento do resultado final do concurso, conforme segue:
"Conheça o nome das pessoas que serão beneficiadas no concurso da C.M.C. conforme Edital veiculado em periódico nº 378, datado de 09 à 16/04/98: Mario Messias Duarte, Pedro Palandi, José Carlos Dássero, Mario de Carvalho, José Márcio Soares, Selma Sales de Souza."
Coincidência ou não, de fato o resultado final do certame veio na forma veiculada no Jornal da Tarde de 28 de abril de 1998, revelando-se a inexistência da necessária parcialidade.
Os fatos demonstram, ao menos em tese, fortes indícios de que o Concurso Público em questão foi dirigido para a aprovação de funcionários em Cargos de Comissão, dentre eles o filho do então Presidente da Câmara Municipal, Vereador José Soares, se essa não foi a intenção, pouco basta para o deslinde da questão, pois não ficou caracterizada a vontade deliberada de agir, no entanto, seriam beneficiados, tanto o filho do então presidente como o filho e um parente do vereador José Bispo.
Assim, comprovado está que a participação dos membros da Comissão do Concurso, não se deu com as cautelas que o caso requer. A condução de todos os atos ficou sob a direção exclusiva da Dra. Maria Martha Rosa, porém, não se pode admitir, a participação de vereadores, como membros efetivos da comissão, sob a alegação de meros espectadores. Saliente-se que a presidente do certame era funcionária subordinada do Presidente da Câmara Municipal. Assim, seus atos, em regra, determinados pelo Sr. Presidente.
A presidente da Comissão, participou de concurso pela primeira vez, sendo assim, caberia ao Sr. Presidente da Câmara os cuidados quantos ao assessoramento da comissão, a fim de garantir o pleno êxito do certame.
Sem independência funcional, além de, principalmente, não ter qualquer experiência em processos de seleção por concurso público, a presidente da comissão não era especialista no trato teórico de matérias como processamento de dados, por seu turno, os outros membros também não dominavam tais matérias.
Dessa forma, a execução das provas desde a elaboração até a classificação final não foi efetivada por profissionais especializados ou empresa competente, gerando os vícios ora apontados, restando prejudicado todo o certame, com benefício notório a parentes de edis.
Houve, pois, na medida do apurado, dirigismo no certame. De um lado, a ação do Presidente da Câmara Municipal, José Soares, revelou-se de má indole, má qualidade e sem honrorabilidade, pois sua motivação foi aprovar seu filho em Concurso Público, cuja conduta foi determinada a funcionária, Dra. Maria Martha Rosa, sob sua subordinação, com amplos poderes para praticar todos os atos necessários a consecução de seu objetivo, quando não tinha experiência ou capacidade técnica.
Ainda, não se pode deixar de consignar conduta semelhante do membro da Comissão José Bispo dos Santos, pois também tinha ciência que dois familiares seu participavam do certame. Assim, tanto o então presidente como o membro e vereador José Bispo, incorreram em afronta ao princípio constitucional da impessoalidade.
Ambas condutas, a do ex-Presidente da Câmara Municipal José Soares e a do Vereador José Bispo dos Santos revelam-se imorais, um por determinar a abertura do concurso objetivando a aprovação de servidores que já possuíam cargos em comissão incluindo-se nesse contexto o seu próprio filho, e o outro, como membro da Comissão, deveria ao menos renunciar a essa função pelo fato de ter ciência que dois parentes seu concorriam no certame.
Conforme ensina Tito Costa, in responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, 3ª ed., Revista dos Tribunais.
"Toda a ação que visa desmoralizar a Administração Pública, não só internamente como também com repercussões externas, procurando desviá-la de seus caminhos regulares, para fins ilicitos, caracterizará a improbidade de seu agente. É o Vereador, que integra, como agente político, a própria Administração do Município, na qualidade de membro de um dos poderes dessa Administração, não pode, impunemente, praticar atos que possam contribuir para a deteriorização do prestigio da máquina administrativa nenhum cidadão pode. Mas o Vereador com maiores razões ainda, sob pena de perder o seu mandato..."
Inquestionável, dessarte, terem os Vereadores José Soares e José Bispo dos Santos infringido as normas de conduta que devem sustentar os atos do administrador público e do político.
Por todos os fatos aqui relatados, esta Comissão conclui e submete o presente relatório à Plenário, sugerindo para que sejam adotadas as seguintes providências:
1 - Anulação de todo o concurso público que versa a Portaria nº 17, de 13 de março de 1998, ante aos vícios apontados no presente relatório com a consequente devolução dos valores desembolsados pelos candidatos à título de taxa de inscrição;
2 - Remessa de todo o apurado ao Representante do Ministério Público do Município de Caieiras, para em querendo, adotar as medidas judiciais cabíveis ante a todo o apurado;
Quando ao edil Roberto Fávero, não se vislumbram práticas dolosas, ainda que a omissão no dever de fiscalizar os atos do Concurso tenha sido uma falta, cuja avaliação sujetiva desta Comissão Parlamentar de Inquérito indica a consideração de menor gravidade, para aplicar-lhe somente o registro da ocorrência em plenário, como recomendação a um maior rigor no desempenho de suas funções, a fim de se evitar a manipulação de que foi vítima, o que também ocorreu, no caso da presidente do certame Dra. Maria Martha Rosa.
Já o atual Presidente da edilidade, Vereador Milton Valbuza Silveira, pelo fato de ter revogado o ato de homologação do certamente, como também pelo fato de não ter utilizado do Concurso Público para a admissão dos servidores "aprovados", deixa-se aqui de aplicar-lhe qualquer tipo de sanção ou recomandação.
É esse o relatório.
Caieiras, 17 de agosto de 1999.
José Carlos Gonçalves
Presidente
Antonio Romero Pollon Jesuito Guedes dos Santos
Membro Membro
CPI 08/99
1 - Concurso público realizado pela Câmara Municipal.
2 - O que aconteceu: Virou ação Civil Pública com sentença condenando os envolvidos. Processo: ___ no Foro Distrital de Caieiras - cabe recurso.