09/01/2023
O singelo ato de viver

Aparentemente nosso subconsciente busca nos confrontar com a lisura da memória, quando em circunstancias adversas, somos impulsionados a refletir sobre algo ainda maior que nossa existência. Seja um processo bioquímico ou um padrão  conectivo neural, quando o fim nos afronta, o início vêm através de nossa memória. E desta forma,empacamos... o tempo para e fica registrado através de uma imagem em nossa memória.


Às vezes, a simplicidade de uma ação é justamente aquela perpetuada até o fim de nossa jornada. A imagem que nos marca a partir do fim!!!
Do ponto de vista lógico, parece insolente qualquer pensamento que não conduza a única realidade que temos plena conjectura, a morte. Porém, ainda  assim, mesmo sabendo do futuro certo de todos, não conseguimos deixar de perder um pedaço de nós a cada perda de uma pessoa próxima, conhecida, amada, admirada. Mas sem hipocrisia, o mesmo acontece com sentimentos nefastos causados pelo sofrimento em vida, seja uma humilhação, discussão, entraves de ideias e filosofias, atitudes incongruentes. Não importa, sempre perdemos um pedaço de nós quando o singelo ato de viver deixa de ser praticado por alguém que fez parte da nossa história.

E se tratando de história, cada pessoa é única e reflete na vida de diversas outras pessoas. Somos únicos, porém interligados pela existência, pelo potencial de ação da singela partícula da vida. Por que não somos preparados para este momento? Por que não buscamos a razão para acalmar o desconforto da perda ou na realidade, da eminência de nosso destino? Talvez as respostas sejam culturais, padrões sociais que simplesmente replicamos e de certa forma transformamos em dogmas, que dentro de cada hum ressurge nos momentos de perda. Como mensurar uma perda? Como preencher o espaço vazio causado por esta etapa comum da vida de qualquer ser vivo?

Há filósofos e psicoterapeutas/ psicoanalistas, enfim qualquer tipo de pensador ou perpetuador dos padrões humanos que denotam este momento como o ato singelo de deixar de viver. Algumas culturas enaltecem o mesmo momento, comemorando a vida que a pessoa cultivou, outras preferem focar no pós-morte, como o descanso eterno de um sofrimento. Não julgo quem está certo ou errado, qual é lógico ou qual é conveniente, pois acredito que a coletividade só pode ser alcançada através dos valores individuais e assim as pessoas buscam se enquadrar nas ações que as confortam.

Longe de ser um momento racional, a morte traz (ressurge) com a questão da vida: como vivemos, o que fazemos, quais nossas prioridades, nossos medos, alegrias, objetivos e inevitavelmente o tempo que temos... tudo isso é  eapresentado a cada parte de nossa história que é ceifada do singelo ato de viver. Muitos dizem que o sentimento de   inconformidade se deve ao egoísmo natural do ser humano, ou ainda, na nossa incapacidade de lidar com questões as quais não temos controle.... talvez!!! Mas ainda que seja uma realidade, a ausência de um ator de nossa história não finaliza a nossa jornada, porém modifica o cenário desta.

 

Pouco importa no que acreditamos acontecer pós-morte, pois a alegria singela de estar vivo é mais do que um instinto de sobrevivência, reflete nas nossas aspirações sociais e na esperança de uma jornada digna. Se nos encontrarmos em outro tipo de vida/ local, com certeza será prazeroso, pois a ausência marca tanto nossa história, quanto a convivência. Há quem encontre conforto com esta possibilidade, mas também existem aqueles mais simplistas, que realmente enaltecem apenas a parte da história de vida que ficou registrada após a infame notícia de sua partida.

Não há como não pensar... não existe a possibilidade de outro “destino”, mas mesmo assim ainda relutamos com nossos sentimentos. Enquanto a lógica evidencia que este sofrimento é desnecessário, os sentimentos não deixam de existir e são amplificados pela saudade. Uma saudade retórica, uma vez que jamais saberemos como seria se o singelo ato de viver tivesse se perpetuado de outra forma, com outro tempo...

Sim... acredito que embora a lógica tenha parte da razão, o sentimento também possui do ponto de vista de sua existência. Um sentimento é fruto de ações que foram realizadas e muitas vezes repetidas ao longo de nossa história, como então deixar de considerar racional ter sentimentos? Não devemos!!! Muitos buscam a antítese da razão na emoção, mas isso é uma utopia para tentar manter o controle. Mesmo que não compreendemos adequadamente a complexidade da razão e dos sentimentos, arbitrar para qualquer um dos lados é simplesmente subtrair parte deles, não há como dissolve- los  individualmente sem que se perca a lógica  existencial.

Não estou procurando um conforto conveniente, mas prefiro manter na memória afetiva a importância de cada ator que contribuiu de diferentes formas em minha vida.

Desta forma, mesmo sabendo do destino óbvio, prefiro enaltecer a importância única do aprendizado individual compartilhado e, ainda que com saudade, relembrar que somos o reflexo de tudo que a singela ação de viver nos proporcionou. Dessa forma, a morte passa de uma simples fração  momentânea da vida, para um aprendizado de longa permanência.

Mais do que a saudade, devemos gratidão a todos que auxiliaram a montagem de quem somos. E, de tudo que há de mais lógico neste sentimento, fica a lembrança da importante e singela ação de viver. Obrigado... somos únicos justamente porque representamos um complexo conjunto de  sentimentos e histórias que jamais se repetirão no tempo e espaço...

O “Força Sempre”, hoje, será substituído pelo “Saudade Sempre” em homenagem a todos que fizeram muito mais do que podiam imaginar em minha vida.
Obrigado!!!

Matheus M. Rotundo



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