09/09/2020
Juquery está presente na 11ª Bienal de Berlim

A 11º Bienal de Berlim expõe obras de pacientes-artistas do Juquery

Obras de ex-pacientes do Complexo Hospitalar do Juquery embarcaram neste mês rumo à Alemanha para participar da 11ª Bienal de Berlim de Arte Contemporânea que, entre outros temas, vai explorar também a relação das artes com a saúde mental. A mostra contará com quinze pinturas do acervo do Museu Osório César, todas elas realizadas por artistas que foram pacientes do Juquery nas décadas de 50, 80 e 90.

A mais antiga (datada) é de 1.951 e leva o título “A Dama do Fuhrer”, com autoria de Aurora Cursino dos Santos. Também participam obras de Maria Aparecida Dias, Aurora Cursino dos Santos, Masayo Seta e Ubirajara Ferreira Braga, que retrataram pessoas, objetos e ambientes.

Das quinze, três são óleo sobre tela e uma leva tinta acrílico também em tela. No papel, três foram feitas à óleo, e as demais com hidrocor, grafite, guache, pastel oleoso e giz de cera.

O acervo completo possui mais de 8 mil obras, entre 434 esculturas, 821 telas e aproximadamente 7 mil obras em papel, além de mobiliário histórico, equipamentos e instrumentos médicos.

Breve Histórico da Arte no Juquery

Do ponto de vista político/administrativo, a antiga fazenda do Juquery, formada pelo mosaico de terrenos adquiridos pelo Dr. Franco da Rocha, encontra-se ainda hoje íntegra enquanto propriedade do Estado de São Paulo, porém dividida entre as seguintes secretarias: Secretaria de Estado da Saúde, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Justiça, Segurança Pública e Assuntos Penitenciários. Trata-se da maior área de propriedade do Estado nesse território, sendo central geograficamente, passível de se constituir em referência tanto de espaço público quanto de valorização social.

Foi no século XIX que o hospício como uma instituição total tornou-se prática na assistência aos alienados. As grandes instituições psiquiátricas, construídas em áreas afastadas dos centros urbanos, guardaram a imagem do paciente psiquiátrico e seu estigma longe dos olhos da sociedade por um longo tempo. Com o Juquery não foi diferente, fundado em 1898 pelo alienista Dr. Francisco Franco da Rocha, que para evitar a superlotação (que já se pronunciará antes), transferiu o hospício paulista encravado no centro urbano, para paragens próximas à cidade de São Paulo.

O projeto arquitetônico foi elaborado por Ramos de Azevedo. Respectivamente, médico e arquiteto, escolheram uma grande extensão de terras na região do vale do rio Juqueri, localizada próximo a Serra da Cantareira. O local foi definido pela sua “vocação para saúde” que historicamente a Serra já ostentava, além da proximidade com a cidade de Caieiras que, à época, continha as principais empresas fornecedoras de material de construção para a obra e pela facilidade de integração com a cidade de São Paulo devido ao sistema ferroviário existente. O Asilo de Alienados do Juquery foi iniciado pela construção da 1ª Colônia Psiquiátrica Masculina onde, através da atividade agrícola, a laborterapia teria efeito terapêutico sobre o doente mental.

Durante a administração do Dr. Franco da Rocha o asilo se expandiu, chegando a ter cinco colônias dispersas pela fazenda, além da consolidação do conjunto central, edificado conforme a experiência executada no Asilo de Saint Anne, em Paris. Sob sua administração também foi desenvolvido o sistema de tutoriamento chamado “nutrício”, onde famílias da região recebiam uma ajuda de custo do Estado para receber e tratar pacientes que apresentassem alto grau de sociabilidade e capacidade de trabalhar no campo.

Sucedeu-lhe o Dr. Pacheco e Silva, que subscrevia a compreensão da doença mental como problema social antecedente à crise do indivíduo e não apenas quando se manifesta posteriormente, o que se tornou a tônica do tratamento psiquiátrico. Em sua gestão, o Dr. Pacheco e Silva deu grande impulso às pesquisas científicas, pois ampliou, completou, renovou e criou serviços e setores novos no Hospital do Juquery. Outro fato importante em sua gestão foi a mudança de nomenclatura de Asilo de Alienados para Hospital Psiquiátrico, em 1925. A essa mudança vem atrelada a ampliação considerável do espaço físico. Com Pacheco e Silva o Juquery atingirá a configuração de sua implantação conhecida até hoje.

Nessa mesma época é convidado ao quadro de funcionários do Juquery o médico anatomopatologista Dr. Osório Thaumaturgo César (1895-1979), o qual começa a estudar dentro dos comportamentos dos pacientes a dedicação a alguns trabalhos de desenho e modelagem, os quais anteriormente passavam desapercebidos. Ele começa então a criar uma pequena coleção de objetos tais como: modelagens em miolo de pão, fotos de desenhos feitos nos muros e desenhos a lápis com representações diversas e começou a guardá-los. Dr. Osório passou então a observar mais atentamente essas manifestações e a escrever publicações a respeito do assunto. Posteriormente, no ano de 1949, por iniciativa do mesmo e com o apoio da Diretoria do Juquery é inaugurado no Hospital a Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery, inicialmente instalada na antiga residência do Diretor, projeto do arquiteto Ramos de Azevedo e onde moraram Dr. Franco da Rocha e Dr Pacheco e Silva. Por ter sido casado com a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) e ter contato com a vanguarda da arte na época, Osório além de analisar essas obras como possibilidades terapêuticas e de avaliação da condição mental dos pacientes implementou ainda trabalhos desenvolvidos por orientadores que enriqueceram ainda mais as obras do período, tais como a própria Tarsila, Lasar Segall (1891-1957), Flávio de Carvalho (1899-1973), entre outros. Dr Osório ficou à frente do referido serviço até o ano de 1964, quando se aposentou e os trabalhos desenvolvidos foram paralisados e ficaram guardados, até que na década de 80 a Coordenadoria de Saúde Mental inicia um projeto de reorganização com o auxílio de profissionais ligados a Universidade de São Paulo, coordenados pela Dra. Maria Heloísa Ferraz, os quais realizam um trabalho de limpeza, restauro e inventário das peças e após a restauração da casa onde funcionava a ELAP, passou a funcionar no local, a partir de 1985 o Museu que recebeu o nome de seu fundador, Dr. Osório César. O museu funcionou no local até aproximadamente o ano de 2005, quando seu acervo foi transferido provisoriamente para um prédio administrativo e hoje encontra-se, desde o ano de 2009, em um outro prédio também do arquiteto Ramos de Azevedo (antigo 1º Pavilhão Psiquiátrico Feminino, atual Núcleo de Acervo Memória e Cultura), que atualmente abriga além do Museu Dr. Osório César o arquivo de prontuários históricos da Instituição.

O acervo é composto de 434 esculturas, 821 telas e aproximadamente 7.000 obras em papel (divididas entre as obras produzidas pela Escola Livre de Artes Plásticas – ELAP, entre 1949 a 1970 e o acervo contemporâneo, produzido entre 1985 a 2005), totalizando mais de 8.000 obras de arte, além de mobiliário histórico, equipamentos e instrumentos médicos.

Nesse contexto de revalorização desse acervo são várias as iniciativas que procuram preservar, visibilizar e dar acesso aos pesquisadores ao patrimônio salvaguardado pelo Complexo Hospitalar do Juquery. No ano de 2013 em parceria entre a Secretaria de Cultura do Município de Franco da Rocha foi elaborada proposta com vistas a concorrer no Edital do Fundo de Interesses Difusos - FID 2013, para a realização de obras de manutenção e restauro nas dependências da antiga residência do Dr. Franco da Rocha, no intuito de reabertura do Museu Osório César. Tal proposta foi contemplada e está em andamento no momento, contemplando os seguintes serviços:

Catalogação e criação de Banco de Dados, Higienização, Acondicionamento e Armazenamento das Obras Artísticas do Acervo Pictórico e Escultórico que compõem o Museu

Recuperação e Restauração da edificação do Museu Dr. Osório César

Contratação de serviços técnicos especializados na capacitação e formação de monitores em conservação e restauro museológico de acervo artístico e cultural e de mediadores culturais

Para tanto, a área de entorno do referido prédio foi cedida a Prefeitura Municipal de Franco da Rocha desde o ano de 2015 (Decreto nº 61.295/15), para a implantação do Centro Integrado de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, seguindo nosso Plano Diretor Institucional, o qual direciona tal área para uso com fins de Educação e Cultura, fazendo parte ainda da reformulação do terreno fronteiriço com o Complexo Hospitalar do Juquery, criando um parque linear beirando o rio Juqueri.

Até o momento já foram iniciadas todas as etapas do Projeto, através da realização de 03 (três) editais para a contratação de empresas especializadas pela Prefeitura. Além disso no ano de 2019 foi publicado Decreto Municipal criando oficialmente a estrutura do Museu de Arte Osório César.

Em paralelo, está sendo realizado pela equipe própria do Juquery, o cadastramento de todo o acervo no sistema GEPRE (Patrimônio em Rede), ligado a Curadoria do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, de modo a no futuro facilitar o acesso a pesquisa, além de difundir a riqueza de nosso acervo.

Aurora Cursino dos Santos. Óleo sobre papel.

Ubirajara Ferreira Braga. Personagem do Mundi Infantiu. Guache e giz de cera sobre papel, 1995.

Maria Aparecida Dias. Tinta acrílica sobre tela, 1994.

Fotos: Gisele C.H. Ottoboni

https://11.berlinbiennale.de/participants/museu-de-arte-osorio-cesar-franco-da-rocha-br

http://portaldenoticias.saude.sp.gov.br/

Nucleo de Acervo Memória e Cultura do Complexo Hospitalar do Juquery



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