Criada no interior, com uma educação muito tradicional, sonhava um dia poder alçar voo e buscar em terras distantes a realização de seus sonhos, de carreira e quem sabe até encontrar aquele príncipe encantado, que toda menina da época sonhava.
Sabia que quando adulta, dificilmente, permaneceria naquela terra, pois havia nela o sonho da liberdade, a necessidade do voo da borboleta que habitava em suas fantasias de adolescente.
Teve certeza disso quando lhe foi revelado que, para ela, só haveria a possibilidade de flertes e namoros a partir dos 19 anos, e que provavelmente o seu futuro marido seria escolhido pela família, que na época a amparava.
Não pensem que estou falando de um passado longínquo. Isso aconteceu por volta dos anos 60.
A jovem entrou em pânico ao pensar que tinha apenas 13 anos de idade e seu futuro já estava sendo decidido. Tratou então de contatar sua progenitora biológica, pedindo que fosse busca-la, pois não era essa a vida que planejara.
Literalmente, saiu quase fugida daquela terrinha amada, mas onde se sentia tolhida, reprimida e até sufocada sem poder dizer de seus anseios. Ela trazia na vida a marca de ser filha de “gente separada”, que na época era um escândalo para as famílias tradicionais, e mocinhas casadoiras não podiam ter essa mancha em seu curriculum.
Quando chegou à cidade grande, mesmo tendo tido pouquíssima convivência com sua mãe biológica, achou que ali estaria a salvo para viver sua existência com base naqueles planos de carreira, e talvez, quem sabe um dia, encontrar um amor.
Tudo o que ela mais queria era estudar...Isso sempre foi sua prioridade.
Mas, mesmo na cabeça um pouco mais aberta e liberal de sua mãe, o casamento estava em primeira discussão. Almejava que a menina moça logo arrumasse um “bom partido”, pois afinal, toda mãe que era “zelosa”, queria isso para sua filha, na época.
Mas a vida tem também seus planos para nós, independentemente da nossa vontade, e eis que um colega de brincadeiras nos portões de casa, um dia apresenta para ela um rapazinho um tanto afoito, que dias depois, aparece na porta de sua casa, para pedir permissão para namorá-la.
Entre choque e surpresa, mas com os aplausos da “mãe zelosa”, a mocinha teve vontade de colocar o rapaz atrevido porta afora, mas com o respeito que devia às visitas, engoliu em seco e tentou adiar uma resposta.
Foi pressionada a aceitar, pois afinal, era um rapaz de boa família e havia feito tudo conforme mandavam as tradições, das quais a menina com asas de borboleta queria mais era fugir.
Como era muito ingênua, pensou que poderia lidar com aquela situação, e quem sabe através do tal rapaz, ela ganharia mais liberdade para desbravar mundos até então desconhecidos, e naturalmente proibidos, pois estavam fora dos muros que a prendiam.
Enquanto isso, terminou o primeiro grau da escola, e quando achou que daria mais um passo em direção de seus sonhos, eis que sua mãe, determina que já era hora dela casar-se. Já que tinha completado 18 anos e o namoro com o tal mocinho já durava 4.
No auge do seu espanto, a menina se recusa e seguir os planos de sua mãe e resolve sair de casa, para morar num pensionato de freiras.
Foi o estopim de um escândalo.
A família toda se envolveu no assunto.
Era questão de “honra”, do “nome”, etc, etc, etc...
Para reprimi-la, ela foi proibida de estudar... Nada mais lhe seria dado, seu sustento foi cancelado e não lhe restou muito a não ser ceder, tentar ganhar tempo e procurar um emprego.
A família do rapaz também pressionou, afinal seu filho não se casaria com uma moça que fosse morar sozinha... E mais uma vez, ela teve que ceder... Ficou noiva.
Foi nessa época, já tendo começado a trabalhar, que ela se apaixonou de verdade pela primeira vez. Ele era seu chefe. Foi então que seu maior sofrimento começou.
Naquela época, as mulheres jamais dariam um passo em direção ao homem amado. Caberia a ele perceber ou se interessar pela moça e conquistá-la. Mas ele não percebeu e tão pouco se interessou, a não ser para orientá-la pois achava que já estávamos numa época em que os casamentos não deveriam ser realizados com casais tão jovens e inexperientes.
Ela esperou por ele até o momento que entrou na igreja no dia de seu casamento, do qual ela não teve forças para fugir.
Casamento feito sem base, sem maturidade, sem amor de verdade. Os filhos que vieram foram as únicas alegrias dessa mulher, que ao ter idade e maturidade suficiente, estudou, formou-se numa profissão, mesmo a revelia de seu marido e, finalmente, libertou-se. Cortou suas algemas, que ela jurou, não seriam eternas, separou-se.
Desnecessário dizer que foi outro show de horrores para a família, mas dessa vez, ela já mulher feita, sacudiu a poeira e seguiu em frente, mesmo sem apoio saboreou finalmente o voo tantas vezes adiado da borboleta de tons lilases que habitava o âmago de seu verdadeiro ser.
Mas nada foi fácil, pois entre a separação e o divórcio, passaram-se anos de lutas financeiras, chantagens emocionais, onde ela mais uma vez cedeu, abrindo mão de direitos em prol de sua definitiva liberdade.
Permaneceu nesse voo livre pelo tempo que se fez necessário, para que ela deixasse de sentir a aversão que tinha pelos homens e voltasse a acreditar que haveria tempo ainda, para um amor em sua vida.
E ele veio. Sim, o amor apareceu para ela da maneira mais inesperada possível, naquela noite, que ela estava vestida de lilás...
Foi aquele olhar de primeira vez, que acontece quando já sabemos que aquela pessoa é, com certeza, o que buscamos por uma vida.
Sabiam que estavam aqui para ficarem juntos, independente de qualquer questão.
E a questão existia: ele era bem mais novo que ela...
Foram muitos anos de desafetos, separações de familiares de ambos os lados, preconceitos jogados em seus rostos muitas vezes, ofensas ditas e escritas lhes foram dirigidas de muitas formas, mas isso só os fazia fortalecer ainda mais, a certeza de que estavam aqui para ficarem juntos.
Quando finalmente eles conseguiram legalizar sua união, com ela vestida de lilás, foram recebidos pela mãe e família dela, isso após 9 anos de relacionamento. Quanto aos familiares dele, jamais a aceitaram, tendo cortado qualquer relação com o filho, neto, irmão...enfim todos.
Uma peculiaridade, eles já se casaram três vezes em rituais diferentes.
Estão juntos, já se passaram 24 anos de união.
Ela desde então, acredita no amor.
Ele sempre acreditou que a encontraria.
A borboleta lilás voa acompanhada agora.
Juntos estão, juntos estarão, porque essa história não tem fim...
Selma Esteticista