11/01/2017
A prova

Num dia de manhã, eu já trabalhando, recebo uma ligação de uma cliente, dizendo que precisava de meus trabalhos com urgência. Ela era secretária de um senhor que havia feito uma lipoaspiração e estava procurando por uma esteticista de confiança.
Estranhei, pois normalmente quando um cirurgião faz esse tipo de trabalho, ele mesmo tem na sua equipe a profissional competente para fazer essa parte. Mas, ela dizia que tinha me recomendado e que ele queria a mim e mais ninguém. Agradeci a recomendação e lhe disse que assim que terminasse com a cliente que estava atendendo, eu retornaria para marcarmos um horário.
Foi então que ela me explicou que ele queria que eu fosse naquele mesmo dia, que mandaria me buscar, que tinha motorista particular, que não estava acostumado a esperar por ninguém.
Fiquei um tanto surpresa e até mesmo irritada, pois queria dar atenção ao meu trabalho do momento e a moça em questão não me deixava desligar o telefone.
Sempre trabalhei com um fone de ouvido, mas mesmo assim, era desagradável, estar atendendo uma cliente, e conversar ao mesmo tempo com outra.
Por fim, perguntei o nome desse senhor que estava tão apressado, e quando ela me revelou não me disse nada....eu não o conhecia. Daí a surpresa foi dela e da cliente que eu estava atendendo, pois ela me disse que sabia bem quem era.
Tratava-se, segundo ela, de um figurão da cidade que tinha até helicóptero particular... bom... para mim deu no mesmo. Disse a secretaria dele que o atenderia no momento que eu pudesse, pois para mim, todos os clientes tinham a mesma importância. Prometi ligar assim que possível e a moça me disse que o emprego dela estava em jogo, se eu não o atendesse.
Achei isso ridículo, e sinceramente, decidi que não iria atender.
Bom, achei que o assunto estivesse encerrado, mas nem uma hora depois a pobre secretária me liga de novo e pede para mim que fosse naquele dia mesmo, que ele pagaria o que eu quisesse, que ela precisava do emprego, etc e etc.
Aquilo acabou me irritando ainda mais, pois eu tinha um dia repleto de clientes, algumas pós-operatórias também e não podia simplesmente deixa-las e sair correndo.
Mas, mesmo assim, ainda dei a opção dele vir, mesmo que tarde da noite, para eu atende-lo em minha clínica. Ele disse não, eu é que teria de ir vê-lo. Então passei o contato de uma colega e desisti.
Para mim, o caso estava encerrado. Mas, no dia seguinte antes mesmo de eu começar a atender, eis que a moça, a tal secretária me liga de novo. Dessa vez, ela me deixou constrangida, pois estava chorando e pediu que eu fizesse por ela, que eu não conhecia o patrão dela, que era muito estressado e não aceitava um ‘não’ dizendo que a incompetência era dela. Sinceramente eu fiquei muito revoltada, e vi que não podia fazer a moça ser responsabilizada por uma atitude minha. Então combinei que a noite, ela viria me buscar e eu iria até a casa do patrão mimado dela.
E a noite, lá fomos nós.
Chegando à casa do tal senhor, passamos por tantas portas e seguranças, que se me soltassem sozinha para sair de lá, eu não saberia o caminho de casa.
Ao entrar na sala indicada, já tinham preparado o ambiente, com maca, musica ambiente, aromaterapia, enfim, um mini spa. Confesso que fiquei curiosa pela primeira vez. Quem seria essa figura, tão cheia de vontades. Mas não esperei muito, e ele entra pela sala adentro, com um roupão verde musgo que o deixava mais pálido do que estava de fato.
Cometemos o erro de imaginar uma pessoa, indo pelo que falaram dela....então eu imaginei um homem grandalhão, corpo malhado, cabelos grisalhos, essas coisas de nós mulheres. Mas, quem entrou naquela sala, naquele roupão enorme para ele, era um baixinho careca, sem graça, e com uma voz estranha. Mas, eu juro para vocês, que eu não ri, afinal a profissional fala mais alto que a mulher e o coitado estava realmente com dores.
Olhou para mim, com uma expressão de .... MAS É VOCE?
Depois, eu soube por ele mesmo que pelo que já tinha ouvido falar de mim, esperava uma mulher grandona, musculosa tipo alemã... Acho que me subestimou avaliando o meu tamanho, pois posso afirmar, que sou bem pequena, e muitos se surpreendiam com a minha força, adquirida claro por anos de trabalho.
Observei que o homem era covarde, estava morrendo de medo de mim....Mas eu mantive a classe e tentei passar segurança a ele. Foi aí ao examinar os locais da lipo, que entendi o que esse senhor tinha feito. Num desses rompantes de querer as coisas feitas na hora, arrumou um cirurgião no interior do estado, que aceitou fazer o procedimento sem exames preliminares, sem avaliações necessárias, pois meu cliente quis, pagou e pronto.
O coitado estava pagando um preço muito alto por aquela loucura. Fez lipoaspiração quase que no corpo todo... uma barbaridade. Estava todo preto de hematomas, preto mesmo, não roxo, eu nunca tinha visto uma situação daquelas, nem sabia por onde começar.
Quando terminei de examinar, ele me fez uma pergunta que quebrou o gelo entre nós e eu caí na risada... Ele muito sem graça me disse assim:- “D. Selma, eu não sei por que fiquei com meu ¨bilau¨ todo preto, a Sra. acha que vai parar de funcionar? A Sra. quer ver?
Imaginem a minha cara.... - “NÃO! , POR FAVOR, NÃO TEM NECESSIDADE!”- Disse eu.
Expliquei a ele, com muita força para não rir, que o seu órgão reprodutor, estava apenas roxo, pelo excesso de agressões que o corpo dele, havia sofrido e que só estava com aquela coloração por hora e não seria afetado no seu funcionamento. A cara dele mudou na hora. ‘Homens’, sofrendo dores por tudo, mas só pensava no seu BILAU FUNCIONANDO.
Para encurtar a história, cuidei dele por alguns dias indo à sua casa, e depois ele passou a frequentar minha cabine de estética, ficando sentado na sala de espera, como todos os demais e ainda causando um frenesi na mulherada que o conhecia e o encontrava lá.
Aos poucos fui sabendo quem ele era de verdade. Sim, com muito poder aquisitivo, muito mimado, muito requisitado pelas mulheres, pois sabemos que onde tem dinheiro, tem facilidades né gente?
Mas, era também um grande ser humano. Mal criado sim, mas de bom coração e pasmem, solitário, pois tinha noção da realidade... Muito dinheiro, muitos “amigos”...
Ficamos amigos claro... Até me convidou com minha família para passarmos o ano novo com ele, em sua ilha particular.... Não fui, claro.
Ficou bom, mas não queria me deixar, então estava lá toda semana... fazendo massagens...e sempre me dizia: - “como pode... mãozinhas tão pequenas, fazerem tanto milagre”.
Às vezes, fazia loucuras como ficar voando em cima do meu prédio e telefonando, para dizer... “estou aqui em cima, sai na janela, para me dar um tchau”.
Foi dele a ideia de fazer um painel de fotos na minha sala de trabalho, já que muitas pessoas não acreditavam que o ‘Senhor Todo Poderoso’, frequentava minha humilde cabine de estética.
Assim, tirou fotos vestido e de sunga, como ele mesmo dizia: - “para provar que fico quase pelado para você, minha deusa”.
Provamos para os incrédulos que pode existir uma amizade verdadeira entre um nobre e uma plebeia.
Tudo é possível nesse mundão.

Selma Esteticista

 

 



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