Crônica: Ilusão

Isso nunca havia acontecido antes. Meu pai jamais havia dormido fora de casa. Era uma manhã do dia 16 de novembro, do ano de 1992. Levantei às 7 horas e me direcionei para a cozinha, onde encontrei minha mãe preocupada, dizendo que papai não tinha aparecido desde o dia anterior, o qual fomos ver a decoração de Natal de um shopping e encontrávamos muito felizes diga-se de passagem. Depois de deixar eu e minha irmã em casa, ele foi para seu escritório, em uma localidade um tanto quanto próxima de minha casa. Então, minha mãe resolveu fazer o mesmo itinerário que papai fazia diariamente para ver se o encontrava. Neste caminho, ela encontrou um acidente em uma curva acentuada da BR 040. Ela avistara carros de polícia e de resgate e parou para averiguar de que se tratava. E, estava lá... Era o acidente de papai. Creio que aquele lugar não suportara seu espaço. Até então, como se deu toda a burocracia destes casos não tomei conhecimento pelo fato de não compreender o mesmo. Quando retornara para casa, disse secamente “Papai morreu”. Naquele instante não pude absorver tal idéia, também por que nunca havia lidado com tal situação. Naquele momento havia algumas pessoas em minha casa, para confortar tal fato e fui encaminhada, não me recordo por quem, para a casa de uma amiga, a qual devo agradecer imensamente por tão grandioso cuidado. Em minha cabeça não se passava nada, pois não era capaz de entender como era a morte e imaginara que ele voltaria, que estava apenas de passagem por um lugar distante, mas que brevemente retornaria para me ver. Quando menos esperava, minha mãe aparecera para me buscar e me levar para o velório. Mas o que era isto? Lembro-me perfeitamente bem das palavras de um amigo: “Fique aqui que vamos jogar videogame”. Mas algo, que até os dias de hoje não entendi foi que uma força me dissera que deveria ir, que talvez fosse a última vez que o veria. Não sei quem guiou o carro, pois naquele instante me tornara um vegetal... Quando chegamos ao local de destino, havia muitas pessoas, mas não olhei para ver quem se encontrara naquele lugar. Direcionei-me a uma espécie de sala e lá estava ele, dentro de um caixão que quando avistei, não pude conter as lágrimas. Lembro-me de minha avó, que falava comigo para que não pensasse no presente fato. Minha mãe permanecera assentada por todo o tempo o qual estivemos ali e minha irmã não me lembro onde estava. Ali, apenas recordo de mim e dele, com a cabeça enfaixada devido ao traumatismo craniano. Quando aproximava a hora de retirar seu corpo dali, minha mãe me chamara, pois estava ao lado, tomando um guaraná que minha avó praticamente me obrigou que bebesse. Entrei naquele lugar e minha mãe disse: “Despeça-se dele”. Não entendi suas palavras, ou melhor, não quis entender, pois não aceitara tal fato. Fomos para o sepultamento, não sei com quem fui, pois a partir daquele instante meus sentidos se perderam, porém minha mãe não estava ali. Quando vi, com estes árduos olhos, o seu corpo sendo encaminhado para um buraco, retirei-me rapidamente daquele local e uma amiga de minha mãe veio em minha direção e levou-me para minha casa, onde parecia não ser a mesma. Os cômodos estavam fora do lugar, não existiam mobílias ou qualquer artefato caseiro. A partir daquela noite do dia 17 de novembro, não dormi por longos dias, imaginando que ele voltaria sim, mesmo que isso fosse contra as leis naturais. Os dias não passavam, as manhãs nunca mais tiveram sol, a lua não iluminara mais a noite até o dia em que, estava em seu quarto, dormindo do seu lado da cama de casal ele aparecera, com longos braços para me abraçar e lembro-me que em uma de suas mãos encontrava-se sua mala azul, a qual sempre levava consigo para as viagens de pescaria e dissera: “Não chores mais, eu ainda vou voltar”. Foi a partir de então que pude tentar retomar o curso normal da vida e tentar me habituar à saudade e imensa dor causada pela sua ausência. A única maneira de manter vivas as pessoas que amamos é nunca deixar de amá-las e isso certamente não há de acontecer. Eu sei que ele está comigo e se orgulha por muito do que faço, inclusive pelo fato de estas linhas estarem sendo escritas para ele. Tem orgulho de ouvir Bossa Nova, apreciar o carnaval e aproveitar a vida enquanto posso. Todos temos uma missão enquanto em vida estivermos, contudo a morte torna-se uma ilusão, pois desconhecemos como isso se dá. A missão do meu pai já foi cumprida e em toda sobrenaturalidade da morte, eu sei que ele estava certo quando dissera que voltaria. Eu pude contemplar sua imagem, mesmo que muitos ainda sim não possam compreender como tal fato se deu e julgarem que me encontro em insanidade, não me importo, pois em minha subconsciente opinião, denomino como sendo intríseco o meu amor por ele. Os dias se passaram e conseguiram amenizar a dor. Mas em tudo o que lhe pertencia ainda tem um “q” de saudade. Devo tão somente viver, pois o temor da morte não me atormenta, pois se deixar este mundo,hei de encontrá-lo. Deus sabe todas as coisas, mesmo que tão pequena e na ignorância de menina fui capaz de não querer que Papai do Céu cuidasse de mim, mas Ele me compreendeu e se acha que isso, de certa forma seria benéfico para alguém ,resta a mim aceitar. O seu amor pela música popular pode ser refletido nos traços seguidos pela minha irmã. E eu exemplo vivo de seu amor pela noite, enxugo neste momento todas as lágrimas que tomaram conta de meus olhos durante longos doze anos, porque o próprio não quer que eu sofra pela sua ausência. A dor continua, a saudade machuca mas a esperança e os sonhos os quais tomam conta de minha mente neste instante me fazem refletir à respeito desta vida que, infelizmente não está como almejara durante tantos anos, todavia meu amor é eterno e a saudade não há de acabar, mas dará espaço a tudo que sei que ele se satisfaria juntamente comigo. A morte realmente é um fato oculto, uma ilusão e quem há de desvendar tal, apenas quem já viveu.

Paula Oliveira

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