AMARÍLIS LAGE
FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo
Ele começou a ser utilizado na culinária não
por dar sabor aos alimentos, mas por seu potencial sanitário. Com um
forte poder esterilizador, o sal conservava a comida, impedindo a reprodução
de bactérias. Mas esse aliado inicial da saúde agora está
sob a mira das entidades médicas.
Associado a uma série de problemas, entre eles a hipertensão,
o sal foi alvo de uma ação recente da American Medical Association.
A entidade pediu à FDA (agência responsável pela regulamentação
de alimentos e remédios nos Estados Unidos) que mudasse o status do sal,
até agora considerado uma substância de consumo seguro. Além
disso, a associação quer reduzir pela metade a quantidade de sódio
em alimentos processados ou servidos em lojas de fast-food.
Leonardo Wen/FI
No Canadá, o guia de alimentação desenvolvido
pelo governo segue o mesmo caminho. A próxima edição, que
deve sair até o início de 2007, vai trazer recomendações
para diminuir o sal na alimentação.
O sal não traz só malefícios. Ele é necessário
para o equilíbrio dos fluidos corporais e para a transmissão de
impulsos nervosos.
O problema é que nosso paladar se adaptou tanto a ele
que o consumo se tornou excessivo. Uma pesquisa recente do Idec (Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor) sobre fast-food encontrou sanduíches cujas unidades
oferecem quase 80% do sódio recomendado por dia.
A Folha ouviu especialistas para saber quais são as
conseqüências desse exagero e como diminuir a quantidade de sal na
comida. A primeira dica é valorizar ervas e condimentos que acentuam
os sabores. Afinal, "sem sal" não precisa ser sinônimo
de "sem graça".
*1 - Qual a importância do sal para a saúde?
O sal está diretamente ligado ao volume de fluidos fora
das células.
Tudo que modifica a quantidade de sal afeta a retenção de líqüidos
no corpo. Ele ajuda a regular as passagens de líqüido e de substâncias
pela membrana das células, mantendo a pressão osmótica
delas. Além disso, é importante para a transmissão de impulsos
nervosos.
*2 - Sódio é sinônimo de sal?
Não. 6 g de sal equivalem a 2,4 g de sódio. Fique atento na hora
de ler o rótulo dos alimentos: eles trazem a quantidade de sódio,
e não de sal, que eles contêm.
*3 - Quanto deve ser consumido por dia?
A recomendação é que adultos ingiram de
quatro a seis gramas de sal por dia.
*4- Há recomendações específicas
para crianças e idosos?
Ambos devem consumir menos sal. Aconselha-se que os pais não
adicionem a substância à comida das crianças até
os dois anos de idade. Além de o leite materno e o sódio já
presente nos alimentos suprirem suas necessidades, evita-se, com isso, que elas
se acostumem a uma alimentação muito salgada, já que é
nessa fase que se forma o padrão gustativo.
Já os idosos devem comer menos sal (o ideal seria cerca
de 5 g por dia) porque tendem a reter mais sódio e também porque,
com o envelhecimento, os vasos vão perdendo naturalmente a capacidade
de distensão, sendo mais provável que desenvolvam hipertensão.
*5 - Em média, quanto sal os brasileiros comem
por dia?
Não há estudos populacionais que determinem um
valor médio para todo o país. Mas pesquisas realizadas em alguns
Estados mostraram que o consumo é de aproximadamente 12 g, valor muito
acima do recomendado.
*6 - Quem não acrescenta sal à comida
come pouco sal?
Não necessariamente. Estima-se que 75% do sal que consumimos
seja proveniente de alimentos processados industrialmente. Molhos, como o ketchup,
produtos em conserva e embutidos são as opções mais ricas
em sal. Os outros 30% vêm dos alimentos naturais e do sal que adicionamos
aos alimentos.
*7 - Doces estão liberados?
Não necessariamente. Quem tem hipertensão deve evitar produtos
adoçados com ciclamato de sódio. Assim como o sal, esse adoçante
tem sódio, que afeta a pressão.
*8 - Posso suprir minha necessidade diária de
sal só com alimentos naturais?
Sim. O sódio está presente na maioria dos alimentos, embora em
quantidade pequena. Alimentos como carne, peixes e ovos podem suprir essa necessidade.
O problema é que nossa alimentação é pobre em iodo,
e o sal de cozinha é, por lei, enriquecido com essa substância.
O iodo é importante para a saúde (gestantes que têm um consumo
insuficiente de iodo, por exemplo, podem ter filhos com distúrbios cognitivos).
*9 - O que acontece a quem ingere uma quantidade insuficiente
de sal?
Problemas causados por ingestão insuficiente de sal
são raros, mas acredita-se que uma dieta muito restritiva de sal (menos
de um grama por dia para adultos) altera o perfil lipídico do organismo,
aumentando os índices de colesterol ruim. Ainda não se sabe qual
o mecanismo que leva a essa alteração.
*10 - O excesso de sal leva à hipertensão?
Sim. Em populações que consomem muito sal, os
índices de hipertensão são mais altos à medida que
as pessoas envelhecem.
*11 - O efeito do sal é o mesmo em todas as
pessoas?
Não, os graus da sensibilidade ao sal variam de pessoa
para pessoa.
Acredita-se que algumas pessoas, por determinação
genética, tenham rins que não manipulam bem o excesso de sal no
organismo. Por isso, elas seriam mais sensíveis ao sal. Essa característica
também está ligada a grupos étnicos: entre negros, por
exemplo, a prevalência de pessoas mais sensíveis ao sal é
maior. Homens e mulheres também apresentam resistência diferente
ao sal. As mulheres, de modo geral, são mais "protegidas" contra
os efeitos do sal até a menopausa. Depois disso, o risco de ter hipertensão
é mais acentuado nelas do que neles.
*12 - Como é possível saber se alguém
é hipersensível a sal?
Existem testes que permitem averiguar a sensibilidade ao sal,
entretanto, eles são utilizados apenas em pesquisas. Esses exames não
são usados na prática clínica porque a recomendação
para todas as pessoas, independentemente de elas serem sensíveis ou não,
é comer pouco sal.
*13 - Quem tem pressão baixa precisa comer mais
sal?
Não, pois o fato de a pessoa ter pressão baixa
não significa que ela não possa ter hipertensão no futuro.
Além disso, sabe-se que os riscos de problemas cardiovasculares são
maiores entre pessoas que comem muito sal mesmo quando elas não apresentam
hipertensão arterial. O mesmo vale para problemas renais e digestivos.
Estudos também mostram que o excesso de sal pode causar broncoespasmos,
piorando quadros de asma.
*14 - O excedente de sal é liberado pelos rins?
Então por que se preocupar com a quantidade?
O rim tem uma capacidade limitada para filtrar e excretar o
sal. Quando o consumo é muito alto, o rim trabalha sob uma pressão
maior e pode ter seu funcionamento comprometido. A hipertensão é
uma das principais causas de doença renal crônica. Além
disso, ingerir muito sal aumenta os riscos de cálculo renal -formação
de pequenas "pedras" nos rins.
*15 - Em quanto tempo o organismo consegue expelir
o excesso após uma alimentação sobrecarregada de sal?
Pessoas normais demoram de um a dois dias para reequilibrar
o organismo.
Em pessoas com hipertensão, o processo de eliminação do
excesso de sal demora de cinco a sete dias.
*16 - Consumir sal em excesso dá celulite?
Não. A retenção de água que o sal
promove é intravascular, e não na pele. Isso pode causar inchaços
nas pernas ou nos dedos da mão, mas não celulite.
*17 - O sal causa problemas na tireóide?
Sim e não. O cloreto de sódio não afeta
a tireóide. Entretanto, no Brasil, o sal é enriquecido com iodo.
Se consumido em excesso, o iodo pode levar à tireoidite de Hashimoto
em pessoas com predisposição genética a doenças
auto-imunes. Em 2003, a Anvisa reduziu os níveis de iodo no sal para
evitar esse tipo de problema.
*18 - O que é o sal light e quais seus benefícios?
O sal light é formado por uma mistura de cloreto de
sódio e cloreto de potássio. Embora os dois possam ser chamados
de sal, eles afetam o organismo de formas diferentes. Enquanto o potássio
regula a retenção de líquidos dentro das células,
o sódio age fora das células. Embora seja recomendado a pessoas
com hipertensão, o sal light não é indicado para pessoas
com problemas renais. Embora o potássio não leve a doenças
renais, problemas nos rins levam a um acúmulo de potássio no corpo,
o que aumenta os riscos de problemas cardíacos.
*19 - Quais as diferenças entre o sal marinho
e o sal mineral?
Embora sejam extraídos de formas diferentes (o mineral
de minas subterrâneas e o marinho, da evaporação da água
do mar), os dois apresentam a mesma composição e causam os mesmos
efeitos no corpo.
*20 - Qual a diferença do sal para o glutamato
monossódico?
Além do cloreto de sódio, esse tempero tem outras
substâncias que realçam o sabor de alguns alimentos. Como é
rico em sódio, ele não pode ser considerado uma alternativa saudável
ao sal.
*21 - Faz diferença colocar o sal durante o
cozimento ou adicioná-lo depois, quando a comida já está
pronta?
Sim e não. Os efeitos do sal são os mesmos, independentemente
do momento em que ele foi adicionado à comida. Mas os médicos
recomendam que as pessoas tirem o saleiro da mesa porque elas tendem a colocar
mais sal quando a comida já está pronta do que quando temperam
na hora do cozimento.
*22 - Posso substituir o sal por outra substância?
Embora não exista um substituto para salgar os alimentos,
o sal pode ser trocado, nas receitas, por ervas e condimentos que acentuem o
sabor dos alimentos.
*23 - Grávidas devem seguir alguma orientação
específica?
As regras são as mesmas, de quatro a seis gramas por
dia. Como a mulher já tem uma tendência a reter líquidos
durante a gravidez, o consumo excessivo de sal pode levá-la a um aumento
de pressão, o que pode causar pré-eclampsia. Entretanto, a dieta
também não pode ser muito restritiva em relação
a sal, já que, nos primeiros meses, a gestante tende a ter uma pressão
mais baixa, e a falta de sódio pode diminuir o fluxo de sangue que chega
até a placenta.
*24 - Como deve ser o consumo de sódio em esportistas?
O sódio, assim como outros sais minerais, é liberado
pelo corpo junto com o suor. Por isso, pessoas que se exercitam intensamente
podem perder mais sódio. Mas isso só se torna um problema se o
exercício for praticado por muito tempo (a partir de uma hora, uma hora
e meia), principalmente em ambientes quentes e úmidos. Nesses casos,
a reposição deve ser feita por meio de bebidas isotônicas,
e não pelo acréscimo de sal na comida.
*25 - Quais são as regras para a utilização
de sal nos alimentos processados?
A legislação brasileira não impõe
limites para a quantidade de sal adicionada aos alimentos industrializados nem
obriga as empresas a colocar alertas nas embalagens. Mas os fabricantes são
obrigados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
a informar no rótulo o teor de sódio no alimento.
Fontes: ANDREA GALANTE, nutricionista, presidente
da Associação Brasileira de Nutrição; APARECIDA
MACHADO DE MORAES, dermatologista, professora da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas); CELSO AMODEO, cardiologista e nefrologista, chefe de hipertensão
do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese; CLÁUDIA DORNELLES SCHNEIDER,
nutricionista especialista em ciências do esporte, professora das especializações
da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da PUC-RS (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul); DANIEL MAGNONI, cardiologista
e nutrólogo do HCor (Hospital do Coração); JOCELEM MASTRODI
SALGADO, pesquisadora e professora titular da Esalq (Escola Superior de Agricultura
"Luiz de Queiroz"), da USP (Universidade de São Paulo), e presidente
da Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais; LUCÉLIA CUNHA MAGALHÃES,
cardiologista, conselheira científica da Sociedade Brasileira de Hipertensão
e coordenadora do programa de hipertensão da Secretaria de Saúde
do Estado da Bahia; GERALDO MEDEIROS NETO, endocrinologista, professor da Faculdade
de Medicina da USP; e PATRÍCIA FERREIRA ABREU, nefrologista, secretária-geral
da Sociedade Brasileira de Nefrologia e professora da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo)