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14/12/2007
Tratado sobre a burrice ao alcance de todos


Hermano Leitão

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Capa: Hermano Leitão
Leitão, Hermano

Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos/
Hermano Leitão, São Paulo, 2004.

Inclui Bibliografia.
ISBN 85-904214-1-4

1. Ensaio ficcional – Psicologia. 2. Propriedades da
Mente – percepção. 3. Teoria do conhecimento.

Se o homem se adaptasse as condições exteriores autoplasticamente, modificando sua própria natureza como um animal, e se fosse capaz de viver em um certo conjunto de condições para o qual criasse uma adaptação especial, teria chegado a um beco sem saída da especialização que é o destino de toda a espécie animal, bloqueando destarte o caminho a História”.
Erich Fromm in Analise do Homem.

Sumário

Prefácio e agradecimentos – 6 Apresentação do autor – 7 Introdução - 9

Origem da Burrice – 11 Tipos de Burrice - 12 Questionário I – 19 Diagnosis – 20
Referência - 22



Capítulo I


Preparação para a Burrice – 26 Psicogenética na preparação – 28

Behaviorismo na preparação – 34 Enfoque freudiano – 38

Conclusão – 43 Questionário II – 45 Diagnosis – 46 Referência - 47


Capítulo II Ação da Burrice – 58

Exercício A – 64 Exercício B – 67 Conclusão da ação - 73

Questionário – 75 Diagnosis – 76 Referência - 77


Capítulo III Superação da Burrice – 85 Percepção - 89

Estrutura – 94 Benefícios - 95

Conclusão – 98 Referência - 99

Sobre o autor – 76 Bibliografia selecionada – 77


Prefácio e agradecimentos

Este livro se baseia em vinte anos de estudo dos processos de elaboração da experiência humana focalizados em duas ciências humanas: o Direito e a Psicologia, em especial no que elas proporcionam de percepção e de lacuna funcional no homem. Por esse escopo, utilizamos nossos textos teatrais, para dramatizarmos, em linguagem jocosa, esses processos, que geralmente sucumbem ao que chamamos de Burrice ou falta de equipamento. Porém, advertimos que a sistematização é precária e guiamo-nos mais por um dizer ouvido numa sala de aula, a respeito de onde aprendemos a matéria em baila: par tout et nule part. Divirtam-se!

Por oportuno, agradecemos aos nossos pais, Lourdes e Adauto Leitão, pela base moral e ética que nos fazem tentar canalizar a fúria de nossos sentimentos para a realização do humano; ao amigo Edson Navarro, por instigar-nos e apoiar-nos no enfrentamento de grandes causa e aflições; ao Professor doutor Arnaldo Vasconcelos, de quem fomos monitor na cadeira de Teoria Geral do Direito, por dar-nos a oportunidade de enxergar o objeto de nossa investigação; ao colega diretor Walter Sthein, pelo apoio e empenho no desenvolvimento de nossa carreira teatral; ao amigo Carlos Otavio Guzzo, pelo incentivo na elaboração desse livro; a todos os amigos, por nos estimular na trilha que escolhemos. Por fim, o livro é dedicado a Herbenni Leitão Oliveira e Hertha Leitão Neves, irmãs queridas, e in memorian a Edvar Ayres de Moura e Maria do Céu Toscano de Almeida.

Apresentação do autor

Sissa Hache

A história do teatro se repete como a costureira ao coser firmemente o tecido roto, que tem a obrigação de desvendar a arte dos novos diante do respeitável público. Explico. Hermano Leitão é um diretor estreante que traz no seu tecido genético o script de grandes figuras da cena teatral de todos os tempos, sem falar do berço fatídico e esplêndido no qual foi embalado. Que vestimenta será para ele melhor apropriada nesse emaranhado de estilos cênicos? De noiva é que não é, pois, desconsiderando o gosto pela teoria da libido, parece que opta pelos modelos feitos para registrar o hoje, os conceitos e preconceitos.

De Sófocles (496 ªC), alinhava o humanismo com coincidente noção da precariedade do mundo. Sir Hermano interpreta também papel feminino, mas por necessidade diversa. Em que pese não haverem semelhanças na grandiosidade da dramaturgia, tampouco no estilo clássico do maior dos gregos, o herdeiro estampa sua coragem de escrever e encenar suas próprias obras. E ainda lhe empresta o forro de ser filho de comerciante bem estabelecido.

De Shakespeare (1564-1616), desfila, guardadas as proporções das passarelas, a iniciativa de ser dramaturgo e ator de teatro. O desenvolvimento espiritual de ambos foi bordado de maneira lenta – os moldes mais usados só ficaram prontos depois dos trinta anos de idade. Dirigem uma trupe de teatro. E ainda lhe empresta a coincidência de ser filho de comerciante bem estabelecido e ter tido uma educação guiada por seu próprio espírito.

De Molière (1622-1673), calça, guardadas também as proporções do salto de Luis XIV, o sapato de dramaturgo, diretor, produtor e ator de teatro. Filho de comerciante, gosto pela comédia, estudante de Direito, suas sátiras às convenções sociais e às fragilidades da natureza humana são um retrato da sociedade da época em que vive.
De Lorca (1898-1936), copia, guardadas as cores do folclore regional de cada um, o estudo do Direito e da Literatura. Criam um grupo de jovens com a intenção de fazer teatro, para diversão e instrução dos homens.

Como se não bastasse esse tecido, a fazenda agreste é o seu berço. Por que será que o nordeste brasileiro tem uma arte tão rendeira? Hermano é cerzido até cinco anos no sertão da Paraíba. Ouviu o tilintar dos bilros durante quinze anos no Ceará. Ensaiou vestir os punhos de renda do Itamaraty nas provas e reprovas, ao longo de três anos, sem se incomodar com as cigarras de Brasília. A deselegância discreta de suas meninas não tem sido a percepção dele nos onze anos de São Paulo, nem foi um difícil começo para quem já transitava nas calçadas do Rio de Janeiro, Paris, Londres, Roma e as outras.

Para não dizerem que os manequins são apenas de confecção estrangeira, faço minha a textura apresentada por Jefferson Del Rios, na Revista Bravo, edição 76, que convida a platéia a correr os teares e saber “se Hermano Leitão anuncia um comediógrafo de fôlego com algo de novo entre Silveira Sampaio, João Bithencourt e o chamado “besteirol”.”

Talvez a vivência e a cultura pregueadas aqui e ali arrematem para Hermano Leitão o futuro dos grandes artesãos, que têm a paciência das mulheres de Atenas para tecer a estampa e a forma de sua própria arte.


Introdução

Em 1639, a Universidade de Louvain ainda declarava que uma biblioteca era desnecessária, porque os professores são bibliotecas ambulantes – no relato de Peter Burke in Uma teoria social do conhecimento, p. 56 -. Daí o presente Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos começar pela desmistificação de que Burro só existe na classe dos iletrados. Também cumpre estabelecer que mulheres – principalmente as loiras -, não são mais Burras, tampouco os gays são mais inteligentes somente porque estão mais concentrados nas comunidades clericais e artísticas em geral. Já no século XV, o humanista italiano Matteo Palmieri afirmava que “um homem é capaz de aprender muitas coisas e tornar-se universal em muitas artes”. Portanto, a Burrice não é privilégio de raça, credo ou sexo, mas, sim, instituição antiga e globalmente democrática.

Mas o que é Burrice? Como ela se constitui? Como ela opera? Há cura para tal fenômeno? As respostas para essas intrigantes questões são o objeto do presente tratado de tal sorte, que o enfoque adotado resta idêntico ao proposto nos Estudos Sociais da Mente, de James V. Wertsch, Pablo Del Rio e Amélia Alvarez – cuja tradução para o português está sofrível -, a considerar as ciências e artes humanas como fonte interdisciplinar, ou seja, onde houver indício de prova para desnublar tais mistérios, será objeto de relato, o que possibilitará, por exemplo, unir Freud e Piaget em uma única perspectiva, para agrado de Ives De La Taille, doutor em Psicologia da Universidade de São Paulo, no Brasil. Não se tem a pretensão de criar uma teoria no campo da psicologia, da antropologia, da filosofia, ou qualquer outro campo, mas, sim, com o auxílio de todas elas, com óbvio privilégio ao Direito e a Psicologia tratar de um assunto pertinente a todos eles: controle e eliminação da Burrice.

Para dar cabo de tal auspiciosa tarefa, o tratado divide-se em três partes centrais, antecipadas por uma visão epistemológica do termo Burrice, e relacionadas, a final, por uma conclusão da presente obra, sem recurso a generalidades ou regras geralmente aceitas como o fazem os auditores, que, de acordo com o conceito aqui estabelecido, são os profissionais mais Burros até agora investigados. Para evidenciar o processo de distorção cognitiva de que somos capazes, em cada capítulo, colocamos, em apartado, textos que produzimos ao longo desses vinte anos, aos quais chamamos de Referências, em que buscamos a cumplicidade do leitor não só no entendimento da matéria neles contidas, mas, também, e, sobretudo, do mecanismo intrínseco. Então, a primeira parte trata da formação da Burrice, para responder como ela se constitui (reflexão sobre o volume de informações que se recebe, diante do qual o indivíduo tem poucos instrumentos disponíveis para associações e análises, que o levaria a compreensão dos fatos e capacidade de interagir conscientemente no seu meio); a segunda, da operação da Burrice (se o indivíduo se forma e decide sua ação, quando completa o ciclo de informações que o habilitariam a imitar os comportamentos matizados em sua consciência, principalmente por impulso de acomodação - as atitudes seriam basicamente reflexo da formação do indivíduo, porque a maior ansiedade dele seria fazer uso das informações recebidas, por meio das quais já teria consciência de seu poder de articulação; e a terceira, superação (se tem a oportunidade de dar rumo a sua vida, em virtude de poder ter os instrumentos necessários – psidias - a sua disposição para assumir o papel de seu próprio mediador). Ainda, incluem-se questionários intermediadores dessas etapas, para proporcionar uma avaliação do grau de Burrice que cada um foi nutrido, do quanto cada um externaliza e projeta a Burrice adquirida, e se há possibilidade de extirpá-la de sua vida cirurgicamente.

Origem da Burrice

“Essa é a maravilhosa Burrice do mundo: quando as coisas não correm bem – muitas vezes por culpa de nossos excessos – pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fossemos celerados por necessidades, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbados, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influência planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída a influencia divina... Ótima escapatória para o homem, este mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou com minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser lascivo e violento. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardizaçao” William Shakespeare in Rei Lear

Burrice pode ser definida como a submissão consciente ou inconsciente ao objeto imediato ou ao mítico, por meio da fraca utilização de referências associativas ou disassociativas dos contextos temporais, culturais e afetivos em que se encontra o indivíduo, em função grande parte de deficiência orgânica no cérebro. É como explicar a natureza de eventos como nascimento do cristianismo (300 d.C), nascimento do Islã (600 d.C), Cruzadas (1200), Nacionalismos, I e II Guerras Mundiais, Hiroshima, Guerra Fria, 1968, Guerra do Vietnã, O homem na lua, Internet, queda do Comunismo, 11 de setembro et cetera. Ainda, definir Burrice assemelha-se a explicar porque a ex-Primeira Ministra Inglesa Margareth Tatcher usava aquele penteado tipo capacete com franjinha, que lhe valeu o apelido de dama de ferro.

Tipos de Burrice

Em termos patológicos, a Burrice pode determinar a orientação de caráter e definição do sujeito. No estudo caracterológico com fundamento na paixão dominante e na perspectiva cognitiva, in Os Nove Tipos de Personalidade (Um estudo do caráter através do Eneagrama) de Cláudio Naranjo, ou na proposta de guia individual in A Sabedoria do Eneagrama de Don Richard Riso e Russ Hudson, encontramos a origem da Burrice por meio da concentração dela nos mecanismos de pensamento, sentimento e ação, que determinariam os três principais grupos de personalidade:
ESQUIZÓIDE: orientação voltada para o PENSAMENTO (tipos V, VI e VII); HISTERÓIDE: orientação voltada para o SENTIMENTO (tipos II, III e IV); e EPILEPTÓIDE: orientação voltada para a AÇÃO (tipos I, VIII e IX).
Tipos:


BURRO AUTOCONFIANTE

I

PERFECCIONISTA - Burrice: RESSENTIMENTO - Paixão dominante: RAIVA - neurótico - suscetível e bem-intencionado, correto e formal, pouco espontâneo, voltado para o dever, em vez de para o prazer. São exigentes e críticos com relação a si mesmas e aos outros. Contido e sério, mais voltado para a tradição. Positivo e direto. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao seu código de conduta ou performance, porque ao invés de esclarecer suas regras e deixar claro o que quer, espera que o outro cumpra o que ele cumpriria sem que o outro saiba do que se trata. Assim, fica constantemente ressentido com os outros, por distorcer os fatos.

BURRO SEDUTOR

II

ORGULHOSO - Burrice: LISONJA - Paixão dominante: FALSO AMOR - histérico - generosidade egocêntrica. Visível comportamento sexual, agilidade física, coquetismo indisfarçado, anseio pela agitação, autodramatização, criativo, extravagante exibição dos sentimentos, dependência, sociabilidade, gosta de ser paparicado. Sente mais a vontade ao lidar com circunstâncias da vida cotidiana e das relações humanas. As mulheres desse tipo gostam de fazer o papel de princesa. Precisam ser amadas eroticamente. Suposto contentamento e animação. Sedução, autoconfiança: consegue o que quer mesmo à custa de uma cena emocional ou pratos quebrados. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao seu desejo de ser reconhecida, principalmente por seus atrativos físicos, e algumas vezes por sua inteligência. Se não forem reconhecidas ou elogiadas, não estabelecem trocas, porque uma regra importante foi quebrada.

BURRO DIVERTIDO III

CONTROLADO - Burrice: ENGANO - Paixão dominante: VAIDADE - histérico - estado de espírito de neutralidade e de controle dos sentimentos: somente os sentimentos corretos devem ser expressos. Freqüentemente afáveis, ativas, equilibradas e possuidoras de um inabalável otimismo. Carecem de profundidade. Pragmatistas implacáveis. Elegantes e refinados. Solidário, receptivo e sensível à freqüência da outra pessoa. Habilidade social, impulso de realização e a preocupação com a aparência. No impulso de realizar, são vistos como frios e calculistas. Alegres e impulsivos. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao seu objetivo intimo. Passam então a fazer coisas por debaixo dos panos, mas não perdem a preocupação com a aparência.

BURRO INDIVIDUALISTA

IV

AUTO-DERROTISTA - Burrice: MELANCOLIA - Paixão dominante: INVEJA - auto-imagem insatisfatória, uma disposição de sofrer mais do que necessário, uma grande dependência do amor dos outros, uma sensação crônica de rejeição e uma tendência para a insatisfação. Controlado. Triste. Emocional. Apegado. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não responde a qualquer pedido seu, embora faça timidamente ou nem faça. Fica remoendo e repetindo sempre as mesmas reclamações. Nesse caso reforça sua maior característica: o individualismo. A defesa vai para o isolamento, mais fácil para ele contra o sofrimento.

BURRO REPRIMIDO

V

ISOLADO - Burrice: PÃO-DURO - Paixão dominante: DESAPEGO - isolamento solitários, que procuram minimizar suas necessidades, são tímidos e têm uma grande dificuldade para expressar sua raiva. Intelectual. Reservado. Gosto pela discussão. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde seu sentido de compensação na relação. Se não for convencido, acha que tem de dominar tudo e todos para um fim fora de si mesmo. Toma decisões com informações precisas, e as pessoas que não o correspondem são consideradas por ele irracionais ao extremo.


BURRO DESCONFIADO

VI

GUERREIRO - Burrice: COVARDIA - Paixão dominante: MEDO - beligerância surgida do medo da autoridade. O medo torna o covarde incapaz de se sentir bastante seguro para agir, de modo que ele nunca tem certeza suficiente e quer se certificar mais. Vários subtipos. Personalidade esquiva. Paranóico. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao seu próprio sentido de possibilidade. Prefere não agitar a água nesse caso.

BURRO ENTUSIASTA

VII

NARCISISTA - Burrice: PLANEJAMENTO - Paixão dominante: EMBUSTE - oral-receptivo ou oral-otimista. Exibe despreocupação, uma sensação de merecimento, uma tendência para o prazer e uma atitude estratégica mais consciente na vida do que a maioria. Em vez de cabeça, parece ter uma rede elétrica. Tem a tendência de esquecer o mundo real, absorvendo-se em planos e projetos. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao mecanismo de fazer bloquinhos, etapas, fases, períodos, tabelas, projetos, sonhos, idéias.

BURRO VALENTE

VIII


SÁDICO - Distorção cognitiva: VINGANÇA - Paixão dominante: LUXÚRIA - ele deveria ser capaz de controlar as adversidades do destino, as dificuldades de uma situação, as complicações dos problemas intelectuais, a resistência das outras pessoas, seus conflitos interiores. O lado inverso da necessidade de controle é o medo que ele sente de qualquer coisa que sugira o desamparo, é o medo mais agudo que ele tem. Fálico-narcisista, anti-social, voltado para o poder, a dominação e a violência. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde ao seu desejo de avançar no espaço e no tempo.


BURRO MANSO

IX


PREGUIÇA - Burrice: INDOLÊNCIA - Paixão dominante: ALTRUÍSMO - não quer olhar para si mesma. Não apenas é aquele que não aprendeu a amar a si mesmo em conseqüência da privação do amor, mas, também é alguém que esquece sua frustração de amor través de uma espécie de paquidermia psicológica, um excesso de simplificação, uma amputação psicológica que faz dele o menos sensível e o mais estóico dos tipos de caráter. Adaptação excessiva e resignada. Personalidade dependente. Autoprotetor. A pessoa se torna Burra, neste tipo, quando alguém não corresponde a sua necessidade de ter um compasso tranqüilo
Não importa o Burro que cada um seja. O importante persiste em saber a origem da instalação dela no seio de um ser ou a distorção cognitiva possível em cada personalidade que faz aflorar a Burrice em suas mais contundentes manifestações. Segundo Riso e Hudson, Bill Gates é o tipo Cinco “com asa seis”. E aproveitando essa identificação, eles entregam todo mundo:

Tipo I

Martha Stewart, Celine Dion e Hillary Clinton.
Frase típica: ha sempre uma maneira sensata de se fazerem as coisas.

Tipo II

Desmond Tutu, Luciano Pavarotti e John Denver.
Frase típica: importo-me com as pessoas.

Tipo III

Bill Clinton e a Sharon Stone.
Frase típica: sentimentos são como quebra-molas: servem para se perder tempo.

Tipo IV

James Dean e Johnny Depp.
Frase típica: tenho de ser eu mesmo.

Tipo V

Isaac Asimov e Charles Darwin
Frase típica: E se...?

Tipo VI

Princesa Diana e Tom Hanks.
Frase típica: gosto de minhas horas privadas.

Tipo VII

W. A Mozart, Steven Spilberg e Scarlett O Hara.
Frase típica: se a vida lhe der limões, faça limonada.

Tipo VIII

Mikhail Gorbatchev e Martin Luther King Jr.
Frase típica: quero ver vocês lidarem comigo.

Tipo IX

Carl Jung, Sophia Loren e Ronald Reagan.
Frase típica: não apresse o rio, ele corre sozinho.

Portanto, todo mundo tem o Burro que merece, e a Burrice, epistemologicamente, assola o indivíduo em cada distorção do conhecimento provocado por um dos mecanismos de pensamento, sentimento ou ação. Assim, toda sogra tem o poder de controlar a filha e o genro, porque sabe com quem lida e às vezes vende sua filha, que equivale a um litro de veneno, com um rótulo de água mineral com gás. Mas, a seguir, na primeira parte central deste tratado, após o questionário, a constituição do Burro pode ser desvendada, para se ter uma idéia da vitimação de alguém idealizado:

Iago - “Deste-me uma inclinação visível, pronta para a agressividade mútua, sem me perguntar se era possível segui-la ou se era capaz de suportar tudo que me era exigido, como se eu dispusesse de um domínio ilimitado sobre mim mesmo”.
De Hermano Leitão in Cavalheiros de Shakespeare

De toda sorte, o conceito de Burrice ficaria incompleto se não explicássemos o mecanismo desse domínio limitado do próprio ser, como reclamou Iago para Hamlet. Então, a pessoa acomete-se de Burrice quando age sem uma reflexão precedente a uma dada situação; falha em antecipar efeitos colaterais e repercussões a longo prazo; desconsidera inclusive os óbvios efeitos negativos de uma ausência de medidas preparatórias normalmente usuais; restringe seu campo de atuação em um foco estreito e cega as necessidades emergentes e desconsidera as mudanças da situação.

Casar ou ter filhos sem uma estrutura compatível parece um exemplo adequado para uma comprovação científica do acometimento de Burrice. Sem falar que casar mediante a abdicação de possibilidade de relacionamentos com outras pessoas representa não só um alto grau de Burrice, mas, também, um atestado de um desvio sexual importante, pois somente um tarado viveria transando a vida inteira com a mesma pessoa, por pura acomodação.

De acordo com Dietrich Dorner in The Logic of Failure – vergonhosamente não traduzido para o português -, a lentidão do nosso pensamento e a pequena quantidade de informação que processamos de uma vez, nossa tendência de proteger nosso senso de competência própria, a limitada capacidade de acessar a memória, e nossa tendência de focalizar somente nos problemas imediatamente urgentes causam nossa Burrice de cada dia. Foi o que Winston Churchill pensou quando disse sua celebre frase:
“sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”,

apesar de Robert K. Cooper e Ayman Sawaf, in Executive EQ, preferirem a sentença de J. F. Kennedy:
“somente aqueles que admitem a possibilidade de fracassar conquistam o máximo”.

QUESTIONÁRIO I

Responda, querendo, o questionário abaixo com “sim” ou “não”, a fim de verificar o grau de Burrice em seu ser. No final, os resultados e as recomendações para cada caso podem ser encontrados. Boa sorte!

1 – Quando seus pais se casaram, eles mantiveram a elegância e a nobreza mesmo sob pressão – o que lhe comove muito em saber disso?
2 – Durante a infância, as coisas dependiam tanto de sua mãe para serem feitas que ela tinha de ser mais organizada e metódica que todo mundo?
3 – Você sempre teve a impressão que seus pais possuíam uma missão e que nela incluía você?
4 – Sua mãe adora se desdobrar para fazer as pessoas se sentirem bem-vindas e queridas?
5 – Seu pai tem medo de não ser amado ou querido simplesmente pelo que é?
6 – Você acha que se a mamãe está feliz, todos estão felizes, e se o papai não está feliz, quem há de se importar?
7 – Muita gente acha seu pai enigmático, difícil e contraditório, e ele gosta de ser assim?
8 – Alguma vez sua mãe lhe disse que a felicidade faz bem ao corpo, mas é a tristeza que desenvolve os poderes da mente?
9 – Alguma vez seu pai lhe disse que com a captura acaba o prazer da caça?
10 – Seu pai tem a tendência de gastar mais do que deveria?
11 – Sua avó advertiu-lhe de que se a vida lhe der limões, você deve fazer limonada?
12 – Seu avô algum dia lhe disse que é preciso quebrar alguns ovos quando se quer fazer um omelete?
Diagnosis
Se você respondeu “sim” a todas as questões, o seu grau de Burrice é altíssimo e severo. Recomenda-se procurar com urgência um psiquiatra e a leitura imediata da obra da Ophra Winfrey.
Se você respondeu “sim” a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente preocupante. Recomenda-se procurar uma atividade artística - preferencialmente na representação de personagens do tipo Sete .

Se você respondeu “não” a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente insignificante. Recomenda-se ingressar na carreira do magistério, após a aposentadoria na sua atual carreira.
Se você respondeu “não” a todas as questões, o seu grau de Burrice é totalmente inexistente. Recomenda-se procurar com urgência um psiquiatra, porque você é uma ficção científica e pode ser utilizado num filme do George Lucas.
Em todo caso, repita a operação para ter certeza de suas respostas, bem como aplique o questionário em quarenta pessoas e construa um modelo matemático e gráfico para observar em que estatística você se enquadra. Finalmente, pense o seguinte: o que pode me acontecer de mais grave se eu descobrir em mim um ser altamente Burro, ou, o que de melhor pode me acontecer se eu for uma obra de ficção científica? Aconselha-se a guardar as respostas para si própria, pois tudo o que falar pode ser usado contra você em ocasiões desagradáveis, sejam públicas ou privadas.
“A decisão é um impulso que inicia a ação. Até a decisão ser tomada, nada acontece”. Wilfred A Peterson

Referência

Abaixo, pretendemos introduzir eventualmente uma reflexão sobre o tipo de ensinamento filosófico que cada um recebeu desde a infância, para iniciarmos nossa jornada pela Burrice, como forma de conceber um inocente útil. A pergunta que sugerimos fazer: o que temos em comum com Candide? La vai: Candide conta a história de um simples rapaz, suposto filho de um barão. Seu mestre, Pangloss, inverte a lei da causalidade, ao afirmar que as pedras foram feitas para construir castelos e o nariz para suportar óculos. No entanto, considera-se muito culto. Pois bem! O exército búlgaro invade o castelo onde Candide mora e o transforma em soldado. Entre morrer e ser açoitado, Candide prefere o açoite. Agüenta as chibatadas de todo o regimento durante um tempo. Consegue fugir para Lisboa, e no barco que o leva até lá, encontra Pangloss. Em Lisboa ocorre o terremoto. A Inquisição durou mais tempo em Portugal, que se manteve católico e não aderiu ao protestantismo. Candide, para fugir da Inquisição, vai para o Paraguai - país onde há muita diferença social. Acha ouro no interior virgem do Paraguai, mas é enganado e fica sem quase nada. Vai para Bordeaux com o que sobrou. Prossegue, sofrendo males e aventuras.

No livro, Voltaire critica a teologia medieval e o otimismo de Leibniz, que diz ser esse o melhor dos mundos possíveis. "Se esse é o melhor dos mundos possíveis, porque existem tantos males e injurias?" O mal para Voltaire não é metafísico, mas, sim, social. Deve-se superá-lo com trabalho e com a razão. O homem deve estar sempre ocupado, para não ficar doente e morrer.
E quais nossas crenças coincidentes com as de Voltaire/Candide?
Voltaire difundiu o conhecimento, por meio de seu ceticismo como uma atitude espiritual contra a metafísica. Fala que o Ser Supremo, cuja crença veio depois do politeísmo, é válido. Disso resulta num paradoxo, pois Deus existe e não podemos conhecer os mistérios do universo. Voltaire aceita os argumentos para a existência de Deus de São Tomás de Aquino. É a causa primeira de tudo, Inteligência suprema. Contrariamente ao Deus judáico-cristão, O Deus de Voltaire fez o mundo em tempos remotos e depois abandonou-o ao próprio destino. Por isso Voltaire é deísta.

Para a maioria dos Iluministas, Deus não existe e é o mal da humanidade. A Burrice e o medo criaram os Deuses, e a fraqueza os preserva. É um empecilho para a civilização. O materialismo é preferencial à teologia. Essas idéias foram defendidas na Enciclopédia, cujo principal autor é Diderot. Os enciclopedistas chamavam Voltaire de fanático, por esse acreditar em Deus. Ele via Deus na harmonia inteligente entre as coisas. Mas negava o livre arbítrio e a providência. Respondeu ao Barão d'Holbach, notório ateu, que o título de Seu livro O sistema da natureza demonstra a inteligência superior.
Voltaire foi um defensor da justiça. Defendeu muitos que estavam em desgraça, bem como lutou contra a tirania. Não se entusiasmava com as formas de governo. Achava os legisladores reducionistas. Como viajou muito, não era patriótico. Não confiava no povo e não gostava da Burrice, que estava muito difundida. Levantava dúvidas, muitas de suas obras são repletas de perguntas. Numa carta a Rousseau, na qual comenta o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade, disse que o livro de Rousseau fazia surtir o desejo de voltar a ser animal, e andar de quatro patas, mas ele já havia abandonado esse hábito há sessenta anos.

Voltaire (1694 - 1778) escreveu Candide em meados do século XVIII, em 1759, quando se agitava o classicismo, sobretudo na França. Reinava Louis XV, le Bien-Aimé, rei da França de 1715 a 1774. A guerra dos Sete Anos (1756 - 1763) contra a Inglaterra e a Prússia toma lugar sob a direção do rei. O parlamento consegue a dissolução da Companhia de Jesus, em oposição à política religiosa do rei. Na filosofia, Voltaire é contemporâneo de Leibniz (1646 - 1716), Russeau (1716 - 1778), Locke (1632 - 1704), Montesquieu (1689 - 1755), Diderot (1713 - 1784), Buffon (1707 - 1788), d´Alambert (1717 - 1877), entre outros.

Prof. Pangloss - “Mês cocos, está demonstrado que as coisas não podem ser de outra maneira, porque, tendo tudo sido feito para um fim, necessariamente o foi para o melhor dos fins. Reparai bem que os narizes foram feitos para trazer óculos; por isso nós os usamos. As pernas foram visivelmente instituídas para andarem calçadas; por isso, nós usamos sapatos. E como os porcos foram feitos para serem comidos, assim nós comemos carne de porco todo o ano. Por conseguinte, os que afirmaram que tudo está bem disseram apenas uma Burrice, porque deveriam ter dito antes que tudo está o melhor possível. Dêem-me lincença agora. Tenho de dar uma lição de física experimental para Paquette, que apesar de criada e dócil, precisa entender os efeitos e as causas da natureza, para melhor servir a Senhora Baronesa”. Hermano Leitão in Candide, adaptação da obra de Voltaire.

Capítulo I

Preparação para a Burrice

“Não há no homem propensão ao vício, eu garanto, que não venha da parte da mulher; seja a mentira, sabei, é da mulher; a adulação veio dela; a traição, dela também; lascívia e pensamentos sujos, dela; a vingança foi dela; e a ambição, cobiça, ostentação, toda arrogância, os desejos ardentes, a calunia, a volubilidade, mesmo todos os defeitos que o homem pode nomear, ou melhor, que só o inferno conhece...”
William Shakespeare in A Tempestade.

Alguém já lhe falou que sua mãe poderia ter escolhido um reprodutor mais másculo ou que sua herança genética estaria comprometida com seqüestros emocionais recorrentes de seus avós? Ora, você nasceu antes de respirar, e a sua Burrice pode ser ancestral. Quem lhe gerou, por que foi gerado, se sua mãe comia ostras na gravidez ou coisas desse gênero podem ter influenciado o grau de Burrice inata ao seu ser. E como estabelece Freud in O mal estar na civilização, a vida resta árdua demais para nós, proporciona decepções, sofrimentos e tarefas impossíveis, e a fim de suportá-las não podemos dispensar as medidas paliativas - aquelas que nos fazem extrair luz de nossa desgraça. Talvez a Burrice seja um substitutivo poderoso no enfrentamento da realidade, tal como um entorpecente ou uma sublimação invertida ou pervertida. Porém, o que importa agora se refere ao estádio em que a renúncia aos instintos primordiais se instala no começo da vida do indivíduo ou no processo de domesticação dos desejos primitivos, como se estivessem embaralhados por um brain storm e precisassem de uma organização literária.
Cada um, pois, tem seu livro específico co-escrito por um terceiro mais ou menos Burro que você, porque nunca se sabe qual o valor de transferência de neurose de um indivíduo para outro, ou, ainda, o potencial genético a ser matizado. Assim, seu livro pode ser uma novela, um drama, uma comédia, um terror ou qualquer outro gênero, que pode ser desenvolvido em scripts, capítulos e cenas, a depender do material genético adjacente. Você deve se tocar que sua estória não é a sua estória. Alguém criou seu personagem, dirigiu seu comportamento, iluminou seus passos e providenciou o ambiente. Em outros termos, sua existência parece tão autônoma quanto a cadeira que você pode estar sentado, ainda que você faça uma cara de samambaia ou esteja segurando seu colar de pérolas. Enfim, seu personagem pode ser mais ou menos Burro que você gostaria que fosse.

Destarte, a formação, ou fôrma da ação, é a fase de maior impregnação de crenças positivas e negativas, para se conceber o motivo de sua atilde. Essa fase se traduz por incubação, gravação, capacitação, programação, entres outros, como o processo de inspiração para a Burrice. Em geral, a maioria dos indivíduos se forma hoje progressiva e proporcionalmente até os 21 (vinte e um) anos de idade, em que os primeiros cinco anos provocam um maior ou menor grau de determinação do indivíduo para a conclusão dos três estágios, porque esse qüinqüênio se revela talvez como o de melhor nível de aceitação do poder da Burrice. O que acontecer nessa fase propiciará a explicação da história, o ritmo, e demais corolários do indivíduo e, em especial da sua Burrice, e a ativação da carga genética. A passagem para a fase seguinte é praticamente automática, em virtude de a necessidade ser o nível de movimento que se apresentará para o indivíduo e em prol de seu grau de Burrice adquirida.
Psicogenética da preparação para a Burrice

“A idéia da construção da unicidade é luminosa; ela tem uma dimensão trágica, entretanto, no seu destino de obra muito frágil e sempre inacabada. A apreensão de si mesmo parece tão fugaz quanto uma bolha de sabão, ameaçada pelas simbioses afetivas, pelos estados pessoais de emoção ou mesmo de mero cansaço”. Heloysa Dantas in Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenética em discussão.

A Burrice advém de fatores biológicos e sociais no processo de desenvolvimento psicológico e em termos de aspectos cognitivos e afetivos. Uma criança muito mimada, por exemplo, pode ficar muito Burra mais tarde, porque o prolongado período de dependência inibe o desenvolvimento da capacidade de mobilizar o ambiente, para atender suas necessidades - para não dizer que ela se tornará uma pessoa chata. Como explica Heloysa Dantas ao considerar Wallon in Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenética em discussão, a atividade emocional resta complexa e paradoxal “ela é simultaneamente social e biológica em sua natureza; realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que só pode ser atingida atraves da mediação cultural, isto e, social”.
O foco desta primeira parte do tratado, na verdade, consiste na investigação da fase que Piaget, in O juízo moral na criança, denominou de anomia, atribuída ao período da infância até cinco ou seis anos de idade, em que trata dos mecanismos do raciocínio condicionador do tipo de decisão tomadas pelos pequenos, em um contexto de prática e de consciência da regra em jogo.
Um exemplo da aplicação da teoria Piagetiana verifica-se na peça Jean que ri e Jean que chora, de Hermano Leitão, como segue:
É a história de dois garotos com personalidades opostas. Jean que ri é um menino feliz, otimista, prático e versátil. Jean que chora é um menino triste, pessimista, dependente e manhoso. Participam de um concurso na feira de ciência da escola. Jean que ri constrói uma máquina seqüencial, para abrir uma torneira. Jean que chora tem o auxílio de um cientista contratado, que constrói uma arma paralisante. Para assegurar a vitória, a mãe de Jean que chora invade a experiência de Jean que ri e sabota seu engenho. No dia do julgamento, a experiência de Jean que ri falha. Jean que chora ganha o concurso. Jean que ri pede para repetir a experiência, porque notou onde tinha acontecido a falha, e consegue êxito. Jean que chora dispara acidentalmente a arma contra si. No final, Jean que ri reverte o efeito da máquina e salva Jean que chora. As ações são intermediadas por um professor, que funciona como apresentador de programa de auditório.
A peça, pois, tem três atos com duas cenas cada um. O primeiro trata da apresentação das personagens, por meio de disputas de perguntas pré-qualificadoras, bem como do tema da peça: a competição de engenhos entre os dois meninos. A ação resume-se, intermediado pelo professor, na aceitação do desafio. O segundo foca a construção dos engenhos e os meios de construí-los. As mães entram para revelar a formação da personalidade de cada um. As ações são múltiplas, desde os movimentos de construção até a cena de sabotagem. O terceiro é o julgamento e seu corolário, com um final reabilitador. As ações vão desde o fracasso de um, o sucesso do outro, até a reversão completa do quadro.
O diálogo abaixo mostra a diferença entre crianças:
“Prof. Ximeno – Então vamos para a primeira pergunta: Hipólito, uma criança muito esperta, foi buscar na cozinha um copo d´água para sua mãe. Quando passava de volta com o copo cheio d´água, viu que em cima do armário tinha um monte de dinheiro. Resolveu pegar umas notas para comprar balas, sem pedir a sua mãe. Quando foi subir na cadeira, deixou o copo cair e quebrou o copo em pedacinhos. Entenderam? Muito bem!
Na casa de Diego foi diferente. A mãe dele estava conversando com três amigas. Pediu a ele para ir até a cozinha e pegar quatro copos d´água. Diego foi até a cozinha, encheu os copos, colocou na bandeja e vinha trazendo com cuidado, quando tropeçou no tapete e derrubou a bandeja. Quebrou os quatro copos e molhou toda a sala. Entenderam? Muito bem!
Então, lá vai a pergunta: quem merece um grande castigo? Entenderam? Muito bem! Então, vamos começar por Jean que chora. Qual é sua resposta?

Jean que chora – Diego tem de ter um castigo grande, porque ele quebrou mais copos. Foram quatro copos bem cheios de água, e ainda molhou a sala toda.
Prof. Ximeno – Muito bem! E você Jean que ri, qual é sua resposta?

Jean que ri – O Hipólito pode ser castigado porque ele não devia ter feito outra coisa que sua mãe pediu. Se ele não tivesse ido pegar o dinheiro escondido da mãe talvez ele não tinha se desequilibrado e derrubado o copo.”
Então para os psicogeneticistas valem os ditados: filho de peixe, peixinho é, ou, dizei-me com quem andas, que te direi quem és. Mas esse enfoque ainda ficaria incompleto se não comentarmos a zona de desenvolvimento proximal defendida por L. S. Vygotsky – que era advogado antes de ser psicólogo, e, por isso foi proibido de servir de referencia para os teóricos da Revolução bolchevick. Essa zona, como ele anota in A Formação Social da Mente, p. 112:

“é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar atraves da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado atraves da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”.

Jean que chora, por exemplo, em razão de seu isolamento, articula fatos com menor potencial de desenvolvimento, como pode ser observado na seguinte construção:

“Jean que chora – Era uma vez uma menina chamada Pretinha de carvão. Ela era chamada assim, porque pegava um pedaço de carvão, molhava na água e passava no rosto. Ela também pintava a boca de batom vermelho. Um dia, ela e seus sete amigos pequenininhos pegaram uma avião para ir para a Disney, porque ela queria casar com o Mickey. Mas o avião foi raptado e levado para Beto Carrero World. E a estrada estava muito ruim. Quando de repente, o Batman tirou os bandidos de dentro do avião e libertou a pretinha de carvão. Acontece que ela não tinha dinheiro para voltar para casa. Daí ela telefonou para a Vaca e o Frango, para pedir um dinheiro emprestado. Mas eles estavam de castigo, porque o frango não quis comer a torta da Vaca. Foi ai que apareceu a dona Benta e emprestou o dinheiro para ela ir para o Epcot Center. Quando ela chegou lá, foi encolhida na máquina de encolher pessoa, e quase foi comida por uma cobra gigante, mas ai o Robocop matou a cobra, e ela foi assistir o filme da Shena. A pretinha de carvão já estava morrendo de fome, mas ai ela encontrou os sete amiguinhos e foram para o Bush Gardem, para andar na motanha russa. Quando ela desceu da montanha russa estava muito cansada, tonta e com muita fome, e já tinha pouco carvão no seu rosto. Nessa hora, começou a chover e trovejar. Ela ficou toda molhada, o sapato cheio de água, e com muito frio. E caiu um raio numa árvore que estava bem perto dela. Aí, ela ficou sozinha no meio do estacionamento do parque. Foi quando o Mickey passou de carro, mas ela nem viu, porque estava toda encolhida. No fim, a mãe dela apareceu. Elas foram para casa. Lá, a mãe bateu nela e deixou de castigo, porque a Pretinha de carvão não tinha comido, tinha se molhado toda e ficado na rua. Foi assim!”

Se você tiver um filho assim, é um problema seu, do Tom Cruise e das baleias, porque ninguém tem nada a ver com isso, muito menos o Conselho Tutelar de sua cidade, que com certeza deve receber muitas mães desesperadas todos os dias para resolver questões mais dignas. Esse exemplo é só para dizer o seguinte:

Vygotsky “foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa. Ao insistir em que as funções psicológicas são um produto da atividade cerebral, tornou-se um dos primeiros defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a neurologia e a fisiologia”, Micael Cole e Sylvia Scribner na introdução de A Formação Social da Mente.

Portanto, seu filho estará extremamente propenso a um alto grau de Burrice, caso continue vendo tanta televisão, jogando videogame, assistindo filmes de ação violenta, comendo batata frita na cama, dormindo tarde da noite, freqüentando escolas construtivistas e praticando outros maus hábitos, que você acha uma gracinha. E não reclame se a professora disser que seu filho tem problemas de aprendizagem, porque é melhor entortar o ferro enquanto ele esta quente, a deixar passar de ano para depois cair a ficha.

Para fechar a visão psicogenética, lembramos:

“A informação que um grupo recebe é maior do que ele mesmo pode verbalizar, e isto é válido também para seus integrantes considerados individualmente”.
Jose Bleger in Temas de Psicologia.
Behaviorismo na preparação para a Burrice

Criei-te original, Iago, num mundo de ilusão, de inventividade, de jogo, de simulacro. A mentira corre as veias do cotidiano, pulsante, de todos os atos, do tom de teus discursos, para todas as ordens. Tua descendência gerou uma variedade de espiacuteritos por toda a terra. Nem o oráculo de Delfos poderia predizer tamanha variedade de mártires do engano, do embuste, do golpe. Somente ai pode a nossa existência encontrar um sentido para transformar-se em desespero autentico, revelador, pois se há mentira, haveria verdade. A tua identidade me exprime, pois queria que tu te identificasses com a liberdade do intelecto, assim como Falstaff o seguiu com o lúdico. Menti na disposição lúdica amarga em ti, para fazer-te diferente.
De Hermano Leitão in Cavalheiros de Shakespeare

Dê-me uma criança recém nascida que a transformarei em um gênio ou em um assassino, teria dito B. F. Skinner, doutorado em Havard, inventou um mecanismo chamado de Caixa de Skinner, que é na verdade uma Gaiola com dispositivos cuja manipulação correta liberaria a saída do animal ou uma comidinha para ele. Fez bastante uso desse instrumento a resultar no conhecido método de condicionamento operante. Obviamente o behaviorismo antecede a esse método como uma proposta de cientificismo para a psicologia formulada por J. B. Watson, em decorrência dos famosos estudos experimentais sobre o comportamento reflexo ou reflexo condicionado efetuados por Pavlov.
O condicionamento talvez seja uma causa da Burrice oriunda da preguiça, pois muitas vezes deixamos de ir ao teatro porque não nos deixam entrar na sala com pipocas, ou preferimos ficar em casa assistindo televisão, ou achamos que o dinheiro que gastaríamos seria utilizado em outra coisa primária, num exercício de compensação condicionante limitada ou Burra. Somente os marketeiros podem combater o uso desenfreado das leis relativas aos fatores de estímulo ou ao modo como o material de estímulo resta apresentado, principalmente porque as sogras são mestras nessa manipulação: todo domingo tem almoço de família na casa dela e não adianta reclamar. Por sorte alguns genros aprendem incidentalmente que podem comprar a sogra para escapar da famigerada macarronada.

A Burrice seria a rainha da humanidade se realmente o homem fosse uma folha de papel em branco para receber somente informações qualificadas para esse ou aquele modo de operar ditadas pelo Big Brother. Ainda há meios para evitar o coroamento dessa ávida princesa, porque a criatura tem se rebelado, como no embate ficcional entre Iago e Hamlet, respectivamente criatura e criador, na idealização de que este ultimo seria a própria consciência de Shakespeare:
Se eu revelar-me, revelar-te-ei. A criatura então será maior que o criador, como tem sido o desejo humano. Tu és, Iago, a síntese do homem. Teu ressentimento permanece universal. Se me fiz transcendente, foi para não encarar meu medo de amar. Se reiterei meu fim trágico como Otelo, Falstaff, Lear e Macbeth, foi porque tu estavas lá, qual fantasma do meu medo. Não te aborreças mais com tua fama. Só tu desvendaste a saída possível. idem.
Mas se o homem não nasce insípido, incolor e inodoro, como fica a Burrice nessa avalanche de informações que inunda a mente humana a cada instante de sua vida? Em outros termos, aumenta ou diminui a Burrice? Por onde anda há imagens: fumar faz de você um cara chique, valente, conquistador. Beba aquele refrigerante. Continue andando. Simplesmente faça. A resposta aponta para a capacidade refrataria da mente aos apelos condicionantes diários por meio do que os behavioristas chamaram de aprendizagem latente, mas ninguém escapa impunemente desse assédio, porque mudar ou inovar implica não ser Burro – o que dificilmente seu vizinho vai aceitar.

Para exemplificar, a teoria do reforço esclarece como o poder da Burrice estabelece padrões de uniformidade para todos. Assim, a sogra de Joseph confessa o catolicismo fervorosamente, chega a ser considerada na sua comunidade como um exemplo de obediência aos sacramentos impostos pela igreja. Não dá outra: em seu aniversário, ganha geralmente novas edições de bíblias, imagens de santos ou santas, terços, crucifixos, oratórios, souvenir de mosteiros, disco do Pe Marcelo, entre outros. O Joseph sempre a presenteia com velas de todos as cores e tamanhos. Ainda bem que a maioria das pessoas não expressam suas compulsividades sexuais.
Então por que o mundo caminha condicionado ou procura um comportamento padrão? Alvin Toffler in A terceira onda já havia identificado na sociedade industrial o mecanismo da padronização (standardization) como necessidade da acomodação dos papéis sociais. Seja lá como for, o resultado foi a domesticação dos trabalhadores em linhas de produção – não sois máquinas, homens é o que sois, alertado por Charles Chaplin -, os quais serviram apenas de cobaias para estabelecimento de um modelo de mecanização robótica.
De todas as coisas que o behaviorismo trouxe para a humanidade, no seu ímpeto de tornar a psicologia uma ciência pura, comprovada por métodos, experiências e resultados, foi a concepção de que o homem realmente é um sujeito Burro, e para prepará-lo há de se recorrer a aprendizagem passiva. É como nas aulas de inglês. Pela repetição a coisa vai entrando sem você notar o esforço: aquela coisa de repetir:
“the book is on the table, repeat”.
“the book is on the table, repeat”

“My name is John, repeat”
“My name is John, repeat”.

“I am, you are, she is, repeat.”
“I am, you are, she is, repeat.”

Ou como os Teletubies ensinam:

“Eu estou aqui, você esta aí. Ah, há, há! Eu estou aqui, você esta aí. Ah, há, há! Eu estou aqui, você esta aí. Ah, há, há! Dessa forma, o homem fica preparado para saber a diferença de estar aqui e de estar lá “.

É uma coisa muito passiva!
Enfoque freudiano sobre a preparação.

“Mamar no seio materno é o ponto de partida de toda vida sexual”, daí decorre as fantasias ulteriores, a começar pela masturbação “na aquisição ou reforço dos instintos”. Em seguida vem a organização fálica, “para indicar que, nesse estágio,... apenas um tipo de genitais é reconhecido, isto é, o pênis nos rapazes... O desenvolvimento da sexualidade está agora caracterizado, nitidamente, como uma progressão linear, através de várias organizações pré-genitais da libido – a oral, a anal e a fálica”. Acrescenta-se uma fase intermediária: a existência de “um objeto sexual, mas o objeto é o próprio corpo ou a pessoa da criança; por conseguinte, deu-se a essa fase o nome de narcisismo”. Richard Wollheim in as idéias de Freud.

A incubação da Burrice na ótica freudiana transpõe a libido para se deslocar no campo social, pois a renúncia dos instintos ou a domesticação deles a serviço da construção da civilização parece uma exigência inegociável, mas com favorecimento explícito da Burrice. Assim, desde cedo a criança aprende a ser Burra mediante a abdicação de seus desejos, que acarreta um crescente acúmulo de frustrações. Não se passa da fase oral para a fase anal tranqüilamente. Deixar o peito materno, a chupeta e a mamadeira causam muito sofrimento, bem como controlar o esfíncter resta um exercício vexatório.
No final das contas toda essa renúncia parece inútil, porque a civilização não cumpre a recompensa de conceder segurança e paz aos homens. Ao contrário, ao invés de facilitar-lhe a convivência, instiga-o a caminhar pelo lado sombrio da Burrice, não só mediante o uso de paliativos ou substitutivos de toda ordem, mas, também, por meio da ilusão ou do misticismo. As crianças decoram ritos, rezas, regras e rosários, para serem obedientes e fiéis aos dogmas, aos totens e aos tabus. O mais grave parece ser a imposição de uma sexualidade fixa, quando, segundo Freud, somos todos bissexuais.
Seja como for, se você considerar verdadeiro o fato de que todo indivíduo busca satisfazer tanto desejos masculinos, quanto femininos em sua vida sexual, é necessária a diversidade de parceiros, porque os sonhos não dão conta de tanto desejo dessa ordem. Em nome da Burrice, o homem aceita o preço e vai nutrindo um sentimento de culpa, uma desordem interna para auxiliar a ordem externa, numa fase em que tem pouco poder para se impor, pois a criança, como disse Piaget, quando enxerga a regra, atribui-lhe um caráter imperativo, inegociável. Na peça As mulheres de Cássia, relatamos casos de repressão sexual:
Caso 1:
Oscarina - Eu não queria a separação... soube que ele não está bem com o novo amor. No começo, queria me matar com um caco de vidro ou de telha, chorei muito, fiquei um farrapo, pra me acabar... Tentei o suicídio duas vezes... Ele nem se preocupou!... Vai fazer seis meses, mas parece que foi ontem... Ele já tinha proposto a separação duas vezes antes, eram dias de cão... Não teve jeito, não consegui causar mais piedade... se mandou mesmo... para ele nunca foi tão tarde... Soube que me trocou por um homem, que dizer, por uma bicha... pirei!... Ele não me disse nada... disse que queria sair de casa... corpo e rosto em pedra... não queria nada, com aquele sorriso... Fico pensando se a culpa foi minha... acho que fazia tudo tão errado... Era melancólica, pensava nas piores coisas... ele era alegre, delirava sem parar... eu provocava brigas... ele gritava... nunca vi um cara tão gostoso!... faz sexo como ninguém... eu era um fracasso... Tinha coisas que não conseguia fazer... Eu não queria relação anal... ele tinha um fogo... passou a me evitar... Não conseguia entender o que se passava... Só sei que ele partiu e não voltou. Eu até já esqueci o que ele me falou. Não sei se um dia ele prometeu ou me jurou o seu amor. A única coisa que lembro bem é do seu cheiro... Daria tudo para tê-lo de volta... Queria que ele deixasse de ser gay. Não tem jeito de ele parar de ser gay?... Eu só sei que ele me fez sorrir, me fez chorar, me fez sonhar, me fez feliz, me fez amar. Pensou se ele tava mais querendo me ver passar por ai? Se eu faria relação anal com ele? Se for esse o sacrifício... Mas o problema é que eu o amo e acho que ele não me quer mais. To fu..!
Caso 2:
Telmah - Tava vindo pra cá e me lembrei de um sonho que tive... Puta merda! Muito louco... Sonhei que tava pelada mijando para apagar uma fogueira. Conseguia esguichar forte. Tinha umas labaredas, umas línguas de fogo. E eu só lá, pchii, pchii... Ia detonando, pchii, pchii, mas aí mudou e comecei a me irritar... A porra do fogo foi pra dentro de uma lareira e não conseguia mijar lá dentro. Meu esguicho ficava brochado. Como não poder ter tesão... Não sei porque não tirava aquele fogo de lá... porque não metia a cara... Como se eu não pudesse beijar. Tivesse que se esconder ou achar que não dá... Aquilo que falei sobre amor impossível... que não dá pra assumir... Às vezes quero só sexo, sacanagem, mostrar que sei deixar louca de tesão... gosto de estar no controle... E se minha família descobrir... Eles vão querer me engolir... Minha mãe teria uma ataque... Mas eu acho que um dia vai dar pé, não é?... É sempre assim... Quantas vezes eu me apaixonei, não consegui nada, só ficava olhando... Queria me declarar, tocar... o tempo todo sonhando... De algumas eu já não me lembro... Agora que consigo transar legal, a putinha é uma galinha! Não sei, é uma confusão do caralho! ... Não tenho coragem ou não posso assumir, talvez porque ainda não encontrei alguém que valha a pena. Também não acredito em casamento, acho uma roubada... acho que tudo são palavras ao vento... Não sei, cacete! Vou dar conta dela, vou deixar na palma da minha mão. Sei como fazer isso muito bem. Também já tive minha fase galinha. É como se não fosse essa porra!... Sinto falta de mais ar. Essa vontade de querer mais, entende?
Caso 3:
Joana – Acho que o Alfredo não me ama mais! Não quer mais ser espancado, engraçado! Faz uma semana, não rola mais... Ah, ele entrou numa de sexo a três. Veio me rodeando e disse que tinha mentido pra mim, quando disse que tinha ficado em casa sexta-feira.Não ficou. Saiu com o Luizão, aquele lindo, aquele grandão. Depois, disse que queria me ver trepando com o Luizão... Fizemos uma suruba sábado à noite em casa, eh!. Lembra daquela vontade de destravar que eu vinha falando pra você? Pois é, maior tesão, eh!. Me senti maior prosti, na boa! Sempre quis ser vagabunda. A viagem de dar porrada era legal, mas não completava, faltava mais. Fiquei louca quando vi os dois se beijando – que tesão, eh! Depois eles me comeram, dupla penetração e tudo... Nunca foi tão bom, eh! Assim, a gente quer ficar junto, mas abertos. É que me deu uma vontade de completar a coisa, tipo chamar mais alguém... é que senti falta, depois, de uma outra mulher na estória. Assim, fiquei especulando comigo se não rolava, mas fiquei encanada com a idéia de virar uma puta de carteirinha. Pois é, bobagem! É que liberar geral para a mulher é ser biscate, para o homem é só ser bissexual. Não caiu a ficha do masculino e feminino, né? Eu sei que isso não me diminui, nem eu vou deixar de amar o Alfredo. Pois é, acho que o Alfredo gosta de mim porque sempre tive uma postura ativa. Mas na relação com o Luizão, o Alfredo era ativo... Que é o fim disso, menina? Vou falar pra ele que quero experimentar uma racha entre nós, eh!... Quando espancava o Alfredo, não sentia esse desejo, porque achava que lhe dava prazer. Agora não sei se o espanco, se faço suruba, ou busco o meu prazer, eh!

Volte, por favor, essas estórias no tempo, pois, segundo Freud, por volta dos sete anos, a criança já sofreu uma repressão maciça e dar-se o estabelecimento do período de latência, propícia para o aparecimento do complexo de Edipo: o amor do menino pela mãe, raramente resolvido, porque a afetividade com o pai fica sempre prejudicada por conflitos óbvios. Assim, a sua mais poderosa fonte de energia, a sexualidade, milita em favor da Burrice, porque inibe a construção de meios para associações e análises, que o levaria a compreensão dos fatos e capacidade de interagir conscientemente no mundo.
Conclusão sobre a fase da preparação para a Burrice.

“... com muita freqüência, o pensar e o atuar se dissociam, excluem ou substituem um ao outro. Assim, no papel obsessivo substitui-se a ação pelo sentimento, ao qual o sujeito fica aderido perseverantemente sem poder transcender para a ação, enquanto no histérico se substitui facilmente o pensamento pela ação...”.
Jose Bleger in Temas de Psicologia.

Como nos preparamos para a Burrice? De diversos modos, é claro! Da decisão de dois seres gerarem um outro até a autonomia deste muita Burrice foi cultivada – a lembrar que quem planta vento, colhe tempestade; Roma não foi feita em um dia; e quem sua cama faz, nela se deita. Porém, é melhor entortar o ferro enquanto ele está quente. Piagetiana, freudiana ou behavioriana, a conclusão é igual: o homem ainda não encontrou um meio de libertar-se de suas amarras egocêntricas, sexuais e condicionantes. Aliás, o Pe. Vieira, no Sermão da quarta-feira de cinzas, já antecipava tal juízo.
Mas estamos formados nesta fase com que? Mais uma vez, com muita Burrice. Nossa CPU carrega um programa complexo e desatualizado, sobretudo para lidar com diferentes gerações de computadores ao nosso redor. Escapa-nos a compreensão completa da maioria das coisas e dos outros, porque somos de material genético diversificado, de material cultural diferenciado, de referências históricas conflitantes, de mitologias antagônicas etc.
Em resumo, como e com o que nos preparamos para a Burrice são os instrumentos que nos levarão a fase seguinte, com a premissa de que estarão lá para toldarem nossa visão, ou seja, continuaremos nessa reflexão sobre o volume de informações que se recebe, diante do qual o indivíduo tem poucos instrumentos disponíveis para associações e análises, que o levaria a compreensão dos fatos e capacidade de interagir conscientemente no seu meio. Lembre-se: Galileu Galilei foi acusado, julgado e condenado pela igreja católica, que o considerou herege, porque ele afirmou que a terra gira em torno do sol.
“... nós conhecemos menos do que deveríamos, que, além disso, sabemos menos do que o que é conhecido, e que sabemos muito mais daquilo que aplicamos ou utilizamos”. Jose Bleger in Temas de Psicologia.

E se tivéssemos um meio de, já nessa fase da preparação, lidar com todas as informações que recebemos? Por que desconsideramos tanto, na fase seguinte (da ação), todos os conhecimentos se eles nos tornariam menos Burros? O que lemos de nossa própria ação? Por que o que já percebemos não satisfaz? Por que não integramos percepção e conhecimento no corpus collosum? Sera que precisaríamos criar um sistema orgânico de processamento de dados em esquema de circuito serial para melhorar ou evoluir o nosso já existente e deficitário circuito paralelo no cérebro?
Por acaso, você não leu o relato acima do Jean que chora? Não analisou os três casos freudianos? Então, deixe sua ansiedade um pouco de lado, porque, pelas barbas de Netuno, vamos enfrentar essas questões. Agora, você vai ter de fazer os exercícios propostos, ok? Então, tá!

QUESTIONARIO II

Responda, querendo, o questionário abaixo com “sim” ou “não”, a fim de verificar o grau de Burrice em seu ser. No final, os resultados e as recomendações para cada caso podem ser encontrados. Boa sorte!

1 – Você foi convidado para se apresentar hoje em cadeia nacional durante duas horas para falar de sua trajetória pessoal. Você ficou a vontade e feliz para fazer isso?
2 – Você acha que vai ser o maior ibope da televisão de todos os tempos?
3 – Você acha que vai haver alguma manifestação negativa tipo aquela do Rock in Rio quando o público esperava o Guns n Roses e apareceu o Carlinhos Brown?
4 – Você acha que seus amigos vão lhe criticar no dia seguinte?
5 – Você acha que sua avó vai dizer que você não tem jeito para se apresentar na televisão?
6 – Você acha que seu pai vai lhe defender dos comentários sobre sua maquiagem e seu figurino?
7 – Você acha que sua mãe pode parar na delegacia de polícia por lesão corporal culposa na vizinha, que não gostou de você?
8 – Você acha que seu avo vai reclamar que não ouviu nada porque você não sabe falar no microfone?
9 – Você acha que sua namorada vai pedir um tempo na relação de vocês?
10 – Você acha que vão acreditar na estória que você contou sobre sua vida?
11 – Você acha que a concorrência do próximo vestibular vai ser acirradíssima na área que você declarou ser sua aspiração?
12 – Você negociaria com a emissora uma outra data para a apresentação?
Diagnosis

Se você respondeu “não” a todas as questões, o seu grau de Burrice é altíssimo e severo. Recomenda-se procurar com urgência um advogado e a audição imediata da obra de Roy Orbinson.
Se você respondeu “não” a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente preocupante. Recomenda-se procurar uma atividade manual - preferencialmente na construção civil.

Se você respondeu “sim” a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente insignificante. Recomenda-se ingressar na carreira diplomática, porque talvez seu problema seja falta de personalidade.

Se você respondeu “sim” a todas as questões, o seu grau de Burrice é totalmente inexistente. Recomenda-se procurar com urgência um consultor financeiro, porque você é um caso de insolvência civil iminente.

Em todo caso, repita a operação para ter certeza de suas respostas, bem como aplique o questionário em quarenta pessoas e construa um modelo matemático e gráfico para observar em que estatística você se enquadra. Finalmente, pense o seguinte: o que pode me acontecer de mais grave se eu descobrir em mim um ser altamente Burro, ou, o que de melhor pode me acontecer se eu for uma obra de ficção cientifica? Aconselha-se a guardar as respostas para si própria, pois tudo o que falar pode ser usado contra você em ocasiões desagradáveis, sejam públicas ou privadas.


Referência Abaixo, pretendemos propor a reflexão sobre nosso tipo de relacionamento com as regras, a ordem, as leis, para continuarmos nossa jornada pela Burrice, como uma forma de saber o que nos afeta. A pergunta que sugerimos fazer: como construímos nossas fronteiras? Lembra do Burro tipo I? Por que as vezes temos tanta necessidade de provar as coisas? Então, la vai:

A natureza da norma coloca para a Ciência do Direito um dilema sem grande perspectiva de conciliação doutrinária dentro de seu próprio campo de investigação, porque o confronto de teoria com teoria resta infrutífero. É por este pressuposto que muitos autores têm buscado na Filosofia, em autores como Hegel, Durkheim, Kant, entre outros, a resposta para matizar uma ou outra característica da norma, mediante clara tentativa de confrontá-la com a Moral, para diferenciá-la e para atribui-la uma nota própria.

A polêmica em questão é a coação como essencial da norma, o que importa admitir seu caráter imperativo (Rudolf von Jhering, in Geist des römischen Rechts, 1864), contra o juízo de valor componente da norma, que implicaria um dever ser (Hans Kelsen, in Recht und Logik, 1965), por se tratar apenas de uma previsão de comportamento valorado.

No entanto, o confronto persiste não só pela qualidade e notoriedade de seus defensores, mas, também, pelo rigor científico esposado por ambos oponentes.

É exatamente nas coincidências de argumentações sobre a moral fora do Direito (Jhering x Kelsen) e da Filosofia (Durkheim x Rousseau) que se pode encontrar a via para a solução desse problema: a coação é ou não nota da norma?

Para verificação dessa assertiva, Tercio Ferraz Jr, in Ciência do Direito, 1980, afirma ter Kelsen reconhecido "que o Direito é um fenômeno de amplas dimensões, sendo objeto de uma Sociologia, Psicologia, Ética etc... Para ele, a vontade é apenas o resultado de uma operação lógica fundamental para a compreensão da normatividade..." (p. 37). Na mesma obra, Tercio Ferraz aponta as ciências com as quais o Direito "mantém relações, em geral, de subsidiariedade", como a Psicologia.

Erich Fromm - não por acaso psicanalista e filósofo -, aponta, in Análise do Homem, 1980, para a natureza da norma ao distinguir ética universal e ética socialmente imanente, ao escrever: " Por ética universal refiro-me a normas de conduta cuja meta seja o desenvolvimento e expansão do homem; por ética socialmente imanente, normas necessárias ao funcionamento e sobrevivência de um determinado grupo de sociedade e da população que vive nesta... o grupo deve propender a modelar a estrutura do caráter de seus membros de maneira que eles queiram fazer o que têm a fazer nas condições prevalentes."
Nesse prisma, o indivíduo, moralmente, assume o dever de se submeter às normas para a sobrevivência da sociedade. Obviamente, é o pensamento de Freud para o convívio social, em que "a sociedade exige um maciço sacrifício instintivo" ; "a coerção torna-se necessária." e "O principal veículo pelo qual as exigências da civilização são levadas a efeito é, evidentemente, a moralidade; e a moralidade, como vimos, é um processo internalizado", na interpretação das idéias freudianas de Richard Wollheim, in as idéias de FREUD, 1971.

Em O Mal-Estar na Civilização, ed. 1997, Freud escreve: "...o elemento de civilização entra em cena com a primeira tentativa de regular esses relacionamentos sociais...A vida humana em comum só se torna possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que permanece unida contra todos os indivíduos isolados. O poder dessa comunidade é então estabelecido como "direito"... A primeira exigência da civilização, portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo...A liberdade do indivíduo não constitui um dom da civilização."

A normatividade, então, está inserida na Ciência da Psicologia, a partir do estudo da necessidade de convivência em grupo, bem como presentes os conceitos de moral e coação nesse fenômeno (regulamentação da vida em sociedade) que interessa a Ciência do Direito. Freud, portanto, legitima a discussão de encontrar nos postulados da Psicologia a natureza da norma. No entanto, é em Piaget e Vygotsky que se encontra a adequação do tema à área, porque é nas mediações sociais tratadas por eles que se podem situar a moral e a coação.

Marta Kohl de Oliveira, no Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão, ed. 1992, situa o seguinte: "A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui aspecto característico da psicologia humana (Vigotsky, 1984, p.65). Porém, a cultura não é pensada por Vigotsky como um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, mas como uma espécie de "palco de negociações" em que seus membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados...Neste sentido, o processo de internalização...é também um processo de constituição da subjetividade."

Ora, a elaboração da norma, por meio da linguagem, é um processo internalizado e subjetivo. Daí a necessidade de compreender em que momento a norma se estabelece para o indivíduo e como ele a instrumentaliza, na função de formulador de um juízo, nas relações sociais, porque a moral pode fazer parte desse processo, e a coação pode ser da colocada fora da norma ou intrínseca ao exercício da autoridade.
Yves de la Taille, no Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão, ed. 1992, expõe o assunto com as seguintes análises esclarecedoras:

“Acabamos de ver como Piaget definiu diversos graus de socialização, partindo do "grau zero" (recém-nascido) para o grau máximo representado pelo conceito de personalidade. Vimos que tal evolução passa por diferenças de qualidade das trocas intelectuais, podendo o indivíduo mais evoluído usufruir plenamente tanto de sua autonomia quanto dos aportes dos outros. Assim, longe de significar isolamento e impermeabilidade às idéias presentes na cultura, autonomia significa ser capaz de se situar consciente e competetemente na rede dos diversos pontos de vistas e conflitos presentes numa sociedade. Vimos, finalmente, que as diversas etapas que definem qualidades diferenciadas do "ser social" acompanham as etapas do desenvolvimento cognitivo. Cabe perguntar agora que influência tem as interações sociais sobre esse desenvolvimento...

Pode-se afirmar, porém, que todo tipo relação interindividual pede, por parte de seus membros, um pensamento coerente e objetivo? Responder afirmativamente essa questão significaria acreditar que as relações sociais sempre favorecem o desenvolvimento! Ora, Piaget não compartilha desse "otimismo social". Para ele, é necessário fazer uma clara distinção entre dois tipos de relacionamento social: a coação e a cooperação.
Chamamos de coação social, escreve Piaget, toda relação entre um ou n indivíduos, na qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio". Verifica-se que o indivíduo coagido tem pouca participação racional na produção, conservação e divulgação das idéias. No caso da produção, dela simplesmente não participa, contentando-se em aceitar o produto final como válido. Urna vez aceito esse produto, o indivíduo coagido o conserva, limitando-se a repetir o que lhe impuseram. E é desta mesma forma que ele acaba por se tonar um divulgador dessas idéias: ensina-as a outros esta mesma forma coercitiva como as recebeu. Em uma palavra: ele passa a impor o que - num primeiro momento - lhe impuseram. Daí decorre que a coação corresponde a um nível baixo de socialização no sentido explicitado acima. Em primeiro lugar, não há verdadeiro diálogo, uma vez que um fala e o outro limita-se a ouvir e a memorizar. O indivíduo coagido deve atribuir valor às proposições daquele reconhecido como prestigioso, mas a recíproca não é verdadeira. Em segundo lugar, nenhum dos participantes do diálogo necessita se descentrar: o coagido, porque lhe basta aceitar as "verdades" impostas - portanto, sem fazer esforço de verificar a partir de que perspectiva foram elaboradas (o que o leva freqüentemente, aliás, a acabar distorcendo o que lhe foi imposto por falta de real compreensão) e a "autoridade", porque nem precisa ouvir o outro, pois não lhe foi atribuída a tarefa de elaboração racional e de crítica.

Não somente a coação leva ao empobrecimento das relações sociais, fazendo com que na prática tanto o coagido quanto o autor da coação permaneçam isolados, cada um no seu respectivo ponto de vista, mas também ela representa um freio ao desenvolvimento da inteligência. De fato, sendo a Razão um processo ativo de busca e produção da verdade..., a relação de coação fecha toda e qualquer possibilidade para que tal processo possa acontecer. Logo, reforça o egocentrismo, impossibilitando o desenvolvimento das operações mentais, uma vez que esse desenvolvimento somente ocorre se representar uma necessidade sentida pelo sujeito. É claro que as ralações de coação e de cooperação ocorrem em qualquer sociedade, notadamente entre adultos. Mas Piaget emprega essa distinção sobretudo em relação ao desenvolvimento das crianças.
A coação representa o tipo de relação dominante na vida da criança pequena. Nem Poderia ser diferente, dada a assimetria da relação pai/filho ou adulto/criança. Portanto, a coação representa uma etapa obrigatória e necessária da socialização da criança. Todavia, se somente houvesse coação, não se compreenderia o desenvolvimento das operações mentais. A cooperação necessária a esse desenvolvimento tem seu início, segundo Piaget, nas ralações entre crianças, dai a simpatia que ele sempre teve pelos trabalhos em grupo como alternativa pedagógica. Mas por que as relações entre crianças representam o ponto de partida da cooperação?

Ora, simplesmente pelo fato de que não há hierarquias preestabelecidas entre as crianças, que se concebem iguais, umas às outras. E se uma criança de 7 anos tende a acreditar em tudo que um adulto diz, em relação a um colega de classe será mais exigente quando a "prova," e "demonstrações". Escreve Piaget: "É a Procura da reciprocidade entre os pontos de vista individuais que permite à inteligência construir esse instrumento lógico que comanda os outros, e que é a lógica das relações ". E, naturalmente. uma vez "iniciada" a cooperação pela sua convivência com iguais, a criança tenderá a exigir cada vez mais e de todos, que se relacionem com ela desta forma - contanto, evidentemente, que na sociedade em que vive sejam valorizadas as noções de igualdade e respeito mútuo.
De fato, ser coercitivo ou ser cooperativo, via de regra, depende de uma atitude moral. O indivíduo deve querer ser cooperativo. Podemos perfeitamente conceber que alguém com todas as condições intelectuais para ser cooperativo resolva não o ser porque o poder da coação lhe interessa de alguma forma. Vale dizer que o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas não condição suficiente, pois uma postura ética deveria completaria o quadro. Desta dimensão Ética, que acabamos de avaliar do ponto de vista individual, caímos, imediatamente no campo político: o regime, as instituiçõess devem valorizar a igualdade e a democracia.
Em suma, a teoria dc Piaget é uma grande defesa do ideal democrático. Mas trata-se de uma defesa de caráter científico, uma vez que ele procura demonstrar que a democracia é condição necessária ao desenvolvimento e à construção da personalidade.

Como vimos, Piaget concorda com Durkheim e Bovet para explicar o início do desenvolvimento moral da criança: na moral da heteronomia, o respeito pelas regras morais é realmente inspirado pelos sentimentos de medo. amor, sagrado. No entanto, tais sentimentos desaparecem da moral da autonomia quando o respeito unilateral anterior é substituído pelo respeito mútuo. Mas então, o que será que move alguém a agir em função do respeito mútuo? Se não for mais o medo do outro , o amor sentido por ele, se não for mais uma espécie de admiração irracional pela sociedade entendida como "ser coletivo", o que é então'?
Para Piaget,. o que move as ações da moral autônoma é este "sentimento", Icn4o racional. que é o da necessidade. Escreve ele: " todo mundo notou o parentesco que existe entre :1. normas morais e normas lógicas: a lógica é uma moral do pensamento, como a moral é uma lógica a ação" (JM. P 3). Para o desenvolvimento do juízo moral. a explicação de Piaget é a mesma: "A lógica não é coextensiva à inteligência, mas consiste num conjunto de regras de controle empregadas pela inteligência para dirigir-se a si mesma. A moral desempenha papel análogo em relação à vida afetiva (JM. P 323). Enquanto a coação impõe regras que a criança segue porque acredita que sejam boas, porque as interpreta como sagradas ou sente pelas autoridades que as ditaram medo e/ou amor, a cooperação permite que a "autoridade soberana" seja criticada em nome da Razão, permite que o sujeito acabe por considerar como subjetivamente necessárias (portanto como obrigatórias) algumas regras e não outras. Vale dizer que os sentimentos do sagrado, de medo e de amor não precisam ser evocadas para explicar a moral autônoma."
Portanto, a partir da fase autônoma, o indivíduo formula o próprio juízo moral para estabelecer suas relações sociais, ou seja, ele ganha o status de ser potencialmente livre. Na concepção Vygotskiana, esse processo seria a interiorização das normas estabelecidas, para utilizá-las como instrumentos próprios de pensamento e ação no mundo. A conseqüência prática é que a coação não faz parte da natureza da norma, porque não se coaduna com o desenvolvimento e a emancipação do indivíduo. A coação é inerente ao exercício da autoridade e define o tipo de sociedade que dela faz uso. Em outras palavras, a existência de liberdade ou democracia implica a "negociação" das regras postas. É claro que a resposta - satisfatória -, do afastamento da coação como nota essencial da norma se fundamenta na Razão, como agente dessa "evolução" para a moral autônoma. Logo, embora se reconheça não só o poder revolucionário das idéias de Freud no campo da afetividade, mas, também, a consistência da teoria Walloniana das etapas de desenvolvimento da afetividade - que explica, na fase categorial, as exigências de respeito recíproco, justiça etc.-, como ensina Heloísa Dantas, no Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão, ed. 1992, a teoria de Piaget basta para trazer esse respaldo, porque vai além das perspectivas filosóficas.

Por fim, essa resposta emprestada reforça a tese de Arnaldo Vasconcelos, construída no Teoria Geral do Direito, ed. 1993, que revista também Kant, B. F. Skinner, Freud, Popper, Erich Fromm, e outros para estabelecer que a norma, como um juízo de valor, é um dever ser, uma previsão de direito, por meio da construção de uma construção lógica: a norma incide sobre o fato, para gerar um direito ou uma obrigação. No caso de haver direito, deve ocorrer uma prestação. Se não houver a prestação, deve haver uma sanção. Dessa forma, a norma não comporta a coação, é apenas um dever ser, nos termos Piagetianos, o indivíduo deve querer ser cooperativo nas relações sociais.



Capítulo II

Ação da Burrice

“As mensagens que as pessoas escutam e acreditam na fase adulta são aquelas que foram lançadas na infância. Aprendemos a ser quem nós somos. Algumas aprendem a ser adultos bem sucedidos e felizes. Outros a prendem a não esperar muito da vida. A boa notícia é que todo aprendizado pode ser mudado, inclusive aqueles comportamentos que nós aprendemos inconscientemente quando crianças. Mas, primeiro, temos de nos conscientizar sobre a origem destes comportamentos”.
Stedman Grahan in You can make it happen

Na fase da ação, a automação é uma característica muito forte, em razão de corresponder a uma resposta imediata do acúmulo de burrice e das expectativas. Em outros termos, suponha que você é um ator – não precisa ser do nível do Ewan Magregor -, e muitas pessoas tem muitas expectativas em relação a sua performance. Então, não é fácil mudar papel de seu personagem, principalmente quando sua apresentação está dentro dos conformes e bem respondida. É como você pedir para sua esposa deixar de implicar com você ou pedir para ela ficar menos irritada durante a tpm. No máximo, você pode pedir a ela fazer um exame de consciência e admitir que deveria parar de fazer as coisas iguais as que a mãe dela faz, a fim de que obtenham uma satisfação dentro de um modelo próprio. Para a maioria dos mortais, essa fase nunca acaba, porque eles são invadidos ora pela repetição de papéis, ora por preocupação ou limitação ou outros fenômenos oriundos do medo.
Para estabelecer um nexo de causalidade, seguem três históricos pessoais retirados da peça Os Transketeiros, de autoria de Hermano Leitão e co-autoria de Thiago Gomes, a fim de você escolher um deles e responder as perguntas terapêuticas na seqüência, caso você ache interessante o aprofundamento.
Caso 1:
Vivi - Minha mãe batia muito em mim quando eu era criança, porque eu costumava comer o almoço de meu irmão lesado, e à noite eu o molhava, porque eu dormia no beliche de cima e tinha incontinência urinária. Como meu problema ginecológico não passava e já tinha 16 anos, sai de casa. Aluguei um quarto na Rua Aurora, e para meu sustento, vendia produtos da Avon, Natura, Hermes e Jazigo do Parque da Paz. Resolvi fazer supletivo e depois passei no vestibular para psicologia da Faculdade dos Evangelistas Integrados, na cidade de Varginha, Minas. Para pagar a faculdade, tive de usar expedientes extraordinários e uma saia bem curta. Certa feita, fui a um baile country e reparei que um bonitão tinha chegado sozinho - na verdade eu estava no estacionamento pondo reparo em quem chegava -, e o segui. Depois que ele já tinha tomado uma dose cawboy, sentei-me ao seu lado e puxei papo, sempre o estimulando a beber. Quando ele já estava grogue, levei-o para o meu apto. Era tudo planejado. Ele dormiu completamente embriagado em casa. Aproveitei para ver os documentos dele e tomar nota de tudo. De manhã, disse para ele que nunca tinha transado tanto na minha vida. Ele olhou para mim com uma cara de samambaia e me disse que era casado e pedia mil desculpas pelo ocorrido, que não tinha o costume de trair a mulher. Apoiei a atitude dele e mandei-o tomar banho e ir para casa. De vez em quando eu telefonava para ele não se esquecer de mim. Passados quarenta dias, telefonei desesperada e lhe dei a notícia que estava grávida e que ele tinha de assumir a criança, que seria bela e saudável. Avisei-lhe que ia telefonar para todos os amigos dele - eu tirei da memória do celular dele -, e contar sobre a novidade. Ele ficou desesperado também e me pediu para não falar nada pra ninguém e que eu considerasse a hipótese de não ter o filho. Disse-lhe que era melhor ele suportar uma pensão alimentícia de R$36.000,00 (trinta e seis mil reais) por ano, pois queria que meu filho fosse jogador de basquete do Corinthians, mas ele achou melhor não. Então eu concordei em fazer aborto contanto que ele suportasse a módica despesa de R$6.000,00 (seis mi reais), o que representaria uma economia de R$30.000,00 (trinta mil reais) - só para falar de um ano. Ele mandou um depósito na minha conta no outro dia, e eu passei um fax da consulta ginecológica com a Dra. Helenilda Cipó. Tive de usar esse expediente mais três vezes, porque a facu estava muito cara e ainda por cima uma amiga minha começou a me imitar. Graças a Santo Expedito, provedor das causas impossíveis, consegui terminar a psicologia. Junto com duas colegas da facu, montei a clínica. Na verdade, eu tive de aumentar o valor do aluguel, para que na divisão eu pudesse sair fora da minha parte. O meu amigo também me arranjou umas notas dos móveis em valor pouco mais caros. Agora eu estou muito feliz, porque eu vou receber uma herança do meu irmão – não aquele lesado que dormia no beliche debaixo da minha -, é um irmão arranjado, pois um brasileiro, funcionário da Nigerian Petroleum Company, morreu e deixou um depósito bancário de US$5,000.000,00 (cinco milhões de dólares), sem notícia de qualquer parente nessa face da terra. Ai um advogado da Nigéria conseguiu me localizar na internet e me propôs ser a irmã do dito defunto. Então, ficou resolvido que ele ficaria com 20%, o advogado do Brasil ficaria com 10%, e o povo do governo ficaria com 20%. Agora vou procurar uma Consultoria para saber como é que eu vou aplicar esses US$2,000. 000,00.
Caso 2:
Rizaldo - Desde criança gostei de animais. Meu primeiro animal de estimação foi uma cadela, que coloquei o nome de Samantha, com “th” no final. Ela acompanhou quase toda minha infância, depois fugiu de casa com um “pintcher” vira lata. Meu sonho sempre foi cuidar de fêmeas de grande porte, e aos 15 anos ganhei uma égua, que minha tia me deu em homenagem ao carinho que tinha com a minha prima. Deu pra entender ou não? O tempo passou e entrei na faculdade de medicina. Queria ser ginecologista e entender melhor as mulheres. Neste tempo de faculdade me afastei um pouco das fêmeas maiores, e fiquei cuidando somente daquelas que cabiam no meu quarto. Antes de me formar conheci minha mulher, seu cabelo lembrava a crina das éguas, e seu corpo então... Lembrava-me uma potranca. Deu pra entender ou não? Casamos e ganhamos de presente uma das fazendas de vaca leiteira que seu pai tinha. Meu consultório ginecológico funcionava na fazenda das 8:00h as 12:00h. E a vizinhança sempre me pedia para acompanhar os partos das vacas e das éguas. Então, resolvi fazer o curso de veterinária também. Era ginecologista e Veterinário. Expandi meu consultório com um puxadinho nos fundos, para abrigar minha clinica veterinária. Sabe que os partos das vacas são sempre mais naturais, porque elas não têm sentimento de culpa nenhuma. Uma vez fiz um parto de uma moça que era virgem e ela desgarrou a chorar três dias por inteiro. A mulher não tem nada de bicho. A cabeça fica variando. Deu pra entender ou não? Minha mulher, por seu turno, gostava de andar a cavalo e cuidar do curtume do pai. Usa botas de couro, chapéu de couro, chicote de couro, jaqueta de couro, cinto de couro. Chegava de noite, era aquele cheiro de couro suado entranhado no corpo. Era difícil eu dar no couro. Deu pra entender ou não? Nosso casamento não deu mais certo. Separamos e mudei pra cidade. Na separação, fiquei com a fazenda de vacas. Logo agora que eu comecei a me interessar por cavalos. Então vou procurar a Iinvisible Hand para saber onde devo aplicar o meu negócio, porque já faz algum tempo que o Dr. Big tem me mostrado como são atrativos os fundos que se encontram no mercado, deu para entender ou não?
Caso 3:
Selton - As coisas sempre acontecem de forma misteriosa na minha vida desde meu nascimento, contam os meus parentes. Pra começar, no meu parto, a primeira coisa que saiu foi minha bunda. E por coincidência, confundiram a minha mãe com a filha do Prefeito e tivemos muita mordomia no Hospital. Durante minha infância brincava muito e por coincidência meu tio e minha tia que não podia ter filhos me davam muitos brinquedos. Em amigos secretos sempre duas pessoas tiravam o meu nome. Estudava em escola pública, apesar de ser de família de classe média, pois não queria onerar o meu pai, porque minhas duas irmãs estudavam em colégio particular. E por coincidência, quando eu estava na 8ª série, o Banco do Brasil fez um concurso para vagas de estagiários a serem preenchidas por alunos pobres da rede pública. No dia da entrevista, coloquei uma camiseta branca, uma calça jeans e um sapato social. Por coincidência, quando fui descer do ônibus, enganchei a camiseta em um arame e rasguei a camiseta, além de cair bem dentro de uma poça de água, mas a minha sorte é que a água não cheirava mal. Ao entrar na sala de entrevista, as psicólogas me trataram super bem e não tiravam os olhos da minha camiseta. Sai da entrevista com a vaga e ainda um vale compras de R$1.000,00 para roupas sociais. Quando faltava uma semana para terminar o estágio, estava saindo do elevador e vi um homem tropeçar nos cadarços e se enganchar na porta do elevador. Consegui puxá-lo e salvar sua vida. E por coincidência era o Presidente do Banco, que me agradeceu muito e me promoveu para que eu continuasse trabalhando no banco. Ai comprei meu primeiro carro através de um financiamento em 54 parcelas no valor de quase todo meu salário. Por coincidência, o Banco faliu e a minha dívida foi paga pelo governo através do PROER. Então sobrou dinheiro para eu fazer a faculdade de análise de sistema onde desenvolvi um programa de catraca eletrônica, outro de controle de cartão de ponto e outro de prognósticos de sorteio, que por coincidência foi comprado pelo Deputado João de Deus e depois serviu para o Roletrando do Silvio Santos. Ganhei o prêmio jovem cientista ao sistematizar a freqüência do impulso consumista das mulheres durante a menstruação. E por coincidência meu tio montou uma franquia de produtos de informática e incluiu meus sistemas. Hoje vendo esses softwares com entrevistas agendadas. Já vendi para a Rede Globo, para a BOVESPA, para o SBT e para as lojas Marisa. E por coincidência tenho uma entrevista hoje com uma grande consultoria.

Exercício A:

1) Vamos começar com um exercício super interessante, para refletirmos sobre nossa existência, tá? Então, quero que imagine uma determinada cena de acordo com a situação que vou propor, tá? Imagine que você está observando um teatro; lá no palco, estão seu pai e sua mãe com você recém-nascido, tá? Eles estão ali para apresentar você para a platéia e dizer o que esperam de você na vida, tá? Ok! Então pense. O que o seu personagem escolhido disse?

2) Então vamos fazer diferente agora. Imagine que você está no teatro, lá no palco, como você é hoje, tá? Vocês está ali para se apresentar para a platéia e dizer o que espera de você da vida, tá? Ok! Então pense. O que o seu personagem escolhido disse?

3) E que de mais importante seu personagem aprendeu na infância?
4) O que você acha da história do seu personagem?
5) E se você assumir o papel de escritor da sua história, o que você modificaria e o que você não gostaria de ser?

6) Suponha que no palco tem três bonecos, um representa seu pai, o outro a sua mãe, e o terceiro é uma pessoa que só você sabe quem é, tá? Ok! Então quero que você vá até um deles, e diga o que você sempre quis dizer, mas sempre evitou, tá?
Por sorte, 3% da humanidade conseguem ultrapassar a fase da ação, por meio da sublimação - você pega a dor e a transforma numa obra de arte para que o sentimento se torne consciente. Mas nem todo mundo é assim inteligente para realizar esse tipo de processo. A maioria das pessoas fica como cegos e surdos numa aula de Ioga. Recorre aos paliativos para agüentar a Burrice. Geralmente, a bebida alcoólica, as drogas, o trabalho intenso e o casamento – com a desagradável dupla função de depósito de esperma e divisão mutua de agressividade -, são os meios substitutivos para o enfrentamento da realidade - pelo menos hoje não se queimam gente e livros na fogueira para impor uma realidade.

Para resolver esse imbróglio, recorremos a profissionais intermediários do alargamento da nossa percepção, pois criamos cada situação muito impossível de resolvermos sozinhos – talvez seja esta a maior fonte de segurança dos advogados e terapeutas. E nesse último mister, a teoria do aconselhamento tem sido uma coisa, porquanto parece sustentar que o homem é concebido para o bem e para o mal, e o verdadeiro sentido da vida seria procurar o bem e rejeitar ou controlar o mal – o homem então se tornaria completo quando atinge o autocontrole. Destarte, se ele é suscetível a esta “virtude” de controle, é por meio do processo educativo ou da racionalidade atinge a realização de forma mais satisfatória – mas não o faz sozinho: o aconselhamento ajuda o indivíduo a conseguir o desenvolvimento.

O aconselhador, pois, atua como se fosse um professor em uma situação de aprendizagem, a fim de o indivíduo adquirir autoconhecimento, por meio do qual atinge maior autocompreensão, aceitação de suas aptidões, interesses e características pessoais, bem como na avaliação de seus conhecimentos e compreensão das exigências da realidade que se insere, chegar a realização mais completa possível de suas potencialidades.

Nesse sentido, a Teoria de Aconselhamento Centrada no Cliente – TACC -, originada e desenvolvida principalmente por Carl Rogers, apresenta como princípios a liberdade pessoal, a filosofia democrática, o reconhecimento da individualidade, a ênfase no desenvolvimento da independência, da autonomia e da confiança na capacidade de realização do ser humano, além do reconhecimento nos aspectos inconscientes da teoria de Freud, e o não dogmatismo. Apóia-se também na capacidade humana de conhecimento reflexivo e manifesta de se autocompreender. Segundo Rogers, as experiências podem ser compreendidas por meio das próprias percepções que o indivíduo tem dessas experiências e do mundo, para a formação de um auto-retrato: o que importa no processo de aconselhamento são as percepções e as experiências relatadas.

“Sinto um forte receio de que o desenvolvimento das ciências do comportamento possa ser utilizado para controlar o indivíduo ou para aliená-lo da sua personalidade. Todavia, é minha convicção de que estas ciências poderiam ser utilizadas para realçar o valor da pessoa”.
Carl Rogers in Tornar-se pessoa.
Se abstrairmos a preocupação de Carl Rogers com o empirismo, talvez tenhamos mais facilitado o salto que se proporá adiante, no sentido de realmente prover o ser humano dessa capacidade inata de perceber a si e aos sistemas circundantes. Feita essa ressalva, propomos outro exercício, em que o leitor fica convidado a por reparo na atuação do aconselhador e, se for o caso, pensar em alternativas para resolver - ou não -, os casos dados (da peça As mulheres de Cássia, de Hermano Leitão):

Exercício B
Caso 1:

Aconselhador 1: Muito bem, o que a trouxe aqui, querida?
Bertina Setzuan – Estou fudida de raiva com o banco. Fui passada pra trás de novo! Dá vontade de chupar o pau da barraca.
Aconselhador 1 – Chutar o pau da barraca?
Bertina Setzuan – É. Sacanear, para conseguir ser promovida.
Aconselhador 1– Promovida?
Bertina Setzuan - Tinha a expectativa de ser promovida gerente. Mas aí veio um cara de pára-quedas e pegou o lugar. Não tenho mais idade. Aconselhador 1– Idade?
Bertina Setzuan - Já tenho 32. Não posso ficar esperando como varizes que vão aumentando, como insetos em volta da lâmpada. Sei que tenho capacidade.
Aconselhador 1 – Tem capacidade?
Bertina Setzuan – Claro. Meu chefe implica comigo porque sou mulher.
Aconselhador 1 – Você não é promovida porque é mulher?
Bertina Setzuan – Ele diz que eu fico remoendo pequenos problemas...
Aconselhador 1 – Remoendo?
Bertina Setzuan – Assim, que tenho de ser mais ágil, de ter coragem...
Aconselhador 1– Você se sente derrotada?
Bertina Setzuan – Não sei. Acho que estou confusa agora.
Aconselhador 1 – Vamos tentar fazer uma síntese da situação: você se sentiu preterida, porque achava merecedora por critério de antiguidade e de conhecimento, porém não considerou que a função exigia características pessoais como coragem e agilidade na tomada de decisões. Você concorda?
Bertina Setzuan – Meus valores não valem nada?
Aconselhador 1 – Você está querendo aquilo que não tem ou piedade dos outros?
Bertina Setzuan – Eu estou cheia de me dizerem que sou careta, que não sei amar, que sou covarde, que sou fraca, que vago pelo mundo derrotada, que sou semente mal plantada, que já nasci com cara de abortada. Eu vim pedir um aconselhamento, você não entende?
Aconselhador 1 – Eu não vou ter piedade de você, certo?
Bertina Setzuan – Estou cheia desses esquemas, desses negócios. Não sei fazer rolo, não passo cheque na rua. Se for assim, estou fora. Será que não é possível?
Aconselhador 1 – Você deve pretender o cargo?
Bertina Setzuan – Não sei, é tanto tempo esperando...
Bernadina – Esperando?
Bertina Setzuan – Entendi. Não é minha condição de mulher, não é uma questão de tempo de espera. Sou eu e a merda da minha personalidade que não se enquadra nos requisitos do cargo, não é isso?.
Aconselhador 1 – Você quer dizer que pode ter melhor desenvolvimento profissional em outra área, não é?
Bertina Setzuan – Acho que pra certos cargos deveriam escancarar logo o perfil. Gerente: falso, bajulador, vaselina, cara-de-pau e masturbasdor compulsivo. Não é pra mim.
Aconselhador 1 – Avalie sua decisão, querida!
Bertina Setzuan – Já disse que é difícil tomar uma decisão... Aconselhador 1 – Tudo bem! Por hoje é só, amanhã tem mais.Vamos chegar a um aconselhamento satisfatório, está bem?
Bertina Setzuan – Está bem. Obrigada.
Aconselhador 1 – Tchau!
Caso 2:
Aconselhador 2 – Muito bem, o que a trouxe aqui, querida?
Luiza Pirandelina – Briga.
Aconselhador 2 – Briga?
Luiza Pirandelina – É, porrada.
Aconselhador 2 – Quem deu porrada em quem?
Luiza Pirandelina – O Billy toma um pileque e ai invoca com qualquer um. Por que a gente é assim?
Aconselhador 2 – Por que?
Luiza Pirandelina – Outro dia fui na disco. Tinha uma mina lá jogando o cabelão. Eu falei pra ela que não tava gostando, tava batendo na minha testa. Ela ignorou. Pra que! O Billy segurou o rabão dela e jogou ela no chão, chutou a cara dela, só foi sangue na madrugada. Vida bandida.
Aconselhador 2 – Vida?
Luiza Pirandelina – Não é definitivamente pra qualquer um, é preciso ter um Billy do lado, malandragem. Mas o riso corre solto quando a grana corre fácil.
Aconselhador 2 – Como fácil?
Luiza Pirandelina – Ainda não inventaram dinheiro que ele não pudesse ganhar. Mas um tiro só não vai derrubar ele.
Aconselhador 2 – Por que ele quer brigar?
Luiza Pirandelina – Marginal não amarga, defende o pão no pau. O negócio é se dar bem. Pisou no calo, tem briga. Outro dia a nega perguntou se ele queria mais uma dose. Ele disse que tava a fim. Ai, ela perguntou por que o Billy era assim. Ficou nervoso, droga. E a bicha tinha sangue ruim. A mão dele fez alto relevo no braço dela. Ele só marca touca é com o coração.
Aconselhador 2 – Ah, tem gente que ele não briga?
Luiza Pirandelina – Ele nunca me bateu. Faço tudo que ele quer.
Aconselhador 2 – O quê?
Luiza Pirandelina - Outro dia, não fui pra faculdade, tava passando roupa. Ele falou que a imagem tava ruim. Peguei uma escada, subi no telhado, e mexi na antena. Ficou boa!
Aconselhador 2 – Você faz tudo?
Luiza Pirandelina – Já sei as manhas dele. Sábado ele brigou logo cedo com o Henrique. Desceu o cacete nele. Chegou em casa tão nervoso. Não abri a boca. Abri uma cerveja, azeitona e queijo. Ele xingava. Bebeu, bebeu. Depois, calou-se. Servi o almoço. Eu não falava nada. Ai, ele me chamou pra ir pra cama. Disse que estava com saudades.
Aconselhador 2 – Então quer dizer que ele briga, e você sossega o leão?
Luiza Pirandelina – É. Mas acho que não sou leoa. Tô mais pra uma vaca. Tô cagando e andando pra ser leoa... Na boa!
Aconselhador 2 – E o que está pegando é fingir que está tudo bem, não é?
Luiza Pirandelina – A vida é muito curta pra ser pequena. Às vezes tenho vontade de mandar o Billy tomar no c... Ai, vou na padaria, compro chiclete. Fumo um cigarro. Entro numas nóia, porque não sei se o Billy volta vivo pra casa.
Aconselhador 2 – Você não se impõe, porque vai ser mais uma a apanhar do Billy, não é?
Luiza Pirandelina – Menina, sabe que não tinha pensado assim. Outro dia tava na manicura e ela me disse que eu era muito boazinha, que o Billy me fazia de gato e sapato. Sabe o que eu fiz? Olhei assim pras tetonas dela, peguei o alicate e cortei fora o bico do peito dela, e falei pra ela ficar quieta, senão o Billy ia lá e deixava ela monoteta, arrancava o resto, vai vendo.
Aconselhador 2 – Está bem! Temos muito que conversar, mas vamos deixar pro nosso próximo encontro, certo?
Luiza Pirandelina – Certo. Achei legal!
Caso 3:
Aconselhador 3 – Muito bem, o que a trouxe aqui, querida?
Laura Zinum – Minha família. É tudo merda, meu!
Aconselhador 3 – O que tem sua família?
Laura Zinum – A bichinha do meu irmão tem língua solta. Demorou tanto para eu escrever uma porra de carta de amor. Deixei junto das minhas calcinhas, meu, e ele achou. Ligou pra rádio e leu minha carta, cara. Eu prometia parar de cheirar, pois era bobeira não viver a realidade. Pedia pra ficar comigo e não desgrudar de mim.
Aconselhador 3 – Parou de cheirar?
Laura Zinum – Assim não dá pra segurar, meu. Minha irmã e meu irmão escreveram uma carta de incriminações ao causador de toda minha desgraça. O congelador ainda tinha um pacote de maconha. Fumei. Não deu barato. Meti anfetamina. Fiquei ligada, meu. Eu já não sinto nada.
Aconselhador 3 – E sua mãe?
Laura Zinum – Voltou com o pai do meu irmão. Fui falar com ela, que já não bate nem apanha, mas acho que não me ouviu.
Aconselhador 3 – E seu pai?
Laura Zinum – Tá preso. É a segunda vez que vai. Acho que trazia pra mim. A polícia pegou. Minha mãe tava em casa, a vitamina pronta, ouvindo no rádio minha carta de amor dizendo que eu queria casar contente, papel passado e presente, já tinha o vestido, e queria ter filho, só um, que fosse homem. É tudo merda, meu! A vida é como ela é, meu! O nascer do sol é uma lagosta fervida. O trabalho é a maldição da classe bêbada. Sou sem importância, meu! É tudo merda, meu!
Aconselhador 3 – Querida, vou ter de interrompê-la agora, está bem?
Laura Zinum – Já estou acostumada a cortarem o meu barato... É tudo merda, meu!

Conclusão da ação na Burrice

Ação humana no estádio em que se encontra assemelha-se a uma travessia de um deficiente visual num campo de batalha sob armistício provisório, ou a uma performance masculina na primeira experiência sexual – falta noção! Na lógica da tentativa e erro, bota a boca no trombone e lá vamos nós. De fato, o indivíduo se forma e decide sua ação, quando completa o ciclo de informações que o habilitam a imitar os comportamentos matizados em sua consciência, principalmente por impulso de acomodação - portanto, as atitudes são basicamente reflexo da sua formação, porque sua maior ansiedade consiste em fazer uso das informações recebidas, porém truncadas por uma extenue percepção subjacente.

O que deixa o indivíduo de perceber na ocupação de despejar para o mundo aquilo que aprendeu na fase de formação, ou, qual a quantidade de energia que dispõe para tentar mudar o curso de sua história? Poucos conseguem fritar o peixe e olhar o gato com eficiência – ou o peixe gruda na frigideira ou o gato vai comer a papinha do bebê. Geralmente dependemos de outros para percebermos o que está errado ou certo. Cada movimento artístico, por exemplo, carrega a percepção anterior para negá-lo ou para reforçá-lo. Nos textos de referência, a seguir, propomos o olhar com o seguinte questionamento: e se o outro não tivesse acontecido? – tal como acontece quando começamos a perder nossa memória imediata: será que tirei a carne do freezer? Será que dei comida pro cachorro e pro meu marido? E assim por diante. Então, seria interessante ler – até porque não é texto de Psicologia ou de Direito.

Para concluir, agora diga, não precisamos de um meio de, nessa fase da ação, lidar melhor com todas as informações que recebemos? Com quem você se impressionou mais: Laura, Joana ou Luiza? Não deixamos de considerar todos os conhecimentos que evitariam nos tornarmos mais burros? O que concluímos dos exercícios A e B, paralelos a nossa própria ação? Você se satisfaz com o seu poder atual de articulação? Você toparia ser uma cobaia para integrarmos percepção e conhecimento no seu corpus collosum? Vamos criar um sistema orgânico de processamento de dados em esquema serial para melhorar ou evoluir o nosso já existente esquema de circuito paralelo no cérebro?

Tudo bem! Você ainda não está psicologicamente preparado para essa mudança... Então, enfrente o questionário a seguir e reflita, querendo, sobre a fase da superação, porque você pode mudar de idéia, ou não. Em todo caso:


“O velho adágio que diz que o brinquedo é a imaginação em ação pode ser invertido: podemos dizer que a imaginação nos adolescentes e escolares é brinquedo sem ação. (Vygotsky)



QUESTIONARIO III

Responda, querendo, o questionário abaixo com “sim” ou “não”, a fim de verificar o grau de Burrice em seu ser. No final, os resultados e as recomendações para cada caso podem ser encontrados. Boa sorte!

1 – O sol está em processo de extinção, e o futuro da humanidade está em outra galáxia?
2 – Jesus Cristo foi uma das mais elaboradas lendas da humanidade ou, pelo volume de coisas que se atribui a ele, foi o maior tagarela do mundo em um curto espaço de tempo?
3 – Aquilo que o homem imagina existe em algum lugar?
4 – A evolução do homem implica a mudança de ou transformação de órgãos hoje vitais?
5 – Depois da invenção da reprodução humana em laboratório, o casamento ganhou alguma coisa?
6 – Se Deus desistir dos humanos, os padres se transformarão em psicólogos ou advogados?
7 – Dentre os profissionais que existem hoje, os taxistas ainda existirão no quarto milênio?
8 – Algum dia o homem vai parar de comer, dormir ou sonhar?
9 – Tudo que ocorre é para o melhor dos mundos?
10 – Além dos conselhos da sua sogra, você é influenciado por outros fatores, possivelmente originados na história do seu próprio organismo?
12 – Você avalia as pessoas, sobretudo a sua mãe, pelos comportamentos que elas revelam nas atitudes, sentimentos ou intenções no dia de seu aniversário?

Diagnosis

Se você não respondeu a todas as questões, o seu grau de Burrice é altíssimo e severo. Recomenda-se procurar com urgência um convento e a fazer voto de castidade.
Se você respondeu a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente preocupante. Recomenda-se procurar uma dieta a base de gordura para reforço cerebral.
Se você não respondeu a maioria das questões, o seu grau de Burrice é relativamente insignificante. Recomenda-se ingressar na carreira politica, porque talvez seu problema seja caso de dupla personalidade.

Se você respondeu a todas as questões, o seu grau de Burrice é totalmente inexistente. Recomenda-se procurar com urgência um laboratório nos EUA, porque você é um provável candidato a cobaia do maior experimento humano.

Em todo caso, repita a operação para ter certeza de suas respostas, bem como aplique o questionário em quarenta pessoas e construa um modelo matemático e gráfico para observar em que estatística você se enquadra. Finalmente, pense o seguinte: o que pode me acontecer de mais grave se eu descobrir em mim um ser altamente Burro, ou, o que de melhor pode me acontecer se eu for uma obra de ficção cientifica? Aconselha-se a guardar as respostas para si própria, pois tudo o que falar pode ser usado contra você em ocasiões desagradáveis, sejam públicas ou privadas.

Referência

No poema que escrevemos - como forma de estudar a história do teatro -, a seguir transcrito, essa viagem humana pode ser observada mediante a postura de um visitante a um dado museu, porque mostra uma reiteração dessa busca da percepção. Então, quantas formas pode o homem perceber? Propomos o olhar com o seguinte questionamento: e se o outro não tivesse acontecido?

Teatro Mundial
Hermano Leitão

Na Grécia VI antes de Cristo, o teatro começou
Téspis de Icária como Dionísio foi o primeiro ator
Ésquilo, Eurípedes e Sófocles escreviam tragédia
Aristófanes e Menandro os tipos na comédia
São mitos Édipo, Electra, Antígona e Medéia

No século II antes de Cristo, nasceu a farsa romana
Com sua grande eloqüência Sêneca escreveu o drama
Plauto e Terêncio fundiam peças gregas nas comédias
São tipos romanos Minotauro, Anfitrião e Aululária

O teatro na Idade Média de preconceito sofria
Durante vários séculos a Igreja o perseguia
Somente no século XII depois de Cristo ressurgia
Por ironia dentro das igrejas com As Confrarias

Dramaturgia com façanha
Fernando Rojas na Espanha
Gil Vicente em Portugal
Usaram técnica medieval

No teatro grego e romano a renascença se inspirou
Maquiavel de humor amargo A Mandrágora elaborou
A Commedia dell´arte encena textos improvisados
Tinham preparação acrobática e roteiros musicados

Shakeaspeare imerso em mundo de transformações
Pré-capitalismo, a Reforma, e as grandes revoluções
Do teatro Elizabetano é o maior dramaturgo bretão
Ricardo III, Megera Domada, Hamlet, Otelo, Rei João,
Macbeth, Rei Lear, e Sonhos de uma noite de verão
São as peças do metaforismo a complexa expressão

O Clássico Francês apresenta em
O Avarento, O Misantropo e Tartufo de Moliére
O Cid de Corneille e Fedra de Racine
Temas d´amour, passion e savoir faire

O século de ouro espanhol é auspicioso
Lope de Vega é dramaturgo majestoso
Tirso de Molina de Don Juan é criador
Calderón de La Barca é um construtor

O Romantismo por Victor Hugo é marcado
Na terra de Göethe, Schiller é mais falado

O Realismo opunha-se ao idealismo
Ibsen, Wilde, Dumas e Bernard Shaw
Eram os investigadores do moralismo
Na Rússia, Tchekhov, Tolstoi e Gogol
Becque e Gorki aderem ao naturalismo

Os Anti-realistas nasceram de Artaud
Como Beckett em Esperando Godot
Tinha Genet, Sartre e Ionesco
Entre Quatro Paredes se firmou

O Expressionismo é associação subjetiva
A idéia dominante é exagerada e distorcida
A prática de Meyerhold é representativa
Strindberg é o maior expressionista

Há o teatro de autores poéticos
Inspirados em fundos fantásticos
Tchekhov e Lorca eram folclóricos
Elliot e Claudel tinham temas católicos
Edmond Rostand, temas românticos

Brecht e Stanislavski são didáticos
Um é desbravador de temas épicos
O outro ensinou para atores técnicos
Aquele revolucionou o idioma
Este criou um teatro de axioma

Kusnet expandiu o Método vivo
Grotowski buscou um teatro pobre
Viola Spolin propõe o improviso
Pelos Deuses o teatro se descobre!





Personologia

No começo do século XX, um Juiz Criminal, Dr. Edward Vicent Jones, formulou as bases do que viria a ser chamado mais tarde de Personologia – uma ciência quase fascinante. Em termos gerais, seus defensores afirmam que existem 68 diferentes traços na fisionomia humana que podem revelar a personalidade, a carreira, interesses e orientação sexual, bem como o grau de Burrice nos relacionamentos. Na verdade, quando os traços são combinados, você tem 150 possibilidades de tipologia. Assim – a guisa de conhecimento (nossa!) -, vamos exemplificar algumas indicações para você se ver no espelho ou verificar quem pode estar a sua frente:

GAY

Se você tem lábios inferiores muito mais carnudos e arredondados que os superiores, você é passiva. Os lábios são a chave para a revelação da sexualidade. Carnudos: libido altíssima. Lábios finíssimos: quase assexuado. Lábio superior carnudo: ativo. Ainda bem que a cirurgia plástica pode resolver esse problema estético, mas a característica vai ficar lá.
TOLERANTE
Se você tem um grande espaço entre seus olhos, não inferior ao tamanho de um olho, você tolera tudo. Isso faz você uma pessoa de mente aberta, flexível, paciente e tudo o mais. Agora, se você tem olhos um pertinho do outro, você gosta de focalizar, não suporta atrasos, fecha o foco e ignora qualquer coisa que não se relacione com ele. E se você tem pouca área branca ao redor da íris, você vai contar tudo, tudinho mesmo!
TIGRAO

Se você tem pele grossa, peluda ou quase áspera, você pode ser um tigrão, ou seja, decidido, ativo, hábil para atividades externas, duros na queda, firmes e fortes – uhuu! Agora, se você tem pele fina e sedosa, pode ficar certo de que tudo lhe atinge e causa grande impacto físico e emocional. Indeciso e de baixa energia, move lentamente nos relacionamentos. O cabelo também é considerado pele, nesse caso. Sexo para o tigrão é mais um ato físico do que romântico.

OBJETIVO

Se você tem uma testa grande e curvada para trás, você pensa com objetividade, desenha rapidamente conclusões baseadas em experiências e reagem rápido. Facilmente encontram a essência da situação que se encontram. Teorias são um problema. Agora, se você tem uma testa reta, você pensa seqüencialmente: uma coisa de cada vez. Adoram teorias e o que tem por detrás delas e causam um evento. Pensam muito antes de agir. Se sua testa for simplesmente grande, entre a sobrancelha e o começo do couro cabeludo, você pensa abstratamente, um intelectual. Se for careca, então, você é cheio de idéias e uma fonte de pensamentos associativos – deve ser para compensar tanta exposição de terreno não capilar. As pessoas sempre vão pedir conselhos ou solução para os carecas, talvez pensando que eles tenham mais cabeça para isso...

INGENUO

Se você tem um nariz arrebitadinho, significa que você é ingênuo, acredita em tudo e não esta nem ai para o abacaxi, e gasta muito dinheiro sem pensar. Agora, se você tem o nariz com a ponta para baixo, você é cético, vai pedir as provas do que a pessoa está dizendo. Para você, melhor é duvidar. Porém, se você tem um nariz angular, tipo romano, você tem tendência a valorar as coisas e vai negociar tudo, e fica especialista no mercado.

INTIMO

Se você tem sobrancelhas próximas aos olhos, você gosta de ficar muito intimo com as pessoas, conversar sobre assuntos pessoais e contatos mais diretos. E se as sobrancelhas forem retas, você vai logo ao assunto: pode ser ou esta difícil? Detesta discussão. No caso de sobrancelhas arqueadas, a conversa vai durar muito, com muitas descrições e detalhes. Agora, se sua sobrancelha fica bem no alto, desculpa, com licença, obrigado, são palavras comuns no seu vocabulário sempre formal, frio e calculista.

Por fim, está na cara! Se você quiser mais informações a respeito do que significam os traços das orelhas, dos pés, das pernas e tambem das outras coisas, procure The Personology Foundation os the Pacific Learning Center, Honokaa, HI, Estados Unidos da América.

Capítulo III

Superação da Burrice

Apenas pessoas, na sua subjetividade, podem transceder a si mesmas, como o processo de conhecimento transcende para nova concepção – a teoria da relatividade transcedeu a física newtoniana, mas Einstein hoje talvez perca a qualidade incontestável. De Hermano Leitão, em notas pessoais.

O homem prepara-se para a Burrice e, por conseguinte, opera em busca de sua realização. Desde os primórdios, avança de um estádio para o outro, como no caso do neanderthalensis para o Homo Sapiens, que herdou a conquista e controle do fogo daquele e acrescentou o aperfeiçoamento das armas, em prolongamento de seus membros, para se tornar o maior predador da face da terra, inclusive com poder de se auto-destruir. Assim, o esforço para combater a Burrice progrediu de uma tradição oral para o uso simbólico da linguagem, o que proporcionou outro salto qualitativo no desencadeamento de tecnologias.

Paralelo a evolução do tamanho do cérebro humano, aumentava o poder de percepção intelectual dos objetos ao seu redor, desde o descobrimento da utilidade de uma erva até a apreensão do significado de um gesto mínimo com repercussões estrondosas na alma. A disseminação da informação, nesse contexto, tornou-se uma necessidade, um artigo caro ou um instrumento de poder, pois quanto mais um grupo humano conhece o outro, mais aquele submete seu conhecimento sobre este.
Como desentrave, a liberação do livro como instrumento de acessibilidade ao conhecimento foi processada mediante força não só de transformação, mas, também, de mudança nos interesses de deslocamento de poder, pois se o faraó no antigo Egito cultivava a ideologia de divindade como parte de sua natureza por meio de cultos orais elaboradíssimos; se os reis medievais se associavam ao clero para receber a benção divina para governar e controlar o conhecimento como forma de manter o feudalismo; se os burgueses patrocinaram o movimento iluminista para trazer a classe produtiva para o centro das decisões, mediante compilação das idéias em enciclopédias ao alcance de muitos, o homem está a um passo de se livrar da Burrice.

A alma humana estava, então, aberta ao combate da Burrice. A filosofia, após longo reinado de dedicação aos reis e imperadores, cedeu lugar para a medicina, o direito e a religião, disciplinas que talvez ainda rejam a essência das discussões humanas e determinem o destino da História tal como percebemos, ainda que a economia, como ciência, reivindique sua preponderância nesse fim – mas seria confundir interesse com força de argumento. Exatamente nessa confusão estabelecida pela economia, a especialização se tornou uma epidemia devastadora de muitos pilares do conhecimento, porque reforçou a necessidade de uma compartimentação do saber, com o conseqüente desencadeamento da busca pelo status de disciplina científica – a que nem o Direito escapou e, por pouco, não se transformou em simples técnica de legislar. Tudo tinha de ser experimentado, testado e provado, caso contrário seria reduzido a nada. Já imaginou a polvorosa dos estudiosos da área de humanas? O positivismo foi talvez um dos maiores pesadelos para a mente humana, porque provocou a ilusória prevalência do tecnicismo sobre o humanismo, sem falar de uma grande histeria e consumo de energias incalculável.
No caso específico do Direito, esse esforço pode ser sentido no artigo que escrevemos, transcrito nas Referências, que explicita o suscitado apoio. Apesar de ser um tour around nas teorias já visitadas, comporta não só o reforço delas, mas, também, uma reiteração sobre a preocupação atual como resquício daquele famigerado positivismo, ou seja, a especialização, a compartimentação etc, ainda resta como regra. Então, todos queremos a notoriedade científica, ainda que custe disfarçar a Burrice, ou melhor, a mentira maquiada com kit clawn, como anota Jacques Atalli em artigo publicado em meados da década de 1980:

“Nas ciências humanas, cada escola consagra o essencial de sua energia a mentir sobre o pensamento da outra para criticá-la: os leninistas fazem dos teóricos socialistas os aliados do capital; os economistas matemáticos tratam os outros como charlatões de citações falaciosas; os psicanalistas não aceitam, sem considerar injúria difamatória, que outros venham refletir no seu terreno.

Na política interna, cada partido proclama que quer governar com o outro, quando toda união eleitoral é, na realidade, uma estratégia para substituir o outro.

Na política estrangeira, as grandes potências fazem acreditar que não se toleram, quando querem somente manter sua hegemonia sobre o mundo pelo medo que um confronto inspira as outras nações.
Na economia, a mentira é mais que nunca a regra necessária no jogo do tempo: mente-se sobre a distribuição da riqueza, para fazer aceitar a desigualdade; mente-se sobre a qualidade das mercadorias, para fazer acreditar que elas podem satisfazer todas as aspirações que a publicidade lhes embalam; mente-se sobre as causas da crise, para fazer aceitar as conseqüências; mente-se sobre o calor da moeda, para fazer suportar a dominação econômica; os governos mentem sobre as ações que conduzem, ao dizerem que lutam contra a inflação, quando esta é a condição necessária do frágil consenso das sociedades ditas liberais”.
Jacques Attali in Le Monde


Não vamos nem falar do quanto mentimos sobre nossa performance sexual, porque causaríamos muita inveja, e isso não pode ser tomado do tipo IV por usucapião ou reforma agrária. A menção angustiada ao positivismo provém de essa doutrina afirmava que “só existe um tipo de conhecimento: o científico” - uma das dessas Burrices da história, porque a concepção empírica por ela formulada mais confunde do que explica. Necessário, pois, mais uma vez, o enfoque psicológico, para concatenarmos as idéias – exatamente disso que estamos falando: quanto mais o homem mente, quanto mais restringe seu campo de atuação, quanto mais se irrita com a tarefa de fazer a barba ou de comprar bife para a sogra, mais Burro fica.

Percepção
“Organizar e simbolizar são atividades humanas extensivas. Se nos pudermos aprender a operá-las mais eficientemente, talvez possamos ser capazes, como Descartes prometeu, de liberar a memória, diminuir a lentidão do pensamento e definitivamente largar nossa capacidade mental”. George A Miller – 1956

Acreditamos que a Burrice pode ter como causa inata a falta de capacidade para integrar o conhecimento por meio da percepção no sentido mais amplo da palavra. Por essa razão, temos a necessidade de ampliá-la e organizá-la em um processo de articulação interna capaz de prover as referencias para a sobrevivência e desenvolvimento do homem. Para ilustrar, percepção pode ser definida como o processo pelo qual a consciência integra os estímulos sensoriais para formar experiência útil. A maioria dos estímulos puros, desorganizados da experiência sensorial, poderia ser corrigida imediatamente e de forma inconsciente, isto é, transformados em percepções ou experiência útil, reconhecível. Ou ainda, a percepção é resultado da capacidade do indivíduo de sintetizar as experiências passadas e os sinais sensoriais presentes. Os objetos de conhecimento são os mesmos que os objetos percebidos. Étienne Bonnot de Condillac, no século XVIII, já argumenta que o conhecimento humano e experiências conscientes derivam da percepção proporcionada pelos sentidos – whatever!.

Daí vem a pergunta: você sabe por que temos tanto medo quando uma pessoa fica nervosa? Porque a sobrevivência humana depende muito da sua habilidade de responder a ameaças externas e regular seu próprio organismo interno – principalmente se o nervosismo advém da sua chegada em casa às três horas da madrugada com um perfume estranho -, pois essa resposta e regulagem acontecem por meio de células receptoras especializadas, que são sensíveis a uma grande variedade de estímulos químicos, físicos e mecânicos. Essas receptoras provêem informações adicionais a dos sentidos comuns (visão, audição, olfato, palato e sinestésico), alertando-o: perigo! perigo! Por exemplo, as células receptoras no hipotálamo são sensíveis a pressão sanguínea – você sente que sua mulher ferve. Assim, as células receptoras não só tem diversas funções e estruturas, mas, também, conectam-se por vários caminhos com fibras nervosas, que encaminham as informações para o sistema nervoso central.

Evidentemente que as respostas são determinadas pelas propriedades particulares das células receptora de cada um, pela influência que elas exercem sobre as outras, e pelo controle exercido nelas por outros órgãos sensíveis – já imaginou a influencia de uma dor provocada por um salto agulha num local importante? Nesse caminho, a atividade das células receptoras fica integrada em circuitos da atividade nervosa para habilitar-nos a sobreviver num mundo de variedades e mudanças infinitas, apesar de, às vezes, não dar tempo de impedir que ela telefone para a mãe, ou mesmo de condições de superar o efeito do álcool para agir rápido, ou ainda pedir perdão a tempo pela Burrice. Em todo caso, o funcionamento para a percepção dessa e outras situações está dentro de um sistema (mechanism of transducer) que corresponde a um circuito elétrico.
Essa excitação de uma unidade nervosa causa suas resistências e inicia outros eventos como apagões, curto-circuito, queda de energia, entre outros. Por isso, ouvimos tanto as pessoas dizerem: ela ficou uma pilha de nervos; fiquei chocada; ela estava elétrica; de repente, me deu um estalo; tive uma luz; ela apresentou pouca resistência; estávamos na mesma freqüência, et cetera. O que atrapalha tudo, portanto, são os impulsos da Burrice no tráfego dos circuitos, pois bloqueiam os mecanismos que codificam e armazenam as informações pertinentes.
Então, qual é o cerne da questão? Como vamos superar essa Burrice? - Temos de atravessar o Rubicão, que – como se lembram -, é uma imagem baseada nas ações de Júlio César, quando ele estava no comando do exército romano. Ele sabia que a lei romana o proibia de avançar seu exército além das fronteiras da província estabelecida para ele. Mas César queria mais que um comando provincial. Ele queria todo o império. A fronteira de sua província era o rio Rubicão. Ele sabia que se atravessasse o Rubicão, não teria outra escolha senão continuar em direção a Roma e conquistar ou ser conquistado. Júlio César atravessou o Rubicão e o resto é História.

Nosso Rubicão hoje se chama percepção. O império é essa vastidão de informações proibidas de total acesso, em razão do pouquíssimo poder de articulação do indivíduo. Dominar o império significa alargar nossa capacidade de percepção. Em outros termos, a acessibilidade às informações caminhou da oralidade, ao livro, a enciclopédia, aos intermediadores e a tecnologia informática, porém restou-nos a restrição orgânica-funcional – mais precisamente nossa lentidão de acesso à memória e lacuna objetiva de processamento de dados por falta de referências -, como código de inacessibilidade. Então, a saída aponta para um brain improvement, quer dizer, vamos melhorar nosso cérebro, mediante desenvolvimento de substância facilitadora de acesso à memória e instalação de todas as informações geradas pelo homem em todo cérebro pessoal, bem como estabelecer um mecanismo educativo (tipo manipulação de algoritmos) para articulação e uso referencial de todo esse cabedal de informação. A criação de estruturas celulares, enzimas e estruturas extensivas de fibras sensitivas – que chamaremos de psidias -, para implante no córtex cerebral seriam os corpos detentores de verdadeiras enciclopédias ativas, para desenvolvimento humano e extirpação da Burrice.
A configuração do nosso cérebro hoje já conta com fibras sensitivas que atuam junto com as fibras motoras, responsáveis pelo entendimento e capacidade motora, respectivamente. A proposta reside na ampliação das primeiras, a fim de permitir a maior capacidade de percepção que o ser humano pode dispor, a partir do que se conhece hoje. Como esse implante se incorpora a bagagem genética do individuo, sua descendência prescindirá de novo implante para igual performance perceptiva (processo perceptivo inato). De igual forma, já existem no mercado próteses mecânicas para substituição de membros humanos, as quais recebem orientação cerebral para o movimento. O desafio, no caso, consiste em trazer a informação externa para a ampliação desejada.

Outros desafios consistem em considerar a ética da informação, a diversidade lingüística e a diversidade cultural que comporão a enciclopédia a ser implantada, porque teríamos uma situação análoga ao monopólio exercido pela Microsoft na excelência de seus programas de softwares, ou seja, quem desenvolver primeiro a fibra sensitiva inteligente vai distribuir para quem escolher e poderá eleger uma língua única, por exemplo. Então, a primeira batalha não repousa na oposição a idéia, mas, sim, na exigência da diversidade como pressuposto para a eliminação completa da Burrice. Haverá de contemplar todas as línguas – inclusive as “mortas” -, todos os folclores, todas as doutrinas, em resumo, tudo.

Claro que outras questões vão ser suscitadas: será que prescindiríamos de médicos, advogados, psicólogos, economistas, professores ou outros profissionais tão aborrecidos como estes? – Infelizmente não teríamos tal sorte -, deixaríamos de ser humanos? Se for para extinguir a Burrice ou o poder de autodestruição, não haveria qualquer problema. Porém, tal risco de desumanização parece apenas retórico, porque a fonte de recursos articulatórios deverá ser a própria experiência humana repartilhada e compreendida pacificamente. Se formos felizes, talvez sucumbam as religiões e as superstições no campo de influência das decisões humanas.

Quando falamos em experiência humana como cabedal de referências, não privilegiamos o saber “culto” como ênfase, mas, sim, todo o saber quer oriental, quer ocidental – de toda ordem. Parece-nos excitante aliar a experiência milenar chinesa à sanguínea latino-americana. Já imaginaram o benefício? Não seria uma língua única, mas todas as línguas em exercício – para a felicidade do Noam Chomsky (ele propôs o estudo de uma gramática comum a todas as línguas, o que permitiria o estudo do pensamento humano. Essa posição humanista levou-o ao pacifismo, expresso em O poder norte-americano e os novos mandarins, em que critica a intervenção de seu país no sudeste asiático). Mas, voltemos para a instrumentalização biológica.

Estrutura

O tecido sensível informativo ou a enciclopédia celular poderá ter desenho triangular, a fim de possibilitar não só uma interligação no meio do córtex cerebral, mas, também, de permitir uma ativação progressiva das informações nela contidas – do contrário a testa humana ficaria com uma protuberância enorme. Em primeiro plano, são ativadas as psidias verificadoras da seqüência genética formadoras dos órgãos e funções pertinentes, a fim de propiciar um diagnóstico sobre existência ou não de eventuais erros de formação orgânica ou cognitiva. Por exemplo, as loiras nunca mais seriam chamadas de Burras, pois caso seja detectada alguma disfunção, outro nível de psidias entra em ação com suas ferramentas poderosas e consertam a seqüência truncada, para regeneração correta. Em seguida, são ativadas progressivamente as psidias cada vez mais sofisticadas ate os doze anos de idade.

A propósito, parece ser recomendável que essa instalação ocorra aos seis meses de gestação do feto, na primeira geração, porque deverá haver necessidade de aplicação maciça de estímulos químicos para ativação dos receptivos sensoriais de um lado a outro do córtex, porque o organismo humano tal como agora se encontra não dispõe de tanta energia, em que pese uma adoção medicamentosa para a gestante também poderá ser ministrada – mas ela não escapará de ouvir de seu filhinho ao falar pela primeira vez: “olá, mamãe Burrinha!”

Benefícios

“O esquema referencial é o conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com os quais o individuo pensa e atua. É resultado dinâmico da cristalização, organizada e estruturada na personalidade, de um grande conjunto de experiências que refletem uma certa estrutura do mundo externo, conjunto segundo o qual o sujeito pensa e atua”. Jose Bleger in Temas de psicologia.

Além dos benefícios acima citados, fica evidente que as moléstias humanas podem ser prevenidas de tal sorte, que até a herança genética de deformação física hereditária pode ser corrigida. No entanto, o maior beneficio fica por conta do extermínio da Burrice, porque resolverá a maior dificuldade do homem: relacionar-se com seus pares. Se são três os maiores desafios hoje do homem: a precariedade de seu corpo, as forças dos fenômenos naturais e os relacionamentos entre indivíduos e grupos, este representa de longe o maior problema.

Com as psidias, o homem alcançará um nível de saúde física e mental jamais experimentado, porque atuará somente na prevenção de moléstias e adaptações a ambientes exigentes de novas estruturas moleculares – inicialmente vai ser muito dificultoso o contato físico intimo em ambientes sem gravidade, por exemplo. Os pulmões, pois, serão os principais órgãos a terem sua fisiologia modificada – acho que não vai ficar uma mulher sem seios robustos, e claro que os homens não reclamarão mais do tamanho do pênis (todos terão igual tamanho grande).
A natureza, por seu turno, propiciará a conquista mais necessária ao desenvolvimento das viagens intergalácticas, mediante a manipulação da energia mais poderosa e limpa disponível em seu ambiente: a energia radiante. Os raios possuem a maior força propulsora interplanetária e a utilização dela vai permitir o lançamento de aeronaves com propulsão de trezentos mil metros por segundo e uma velocidade de escape de um milhão de metros por segundo. As distâncias galácticas serão reduzidas de milhões de anos luz para horas suíças – assim ninguém mais poderá dar desculpas de atraso por causa do trânsito, pois seria ridículo dizer que o tráfego de New Jersey a Manhatan travou por duas horas, tempo de distância entre duas galáxias.

O entendimento entre os homens, por sua vez, trará a almejada paz entre nós, em virtude de o conhecimento profundo da diversidade cultural humana propiciar a tolerância da coexistência de um lado, e a determinação de um objetivo comum para a sobrevivência da espécie, do outro. Nesse contexto, a Burrice cederá lugar a uma percepção extremamente ativa e instantânea dos processos mentais de construção da realidade – se hoje olhamos para o nosso sexo oposto e vemos inconscientemente nele ou nela a capacidade de reprodução e o bom material genético para a perpetuação da espécie, a quem chamamos de tesão, no futuro esse dado será tão consciente que não representará qualquer entrave no relacionamento.
A superação, pois, é a fase do salto do ser humano, em virtude de ter a oportunidade de dar rumo a sua vida, mediante o uso de instrumentos necessários a sua disposição para assumir o papel de seu próprio mediador. O que chamamos hoje de transplante de órgão se converterá em auto-criação assistida conscientemente, como extensão do que o organismo faz na reposição celular diária.

Quebraremos paradigmas voltados para elaboração de outras realidades. O desafio para se entrar nessa fase é de ordem cientifica, porquanto implica a reengenharia cerebral induzida e o desconcerto de todas as necessidades básicas que aprisionam a maioria na segunda fase, ou, apesar de elas não poderem ser imediata, uniforme e totalmente curadas, a percepção adquirida pelo indivíduo no processo de alargamento promoverá que ele se mova adiante de sua realidade. Sim, o meio é físico, mas o poder de articulação é sensorial. A moléstia da Burrice tem cura, ainda que a maior batalha para a sua erradicação represente a renuncia da natureza tal qual encontramos no nosso meio.

Conclusão:

“At the end of the railway, we discover that we do not control consciously ourselves. We try to be rational. But, what guides us is the unconscious desires that sooner or later bring about our nature. It is better when we can enjoy them without blaming others or being guilt of ourselves”.

O homem talvez caminhe para o salto que o detém agora. A inversão da ordem de estratégia, despidos os pudores de uma ética capenga, implica incorporar em si mesmo o conhecimento gerado por todos os séculos e século. Não é a maquina que precisa ser preenchida com as informações e inteligências criadas, mas, sim, o próprio ser humano precisa instrumentar-se dessa capacidade, numa obviedade simples – o que lhe falta é a onisciência das coisas materiais e afetivas no alargamento de sua percepção. A Burrice, submissão consciente ou inconsciente ao objeto imediato ou ao mítico, por meio da fraca utilização de referências associativas ou disassociativas dos contextos temporais, culturais e afetivos em que se encontra o indivíduo, pode ser superada.
Preferimos antecipar essa iminente realidade, sem culpa de sermos demonizados, a reiterar a impossibilidade do projeto humano profetizada pela Burrice. Se o homem sempre quis ser um deus, cremos que há muito tempo Ele desistiu de nós – ninguém fala que vai conversar com o pai, diz que volta logo, e passa mais de dois mil anos sem dar qualquer notícia. Achamos melhor fazer o que está ao nosso alcance e regular os procedimentos para que não caiamos no ciclo vicioso da Burrice.

Referência

Sobre o autor

Hermano Leitão, ator, diretor, dramaturgo e advogado. Paraibano, é autor das comédias O Acidente da Perua, encenada no Teatro Ruth Escobar em 2000; As Mulheres de Cássia, apresentada no Teatro Bibi Ferreira em 2001, Almas Perfumadas; O Homem que fala com a ..., encenada no Teatro Ruth Escobar em 2003, e Transketeiros (com co-autoria de Thiago Gomes); da peça infantil Jean que ri & Jean que chora; do drama Os Cavalheiros de Shakespeare, e das adaptações Candide e Yerma de vidas secas. Como músico, compôs a trilha sonora do filme Lágrimas Secas, cujo roteiro escreveu em parceria com Rodrigo Arrigoni. Para cinema também, escreveu o roteiro do curta Saga da Mulher, em 2004. Depois de formado em Direito na Universidade Federal do Ceará, nutriu o sonho de ser diplomata e mudou-se para Brasília para freqüentar o curso preparatório para o Instituto Rio Branco. O desencanto por esta carreira o levou a aspirar novos caminhos em São Paulo, onde, primeiramente, estabeleceu sua banca de advogado. O encontro com o teatro foi acidental, pois foi assistir uma palestra do Valdir Simino no Viva e Deixe Viver, em 1999, e encontrou Emílio Fontana, em cujo curso pisou no palco paulista pela primeira vez. Em paralelo, fez curso de canto. A profissionalização formal foi obtida por meio de exame de banca para ator e diretor no SATED-SP, onde teve a honra de ser avaliado pelo fabuloso diretor José Renato. É também fundador da Cia de Teatro Criando Condições, instituição que, além de ser a realizadora de produções, busca uma linguagem própria para revelar o teatro contemporâneo. Participa do Núcleo de Teatro HWA, onde faz intercâmbio técnico com os talentosos diretores Walter Sthein e Alexandre Ferreira. Em 2002, produziu a peça Insanos e verdadeiros, apresentada na sala Arte do TBC, na qual, além de atuar, dividiu a direção com o amigo Rodrigo Arrigoni, cujo encontro se deu no curso de direção em cinema ministrado pelo cineasta Walter Lima Jr. Coordenou, em 2003, Oficina preparatória para Mostra Criando Condições de Comédias, com quatro de seus textos, que foram encenados no Teatro do Centro da Terra, no mês de janeiro de 2004. Tratado sobre a Burrice ao alcance de todos e LULA DA SILVA: pragmático ou desnudo? inauguram sua fase de autor de ficção.



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