Formigas desobedientes
Lá pelos idos da década de setenta do século passado eu prestava serviços de desenho para uma firma de engenharia sita à Rua Haddock Lobo de São Paulo. Os dois engenheiros sócios daquela firma, um brasileiro e outro japonês, numa ocasião me convidaram para almoçar num restaurante macrobiótico da Avenida Rebouças. Macrobiótico? Que seria isso? E lá fomos nós três. No restaurante os dois estavam conversando sobre as formigas do jardim de um deles, que, apesar dos venenos que ele espalhava no solo para elas, elas continuavam a existir estragando as plantas do jardim.
Da mesa ao lado da mesa donde estávamos almoçando, um homem decentemente trajado parecendo ser muito influente, interrompendo a conversa dos dois engenheiros lhes disse que não era preciso usar veneno para matar as formigas. Bastaria conversar com elas e pedir-lhes que fossem embora daquele jardim. Ele deu mais explicações sobre o fato, mas, não prestei atenção, pois, estava pensando que neste mundo quanto mais se vive mais se aprende. Tive que conter o riso enquanto pensei, que, se algum dia eu pegasse uma carga de chato saberia como me livrar deles.
Conversaria com eles, meus inquilinos tão íntimos e lhes pediria para me abandonarem porque como todos sabem, chato provoca muita coceira e seria muito chato alguém ficar sabendo que eu teria pego uma carga de chato (risos). E assim, naquele dia eu percebi que os dois engenheiros calculistas bem que se interessaram sobre aquele assunto daquele homem sobre as formigas. Depois de volta ao trabalho ainda rindo até pensei em pedir para o engenheiro do jardim “formigado” me deixar vê-lo conversar com elas, se é que ele iria saber qual seria o idioma delas.
Altino Olímpio
Pirulitos
Naqueles tempos de quando o silêncio fazia com que o mundo parecia ficar parado, se ouvia um grito vindo da rua: Pirulitooooo.
--Mãe, me dá quinhentos reis para comprar pirulito. E lá na rua o menino com uma espécie de bandeja ou tabuleta de madeira a exibia contendo pirulitos enfiados nos buracos ou furos redondos dela, da tabuleta, que tinham diâmetros iguais na medida em que os pirulitos ficassem encaixados pela metade impedindo que eles caíssem ao chão. Eles ficavam, um a um, embrulhados com um papel claro de pergaminho. Uma cordinha presa em dois dos lados da tabuleta e apoiadas por trás do pescoço do menino a mantinha plana e ficasse, mais ou menos, à altura do nível da barriga dele.
E assim, conforme a meninada ia comprando os pirulitos, os buracos da tabuleta iam ficando vazios. Mas, o tempo que foi passando me “sequestrou” daquele passado dos meus tempos do menino que gritava pelas ruas: Pirulitossssss. Se me lembro da infância e do menino que vendia pirulitos, o grito dele (pirulitoooo) ainda repercute na minha memória. Agora que tanto tempo passou parece que só fico “chupando pirulito” diante desta vida que não me traz mais surpresas para o meu viver.
Altino Olímpio
Tango e a saudade dela
Naquele dia triste eu tive a necessidade de sair de casa porque a solidão e a saudade dela se faziam sentir muito forte. Ela tinha me “dado o fora”, tinha rompido o namoro comigo. Fui para a cidade sem saber para onde eu ia. Meus passos indecisos me levaram até onde, naquela praça, havia um salão de baile. Do lado de fora do salão eu já ouvia a orquestra tocando um bolero bem conhecido. Sem titubear muito adentrei naquele salão de baile com a intenção de esquecer meus dissabores. Salão repleto de pessoas e de casais para viverem momentos de emoções. Eu olhei para aquelas moças bonitas como se quisesse encontrar alguma para substituir aquela que havia me abandonado. A orquestra recomeçou a tocar e a cantora começou a cantar “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor. A vida passa e eu sem ninguém e quem me abraça não me quer bem”
Essa música foi para mexer comigo. Mas que coisa, como é difícil esquecer alguém. Melhor mesmo eu ir até o bar e lá “encher a cara”. Se eu ficar de fogo, bêbado, que me importa, por aqui ninguém me conhece. Lá no bar só tinha bebido uma dose de Martine quando chegou uma moça bonita e bem maquilada. Seu vestido longo tinha abertura dos dois lados do corpo e deu para ver partes de suas pernas. Enquanto a estive observando, ele ficou me fitando como se estivesse querendo se aproximar de mim e se aproximou. Logo perguntou se eu já havia estado naquele salão de baile. Respondi que não. Ela quis saber se eu sabia dançar tango e lhe respondi: mais ou menos. Todos os rapazes que hoje estão aqui não sabem dançar tango. A partir das onze horas, sempre essa orquestra toca uma seleção, deles. Então, venha me tirar para dançar.
Ela foi para onde estavam mais pessoas ao redor de uma mesinha e lá se sentou. Eu a fiquei observando de longe e vi que ela acendeu um cigarro. Não gostei! Nunca gostei de beijar mulher que fuma. Aí me lembrei da minha ex-namorada que não gostava que eu fumava e até me dava tapa no rosto quando eu acendia um cigarro. Finalmente a orquestra começou a tocar um tango e como combinado fui tirá-la para dançar. Já no início da dança ela me disse: mentiroso, me disse que sabia dançar mais ou menos, e agora percebi que você dança muito bem. E dançamos, dançamos e rodopiamos e formamos um par perfeito. Quando percebemos, todos os outros casais tinham parado de dançar para nos ficaram assistindo. Tudo foi muito emocionante. E assim terminou aquela noite que nunca existiu e nem a namorada que me deixou (risos). E eu nunca aprendi a dançar tango (risos).
Altino Olímpio