Versão para impressão

14/08/2022
Onde mora meu Pai ?

Já passaram anos que meu pai mudou-se.

Embora esta decisão tenha destroçado meu coração, não suportava mais sequer a ideia de vê-lo tão entristecido, pelos desígnios duvidosos da vida, chamado por alguns de destino e por outros de livre arbítrio. 

A verdade é que sabia que pronto ele pegaria carona com uns dos tantos amigos que esperavam por ele, para dar uma “volta ao mundo”, e isto facilitou aceitar que seu endereço seria pelas estradas que ele sonhava percorrer. 

Mas deixou tudo organizado: empacotou as miudezas, os documentos, doou os livros e as roupas, com exceção da que levou em seu corpo.

Na bagagem só o essencial: as experiências, erros, acertos, sabedoria, e um bocado de saudade. 

Por vários anos não recebi nenhuma notícia concreta de onde meu pai mora.

Vez ou outra, alguém colocava embaixo da porta de casa, um cartão postal assinado, sem nenhuma palavra.

Imaginei, que onde meu pai mora não existe internet, nem celular.

(Ou talvez ele só precisasse de tempo para se acostumar com a rotina diferente? ) 

Só sabia que, onde meu pai mora, não cabiam seus carros antigos pintados de vermelho ou amarelo. 

Numa tarde de agosto, admirando saudosa o pôr do sol na praia de Santos, uma onda delicadamente tocou minha pele e o sussurro do vento me contou onde meu pai mora.

Onde meu pai mora, todos podem morar, porque todos são filhos do Pai. 

Ele cultiva flores e caminha com Layla, com Amy, Plutonia, Serena, Estela, Julieta e até com Romeu.

Lá o trem da vida é eterno.

Onde meu pai mora tem rosa azul, horizonte cor de vanila e pássaros livres. 

Tem muitos pais, onde meu pai mora. 

E ele conheceu o Pai de todos os pais.

Onde meu pai mora tem gente com asas! 

Não há pobreza, abandono nem ausência. 

Tem museu de carrinhos, iguais aos da antiga estante do seu quarto, lá no Sumaré.

Onde meu pai mora, o rio abraça a floresta e o sol beija a lua antes das estrelas começarem a brilhar.

Onde meu pai mora, ele encontrou tio Jomar, o Hamilton, Vieira (que ainda joga futebol), o Celso, o Elzo, o Alberico, o Guido, e há pouco chegou Rodrigo também (seu filho de alma). 

Onde meu pai mora, ele finalmente pode abraçar Miguel, seu pai.

Onde meu pai mora, vive a paz!

 

E, hoje, outro dia de agosto, eu descobri que onde meu pai mora, vivem os sentimentos verdadeiros. Porque de onde meu pai mora, ele olhou nos meus olhos e sorriu enquanto as lágrimas contavam o tamanho da saudade de sentarmos juntos e apenas vivermos.

 

Em memoria  - Persio Clovis Rotundo

 

A vida nos brinda com muitos pais.

Pais que aparecem como anjos nas mais escalafobéticas situações e de repente desaparecem deixando invariavelmente ensinamentos, simples ou complexos, pela generosidade ou mesquinhez. 

Pais que marcham alimentando os filhos “hambrientos” (famintos) da Terra.

Pais que guiam os filhos abandonados por “ditos pais”.

Pais que amparam os filhos desgarrados, viciados, perdidos nas elocuções ordinárias do mundo escuro.

Pais que são pais sem nunca terem sido pai.  

Pais que são pais sem nunca terem tido pai.

 

Meu pai faleceu há 17 anos, no dia 17 de agosto.

E ele será sempre o meu pai.

Mas por razões que não estão nesta vida, fui agraciada com pais postiços que me ensinaram uma maneira nova de amar.

Meu padrasto, Hélio.

Meu padrinho Américo,

O Dadinho, pai da Giovanna (em memória)

Meu sogro Alberico (que já partiu também).

O pai que escolhi para pai de meus filhos: Denis.

E um pai que não deve imaginar o quanto é meu pai! 

 

“Meu ex futuro pai”

Já tentei escrever estas efêmeras linhas tantas vezes…

São tantos quilómetros, dias, horas que existem entre nós!

Eu imagino se alguma imagem, alguma expressão de seu rosto, um carinho, uma brincadeira ficou fotografada em minha alma, para que tantos anos passados, sem não lembrar de tê-lo encontrado, eu possa justificar o meu amor por você! 

Obrigada, obrigada!” 

 

A todos os Pais, gratidão e um Feliz dia dos Pais!

 

Daniele de Cassia Rotundo.