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06/06/2022
O Alcebides da Ilha das Cobras

Nestes tempos confusos e tumultuosos em que vivemos, as palavras liberdade e democracia têm sido muito usadas nos meios políticos deste país e também por pessoas que se expressam pela mídia. Em tempos idos, digamos, a mais ou menos setenta anos atrás, de quando eu era criança, lá na Caieiras antiga donde nasci não se ouvia tais palavras, liberdade e democracia entre os garotos locais. A liberdade existia como o vento, como o céu, o sol, a lua, o rio, a chuva e como tudo daquele pedaço do mundo que existia sem precisar se fazer notar ou se destacar para a consciência ou constatação daquela garotada daqueles tempos.

Era até costume da meninada andar descalça por onde quer que fossem, inclusive na escola. Esse costume desaparecia quando os meninos atingiam os quatorze anos de idade, idade para ir trabalhar e idade para a vinda da vaidade do se vestir bem para o flertar com as garotas. Antes dos compromissos com as responsabilidades de adultos, os meninos de então, na liberdade que tinham, tinham muitas brincadeiras para participarem, todas aquelas que hoje não mais existem.

Aqueles daquele lugar que ainda estão por aqui e ainda não foram para aquele mundo do esquecimento, eles se lembram daqueles jogos de futebol (peladas) de rua e com bola de meia. Naquele trecho plano de rua de terra que existia pouco antes de se chegar até a Vila Ilha das Cobras que ficava antes da Vila Leão, muitas peladas ou rachas de futebol que ainda repercutem na memória foram disputadas lá. Às vezes os jogos eram de vila contra vila. Naquelas pelejas para garotos e não para marmanjos, a frequência era bem assídua por aqueles, dos quais me lembro:

Riolando Nani, Eduardo Pinto Cunha (o sucuri), o Carlos Miranda, os irmãos Orlandinho e Talico, os irmãos Neno e Amaurí Rodrigues. Estes eram os da Vila Ilha das Cobras. De donde eu morava, daquela fileira de casas que ficava entra a Vila Nova e a Ilha das Cobras, os cobras, ou melhor, os atletas eram: Adilsom Pastro, Eu, José Polato, Vlademir Valbuza (o Bibe) e os irmãos Gumercindo e Armandinho da Silva. Durante aqueles jogos quando alguma mulher precisava passar naquele trecho de rua, o jogo de futebol parava e continuava de donde estava depois dela passar. Era como se fosse o “pause” de hoje de um vídeo ou de um filme do computador.

A mesma consideração (parar o jogo) quando algum homem ia passar não era tão seguida à risca com era para as mulheres. Às vezes sem a interrupção do jogo, alguns deles “levavam” boladas pelo corpo vindas de chutes mal direcionados (risos). Também, o jogo não parava quando por lá passava o Alcebíades que era da Ilha das Cobras e era filho do Senhor Maxiliano ou Maximiano. Quem ainda se lembra deles? Não me lembro se alguma vez o Alcebíades jogou bola com aquela garotada que não só jogava como também às vezes brigavam entre si. Ele era um garoto muito ocupado, sempre ia pra venda (armazém) para a mãe, levava marmita para o pai que estava no trabalho, e participava dos serviços domésticos.

Era um filho que, como diziam, valia ouro. Quando quero ainda o vejo passando defronte a casa donde eu morava. Parecia que estava sempre com pressa. Parecia que ele sempre tinha alguma coisa à fazer. O Alcebíades era a vida daquele lugar, mas, a morte que naquele lugar não era constante veio para leva-lo embora. Foi um dia triste. Mas, por que rapaz tão jovem morreu? Diziam que ele morreu por causa de um “berne”.

O berne surgia em humanos quando a mosca varejeira depositava seus ovos em alguma ferida aberta deles formando larvas que se transformavam em “bigatos”. A morte do rapaz me impressionou muito. Garoto ainda, à noite estive lá na Ilha das Cobras no Velório dele de quando antigamente se velava o falecido em casa. Triste, muito triste foi assistir o pai dele muito chorar, gritar. Ele abraçava o filho que estava no caixão e o abraçava e falava, e perguntava porque o filho o havia abandonado. Essa cena que em criança assisti nunca a esqueci. Parece que nestes tempos atuais a morte se tornou comum não havendo mais tristeza como havia antes. Agora a morte de alguém é anunciada parece que, sem qualquer pesar e é mais ou menos assim:

--Você sabe quem morreu? Foi fulano.

--Nossa! É, mais um que se foi, né?

Altino Olimpio