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23/12/2021
O custo do diagnóstico

Cenário: pandemia, 1 ano de clausura e muito medo.

Todo cuidado parecia pouco. 

“A necessidade de estabelecer conexões, de sentir que o mundo seguirá, que nossas atividades cotidianas voltaram a fazer parte da “amada rotina” atordoam meus pensamentos num ciclo vicioso de ansiedade sem início e fim”.

A vontade era de berrar por socorro, de implorar a algum dos deuses que ouvisse.

Na época era mais latente a incerteza das vacinas e tratamentos.

Foi neste contexto que em março deste ano saí de casa para consulta com minha ginecologista.

Depois de alguns exames, recebi a notícia que meus hormônios estavam desregulados e isto estava contribuindo para desordens físicas e emocionais.

Concordei com a reposição hormonal por amor a minha família e pelo resto de dignidade que sentia por mim.

Para fazê-lo precisei parar de fumar. O que foi ótimo, sem dúvidas, e um desafio pela obviedade do momento.

Ansiava mudar, ter uma vida mais saudável. Então quando ela falou que não daria nenhum tratamento se não parasse com o cigarro, precisei reconsiderar minhas necessidades.

Até porque estava acima do peso há mais de três anos.

Voltando um pouquinho para vocês entenderem o contexto. Esta médica foi indicada por um clínico geral 1 ano após minha chegada nos EUA. Sem conhecer ninguém, é complicadíssimo encontrar um núcleo novo de todo tipo de assistência que precise. Ou seja, ela era tábua de salvação.

Foi difícil não fazer comparações com os médicos brasileiros. Aqui é demasiado distante a  relação médico-paciente. E, nesta especialidade, é mandatório (para mim) algo menos impessoal.

Após um ano, ela decidiu não atender mais meu seguro médico. 

Decidi pagar particular, nem imaginava como começar todo processo com outro médico.

Buscaria depois.

Isto já incomodou bastante. Não só pelo custo bem maior, mas também porque só fiquei sabendo no dia da consulta, já na frente da recepcionista. 

Completamente “vendida”! 

Os resultados dos novos exames, que aqui só são liberados para o paciente depois que o médico verifica, estavam com ela.

Seis meses de tratamento e minha vida mudou. 

Disposição, pele, cabelo, gordura, etc.

Semana passada liguei para o consultório, avisando que precisaria de um refil da medicação.

Ela pediu que fosse vê- la.

Fiquei irritada, mas fui porque o bem maior ganha disparado.

O consultório estava abarrotado com cartazes até o teto de uma nova marca de hormônios, justo estes que eu precisava.

Consulta: 1 hora sentada.

“- Qual o motivo da consulta?

- Está acabando meu remédio, e depois que comecei a tomar, fiquei ótima!

- Este medicamento não é o correto.

- Não entendi,  foi proibido o uso? Qual é o outro que tem para indicar?

- Não, não foi proibido, eu não quero mais trabalhar com ele. 

O novo tratamento é subcutâneo, blablabla, e custa $400 dólares a cada 3 meses você vem aqui e coloco uma nova dosagem. 

- Não tem outra alternativa? Dra, eu não esperava isto, preciso pensar porque é caro para manter, posso analisar melhor e  por hora sigo com o outro?

- Não tem nenhum outro que eu use mais. Pode pensar mas não receitarei nada, sinto muito!

- Então todos os sintomas voltaram? 

- Sim!, desculpa”.

Ela saiu da sala elogiando minha camiseta.

Busquei a saída atordoada imaginando como o planeta feminino funcionaria sem o novo tratamento de $400 dólares a cada par e meio de meses. 

Até fucei minhas ideias, caçando uma palavra, uma frase de manifesto, mas não consegui balbuciar nada em minha defesa.

No “check out” uma das enfermeiras murmurou entre dentes que meu débito era de $160, mais $120 da consulta (que subiu o valor ). 

“- Por que tenho que pagar para vocês o exame que farei no laboratório pelo seguro?

- O seguro não cobre este gasto porque só a farmacêutica  tem o filete de…blablabla”. 

Pensei, em fração de segundo, que a mocinha não tinha nada com esta palhaçada e no limite do meu aceitável comportamento, pedi a guia do exame que eu mesma checaria,  sem pagar antecipado.

Fiz um esforço não humano para que "todas minhas baianas” não saíssem para rodar no consultório.

Fiquei de pé esperando. Ela entregou os pedidos com papel timbrado de determinado laboratório.

- “Só posso fazer neste laboratório ? E se eu quiser ir a outro lugar fazer os exames? Volto aqui e peço outro pedido?

- Agora a Dra só aceita resultado de exames feitos nestes laboratórios e clínicas.”

Agradeci e fui embora.

Senti o bafo da “Mulher das Tamancas” no meu cangote! 

Entendi perfeitamente que todos os demais (laboratórios e clínicas de imagem) estão fechados e que as máquinas caríssimas apodrecem num armazém de quinta, em alguma ruela sem nome  e sem saída na cidade de Houston. 

Os pedidos já estavam amassados num buraco na bolsa. Soou o “plim plom” do elevador e decidi voltar ao consultório.

Carecia vomitar indignação.

Mas me contentei em parar na janelinha da recepção.

“-Desculpa, quero entender melhor. Tenho que pagar $400 a cada 3 meses, mais a consulta e os exames ?

-Sim.

-Ah ta!”.

Por que não enviaram uma notinha de rodapé ( que fosse ) em uma das 1000 mensagens de  lembrete da consulta, sobre o aumento? E se eu tivesse o dinheiro contado em notas de $1dólar e nenhum centavo a mais? Daria minha calcinha como garantia de confissão de dívida? 

Não se trata do valor monetário por si.

Entendam: a consulta subiu de valor de $30 dólares para $120; os exames de sangue de zero custo para $160.

E a medicação? Um tubo para 6 meses, custava $55 dólares. 

Ela ofereceu outro por $400 a cada 3 meses ou ficar sem a medicação.

É  um hormônio para mulheres na menopausa. 

Estou na coluna das que precisam de reposição hormonal, infelizmente.

Acredito na ciência, no Juramento de Hipócrates, no avanço dos tratamentos cada vez com menos contraindicações e efeitos colaterais. Também respeito as decisões de ser cordeiro de uma ou outra poderosa farmacêutica. 

Mas não consigo entender a falta de vergonha na cara neste tipo de postura.

Disfarça. Indica. Mas não abandone um paciente no meio de um processo, porque em curto prazo, você decidiu ser otário.

Deixei de ser paciente para ser uma porcentagem de bônus na conta bancária da médica que depositei confiança em cuidar de minha saúde. E nem se trata de “ qualquer medico”, ela ERA minha ginecologista! 

Sequer deu  a chance de eu cagar dinheiro! 

Tirou a medicacao, aprovada pelos orgaos de saude americanos, com um custo menos exorbitante e sem compromisso preferiu dizer em rotundas palavras o que significa um belo “foda-se”. Foda -se sua saude. 

Até pouquissimo tempo atrás ela receitou o remédio. Ok, ela prefere outro, acessível somente às mulheres com alguma condição financeira melhor.

Mas deixar um paciente sair sem opção, ainda que temporariamente? 

Não existe no mercado nada mais? É algum tipo de chantagem psicológica ? Ela sabe que não dá para parar a medicação, sem que isto não implique em declínio das condições físicas, e no caso, emocionais também. 

Podia ter prescrito cuspe congelado e teria me sentido menos largada a intempérie.

Respeito sua posição em adotar uma postura implacável. Mas acho inaceitável a forma que escolheu. 

Quantas mulheres não vão ao ginecologista por uma vida? Quantas morrem de câncer uterino, de mama por falta de acesso à saúde?

Isto é  desprezível.

Não sei se estou sendo clara com a argumentação de minha indignação. 

Pesquisei outros medicamentos e há vários.

Chateada e triste em ver o poder destas fábricas de dinheiro. 

Ainda me deu um panfleto ridículo com promessas miraculosas.

É ou não é um descaramento ordinário?

 

Daniele de Cassia Rotundo