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Crônica: A Volta do Almeida

Dias foram se passando após sua morte, já tinham feito a missa de sétimo dia, mas Arlinda não se arrependia de ter matado o “coitado” – coitado, que eu digo entre aspas, pois aquilo era uma máquina de traição.
A família do Almeida e os médicos pensaram que o Almeida morreu por morte cerebral, mas Arlinda e uma enfermeira que estava na UTI, sabiam muito bem por que ele morreu.
Agora, a coisa engraçada, é que a enfermeira apoiou Arlinda – ex-mulher dele. Disse que se ouvisse algum tipo de atitude, sem fidelidade a ela, mandava ele pra bem longe da terra – talvez o atirasse no oceano, imagine a cena: “Amor vamos para um cruzeiro, vai ser tão romântico?” a enfermeira diria ao marido, e ele “Sim, mas você paga!”, é lógico que ela pagaria pra se livrar daquela praga mão-de-vaca. E daí, quando estivessem, bem no meio do oceano, ela faria aquela cena igual a do Titanic, girava-o para a frente e ... “chuá”.
O Almeida , quer dizer o espírito do Almeida, estava vagando pela terra, conquistando novas alminhas pra ele, quando decidiu vingar-se de sua esposa – é que o Almeida havia perdido uma parte da memória na terra, mas em espírito lembrava-se de tudo.
Era o décimo primeiro dia em que passara sem o Almeidinha. E Arlinda aproveitara para fazer uma chapinha básica em seu cabelo – o Almeida apesar de bebum, tinha uma aposentadoria muito boa, mas era muito mão-de-vaca. Estava na Marginal do Tietê, que por “acasoooooo” estava parada. Quando, quem aparece do lado dela ... o Almeida:
- Olá?
- Hãaaaaaaaa!!!! –Arlinda gritou, alto, tão alto, que abafava todas as buzinas, de carros pertencentes a estressadas pessoas, que cercavam-na.
- Não grite – Almeida tapou sua boca, depois de um longo tempo de pavor – tenho confissões a te fazer – tirou-lhe a mão da boca dela.
- Mais?
- É, sabe que depois daquela sua bolsada, percebi o quanto eu fui cachorro e cafajeste com você ...
- Canalha, sem-vergonha, imundo, intolerante ...
- Tá, tá, tá. Por isso eu queria te pedir desculpas ...
- Por tudo aquilo, e só um desculpas?
- Queria um beijo?
- Tudo bem, aceito as desculpas – indicou seta para a direita, já que estava na pista da esquerda
- E ... queria, assim ... te perguntar se não queria morrer?
- Morrer ... assim, morrendo?
- É!

 

Depois de um certo tempo de discussão em pleno trânsito ...

 

- Arlinda ... – o Almeida começou a chorar e a enxugar as lágrimas da ex-esposa – Não chore ... seja forte!
- Vai imbecil, você também está chorando! – abriu o berreiro novamente

 

O mais engraçado ainda desses espíritos, é que eles são invisíveis;Exceto para quem eles estão conversando. Então imagine só: uma mulher, “sozinha”, chorando; num carro parado.
- Almeida! – ela exclamou olhando pra ele – Eu te amo! – e os dois se abraçaram, e se beijaram, ... e literalmente se entregaram. Com uma buzina grosa e comprida, que vinha da saída de um viaduto ...

 

Doze horas depois.

 

- Como a Arlinda, foi morrer naquele trânsito? É aquilo: um não consegue viver sem o outro! – dizia a sogra de Arlinda, em seu velório
- É, aquele caminhoneiro não teve tempo e reflexo suficiente e pimba ... – o sogro da Arlinda exclamou.
- Não fala assim, Odair.
- Pode fechar! – ordenou para o funcionário do cemitério.

 

Atrás de todo mundo, os dois olhando para o caixão :

 

- Quem imaginaria em Almeida? – Arlinda perguntou ao seu amado, olhando para ele – Cadê você Almeida?

 

“Fui na Gafieira tirar o atraso, e volto já!”

 

Jonathas Lima Soler