Naquela tarde de comentava o depoimento de João Doido na audiência perante o Juiz, Dr. Fenelon, num caso de defloramento. A risadagem ecoava na calçada da “A Jacaré”, pois foi ali onde mais se comentou. O juiz era conhecido pela austeridade. Vi-o passar solene, os lábios entreabertos numa respiração difícil, o ventre redondo, a estatura mais alta que baixa, a se encaminhar para a Casa da Câmara onde se realizavam as audiências. Dizia-se que nunca sorriu. No máximo, quando o assunto era muito engraçado, sacudia levemente o ventre e puxava as golas do paletó de alpaca.
Todo mundo estava interessado num caso de sedução, pois a vítima que era de boa família, tentara o suicídio, depois de ver-se lograda pelo noivo. E a testemunha tinha presenciado tudo, escondido nas moitas de mofumbo à beira dum riacho.
— Seu nome? – perguntou o juiz.
— João Doido!
— João Doido não é nome de gente...
A testemunha trêmula passou a mão na testa suada, ficou amarela...
— Derne qu’eu me intendi di gente que só mi chamam João Doido... João Doido praqui... João Doido prali...
— O nome de seu pai?
— Foi coisa que eu nunca tive... seu juiz...
— De sua mãe?
— Foi tamem coisa que não conheci... Eu fui criado aos imbodéu... pulo mundo.. cuma Deus criou batata...
— Sua idade?
— O sinhô conti da igreja nova pra cá...
O magistrado se remexeu na cadeira, se assuou ruidosamente pra disfarçar, e por fim concluiu:
— Esta testemunha... não existe!
— O douto tem razão... Eu vivo... de teimoso!
O juiz encarou, e entrou no assunto.
— O que foi que aquele moço fez com essa moça? – disse apontando dois jovens que pareciam extremamente envergonhados.
— Seu doto, eu não tenho nada com essa história...
— O senhor está aqui pra auxiliar à justiça...
— Não fico preso?!...
— Preso por quê?... Só se falar mentira...
....
— Antão, o que eu vi o senhor vai vê...
— Que foi que a testemunha viu?
— Eu tava numa moita de mufumbo fazendo uma necessidade que não preciso dize, quando bem juntim de mim vi esse moço pega aquilo cagente tem como home e dana nessa moça, pra riba e pra baixo, pra lá e pra cá...
— Diga por metáforas!...
— Pois é... Pegou a metáfora e danou nessa moça, para frente e para trás...
Nessa altura tremia vigo rosamente a barriga do juiz enquanto ele levava uma as mãos à pala. Depois pigarreou e lá veio outra pergunta:
— O senhor viu copular?
— O dela não vi não senhô, pruquê tava na areia! Agora... o dele...
O magistrado levantou-se, levou a mão ao queixo para disfarçar, enquanto o ventre tremia violentamente e os cantos da boca, repuxados, faziam do seu rosto uma máscara cor de laca.
O promotor e o escrivão fizeram um zum zum entre risadas e se notava até lágrimas nos olhos de alguns curiosos
Foi quando o juiz comentou:
— O homem não existe... já me lavrou a sentença!
João Doido ficou na história.