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28/06/2007
Fornecedores pagam campanhas eleitorais

O atual debate da reforma política (des)encaminhada pelo Congresso Nacional coloca em evidência as relações pouco confortáveis entre financiados e financiadores de campanhas eleitorais, em razão do comprometimento que os eleitos têm na administração do dinheiro público. De fato, o noticiário atual mostra que empreiteiras que financiaram campanhas eleitorais são aquelas mesmas que ganham concorrências públicas e, não raras às vezes, são pegas pelos Tribunais de Contas por superfaturamento de obras e serviços pagos pelos cofres públicos. 

Em Caieiras:

À parte que a prestação de contas seja uma peça de ficção – “para Inglês ver” -, o exemplo abaixo sobre os doadores da campanha eleitoral de Névio Dartora de 2004 deixa dúvidas quanto aos valores declarados à Justiça Eleitoral e quanto aos reais financiadores de campanha, porque é risível o total de gastos - R$ 106.190,00 -, apontados e a possibilidade de ter havido “caixa 2” ou, na linguagem delubiana, dinheiro não contabilizado:

 

Receitas do Candidato: NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA
Fonte: TRE-SP (http://www.tre-sp.gov.br)

Valor Total de Receitas do Candidato:106.190,00

CPF/CNPJ Nome Data Valor Tipo Recibo Eleitoral
44145845000140
MELHORAMENTOS PAPÉIS LTDA. 11/08/2004
19.250,00
estimado 000156137
60148152000168
DROGA DEL LTDA. 01/09/2004
6.500,00
estimado 000156136
06174507815
ALCEU RABELO 10/09/2004
6.000,00
cheque 000156121
26199769872
NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA 13/09/2004
2.000,00
cheque 000156122
26199769872
NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA 13/09/2004
4.500,00
cheque 000156123
26199769872
NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA 13/09/2004
4.500,00
cheque 000156124
26199769872
NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA 13/09/2004
4.500,00
cheque 000156125
26199769872
NEVIO LUIZ ARANHA DARTORA 13/09/2004
4.500,00
cheque 000156126
12593517859
MONICA A.C.MACEDO DE SOUZA 22/09/2004
25.000,00
cheque 000156127
43677822000114
SOEBE CONSTR. PAVIMENTAÇÃO LTDA. 23/09/2004
16.000,00
cheque 000156128
59941682000180
PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA DIRETÓRIO ESTADUAL SP 29/09/2004
1.000,00
estimado 000156135
90536894868
SOLANGE MONTEOLIVA PEINALDO DARTORA 30/09/2004
2.600,00
estimado 000156129
00143312847
MARCO ANTONIO ARANHA DARTORA 30/09/2004
1.050,00
estimado 000156130
00143312847
MARCO ANTONIO ARANHA DARTORA 30/09/2004
1.500,00
estimado 000156131
02811691871
NILTON FEDERZONI 30/09/2004
2.000,00
estimado 000156138
58752951804
CARLOS ROBERTO DE OLIVEIRA 30/09/2004
2.600,00
estimado 000156132
14070354875
MARCELO CARDOSO DE OLIVEIRA 30/09/2004
1.000,00
estimado 000156133
14070354875
MARCELO CARDOSO DE OLVIEIRA 30/09/2004
1.690,00
estimado 000156134


Dá para acreditar? A empresa concessionária de transporte coletivo da cidade não contribuiu? Os fornecedores Soebe e Federzoni doaram só isso?.

A farsa pode ficar pior. Existe um projeto de lei no Congresso Nacional que propõe a utilização de recursos públicos para financiamento de campanha política. O montante sugerido é de R$ 7,00 reais para cada um dos possíveis 115 milhões de eleitores em 2002, totalizando algo em torno de R$ 800 milhões de reais. Será realmente necessário e desejável gastar dinheiro público com campanha política, deixando de utilizá-lo para outros fins?

Os favoráveis ao financiamento público de campanha fornecem, em geral, três justificativas para a sua existência. A primeira delas seria que ele permitiria um maior controle da corrupção eleitoral. Os políticos passariam a ser mais independentes e tenderiam a legislar menos em prol dos grupos privados financiadores de suas campanhas.

Em segundo lugar, sugere-se que a distribuição mais equânime de recursos públicos entre os candidatos torna as corridas eleitorais mais democráticas. Isto porque é possibilitada uma maior igualdade de oportunidade entre os competidores por cargos públicos na divulgação das suas idéias entre os eleitores. E por fim, alega-se que os recursos gastos com campanhas políticas são excessivos e poderiam ser menores exclusivamente com financiamento público. É importante examinar se estes argumentos realmente justificam a utilização de recursos públicos.

Primeiro, é ilusório imaginar que a existência, exclusiva ou não, de recursos públicos para financiamento de campanha política coloque um freio na corrupção eleitoral. Sempre que uma má fiscalização permitir, políticos e agentes privados inescrupulosos buscarão se locupletar às custas do erário público. Um político tem que se diferenciar do seu adversário numa campanha e uma maneira de conseguir isto é possuir mais recursos para divulgar suas idéias ou "comprar" votos.

No caso dos recursos públicos para a campanha serem distribuídos de forma equânime entre os candidatos, o diferencial necessário pode ser obtido com recursos privados, mesmo que ilegalmente. E se a distribuição for diferenciada, o político buscará, também na iniciativa privada, compensar ou ampliar sua capacidade de financiamento de campanha. Somente um maior controle da atuação do legislador ou executivo e uma punição rigorosa para os envolvidos nos casos de desvios de conduta podem reduzir o incentivo para a corrupção eleitoral. Se este controle e punição existirem, financiamento público é desnecessário. Caso contrário, ele tampouco resolve o problema.

No que diz respeito à distribuição mais equânime de recursos públicos, como argumentado acima, é pouco provável que ela possa realmente ser obtida na prática. No entanto, é também questionável se esta é uma característica desejável num processo eleitoral. Por que não deixar os políticos participarem de uma competição saudável pelos escassos recursos privados destinados ao financiamento de campanha? Políticos mais gabaritados e com melhores idéias podem e devem conseguir de maneira legítima uma vantagem financeira numa disputa eleitoral.

Uma preocupação, no entanto, é evitar que aqueles com idéias mais afinadas com os grandes financiadores tenham uma vantagem financeira excessiva. Uma alternativa para mitigar isto é a colocação de um imposto progressivo sobre os gastos com campanha eleitoral. Adicionalmente, pode-se considerar redistribuir os recursos arrecadados com estes impostos entre os demais candidatos, se for realmente considerado relevante alcançar uma menor disparidade no potencial de gasto com campanha entre os políticos. Por outro lado, não é difícil imaginar usos mais interessantes e proveitosos para estes recursos.

Por fim, gastos com campanhas políticas são realmente excessivos e além do desejável do ponto de vista econômico. Os gastos de um político geram, utilizando o jargão econômico, uma externalidade negativa aos seus opositores. Isto porque o seu aumento afeta negativamente a probabilidade de vitória do seu opositor. Os Estados Unidos utilizam recursos públicos exatamente com o objetivo de limitar os gastos eleitorais. Como a Suprema Corte americana julgou inconstitucional a imposição de limites aos gastos privados nas campanhas, o governo impôs limites "voluntários" para os mesmos. Caso o político não ultrapasse os limites sugeridos em lei, ele é recompensado com fundos públicos. No entanto, uma outra opção, também utilizada nos Estados Unidos, pode ter o mesmo efeito e é mais barata. Nesta alternativa, o governo coloca um imposto federal sobre os gastos de campanha caso os candidatos excedam os limites sugeridos em lei.

A fiscalização do relacionamento financeiro entre o político e a iniciativa privada e a punição rigorosa de possíveis desvios de conduta são indispensáveis. O uso de recursos públicos para financiamento de campanha não é capaz de corrigir possíveis falhas neste itens, fazendo com que esta opção seja desnecessária. A divulgação ampla para a sociedade de quais agentes privados financiam quais políticos é fundamental. Isto torna mais transparente o processo e facilita a fiscalização. Imposto progressivo sobre os gastos de campanha contribui para limitar os mesmos e evitar vantagens financeiras excessivas de certos políticos, sem onerar o contribuinte. No entanto, o uso desta opção não deve ser exagerado, pois estimularia a via do financiamento escuso, à revelia das regras eleitorais. A proposta sugerida aqui é de manutenção do financiamento privado de campanha, sem a utilização de recursos públicos para este fim

É necessário, portanto, que os defensores do financiamento público de campanha apresentem melhores argumentos para que se possa aceitá-lo. Enquanto isto, o contribuinte brasileiro deve preferir ver o seu dinheiro melhor empregado.

Hermano Leitão / JAS