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31/07/2019
Herpes genital

Entrevista

Dr. Luiz Jorge Fagundes é médico dermatologista, responsável pelo Setor dr Doenças Sexualmente Transmissíveis da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. 17 de outubro de 2011 
Revisado em 21 de abril de 2019

Infecção sexualmente transmissível (IST) de alta prevalência, a doença provoca lesões na pele e nas mucosas dos genitais. Leia a entrevista sobre herpes genital.

Herpes genital é uma infecção sexualmente transmissível (IST) de alta prevalência, causada pelo vírus do herpes simples (HSV) que provoca lesões na pele e nas mucosas dos órgãos genitais masculinos e femininos e nunca mais abandona o organismo da pessoa infectada. O primeiro sinal é uma mancha avermelhada sobre a qual se forma um grupo de pequenas bolhas. Depois de alguns dias, elas se transformam numa ferida que cicatriza espontaneamente.

Uma das características da infecção pelo HSV é que a doença sofre remissões e recidivas. Isso quer dizer que, depois de um surto, ela pode regredir para reativar de forma imprevisível dias, meses e, eventualmente, anos mais tarde, se as defesas do organismo baixarem,  pois o vírus se aloja nas camadas mais profundas da pele de onde retira o material necessário para reproduzir-se.

Em geral, a primeira infecção é mais grave e mais longa do que as subsequentes. Ela também pode ser o único episódio se o sistema imunológico estiver íntegro. Há casos, ainda, em que a pessoa infectada por esse vírus nunca desenvolve sinais da doença. No entanto, todos os portadores do HSV podem transmiti-lo para o parceiro/a nas relações sexuais.

CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS

Drauzio – Quais são as características do vírus que provoca o herpes genital?

Luiz Jorge Fagundes – O vírus do herpes genital pertence à mesma família do vírus da catapora e do citomegalovírus. Sua estrutura é muito simples. Possui uma camada externa chamada envelope viral e o núcleo, onde se situa uma escada de dupla hélice com as bases do DNA. Entre o envelope e o núcleo, fica o tegumento. Essas estruturas são compostas por fragmentos de células do hospedeiro, ou seja, a partir do momento em que entra no organismo através de um trauma provocado por relação sexual sem a proteção do preservativo, o vírus se aloja na camada mais profunda da pele — a camada basal — de onde retira as substâncias necessárias para sua replicação.

Portanto, uma vez dentro no organismo, dificilmente será eliminado, porque se aproveita do material fornecido pelas células do hospedeiro para multiplicar-se e contaminar outras células.

Drauzio – O herpes labial é uma doença também muito frequente, causada pelo vírus do herpes simples, que se caracteriza pelo aparecimento de pequenas bolhas nos lábios, conhecidas popularmente como febre intestinal. Que diferença existe entre o vírus do herpes labial e o vírus do herpes genital?

Luiz Jorge Fagundes – Embora análises laboratoriais, como cultura e inoculação do vírus, revelem algumas diferenças, sob o ponto de vista da estrutura, eles têm as mesmas características.

Assim, a forma de agressão, a maneira como se desenvolvem no organismo do hospedeiro e como se disseminam, são semelhantes. Antigamente se dizia que o vírus do herpes labial — herpes simples tipo 1 — manifestava-se na região da boca, do nariz e, às vezes, dos olhos e que a infecção pelo vírus do herpes genital – herpes tipo 2 – estaria limitada às regiões genital, anal e às nádegas. A prática do sexo oral e de outras modalidades de relações sexuais, porém, favoreceu a infecção pelo vírus do tipo 2 nos lábios e do tipo 1 nos genitais. Apesar de ser mais frequente encontrar o tipo 1 nos lábios e o tipo 2 nos genitais, nada impede a presença de ambos tanto na região genital quanto na oral.

PERÍODO DE INCUBAÇÃO

Drauzio – A partir do momento em que o vírus invadiu um organismo durante a relação sexual, quantos dias se passam até surgirem os primeiros sintomas?

Luiz Jorge Fagundes – Em torno de dez, quinze dias aparecem os primeiros sintomas.

Drauzio – Existem fatores de risco para o aparecimento das lesões?

Luiz Jorge Fagundes – Existem alguns fatores desencadeantes das lesões herpéticas. No caso do herpes labial, elas podem aparecer após exposição solar intensa e, às vezes, se manifestam  concomitantemente com episódios de diarreia, vômitos e febre característicos da gastroenterocolite aguda provocada por alimentos mal conservados, porque a queda de resistência decorrente desse quadro facilita a recidiva das lesões. Essa simultaneidade de eventos  – febre, diarreia e herpes labial ligado à perda de defesa – explica por que chamam de febre intestinal as vesículas que aparecem nos lábios.

Drauzio – Quais são os sinais prodrômicos, isto é, aqueles que antecedem o aparecimento das lesões?

Luiz Jorge Fagundes – Ardor e prurido são sinais que podem anteceder à erupção cutânea (em medicina, são chamados de pródromos). O mais comum é o ardor, porque o vírus além de agredir as células da epiderme, transita pela bainha do nervo. Em se tratando de herpes genital, esses sintomas podem manifestar-se na raiz da coxa e nas nádegas. Às vezes, surgem ínguas, ou gânglios reacionais inflamatórios, em reposta à presença do agressor.

CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES

Drauzio – Quais são as características das lesões de pele provocadas pelo vírus do herpes?

Luiz Jorge Fagundes – São pequenas vesículas, como se fossem  bolhinhas de água, que se distribuem em forma de buquê. Elas podem aparecer na haste do pênis, na glande e, às vezes, dentro do canal da urina, isto é, no meato uretral. Nesse caso, além de dor e ardor no local da lesão, a pessoa pode apresentar disúria, ou seja, dor ao urinar.

Drauzio – Qual é o aspecto das lesões nos genitais femininos?

Luiz Jorge Fagundes – O aspecto das lesões é o mesmo dos genitais masculinos. Na imagem 02, elas estão situadas nos grandes lábios, mas poderiam estar no interior do meato uretral e não serem visíveis, provocando dor intensa ao urinar. Por isso, é importante investigar a presença das vesículas no interior do canal da urina, uma vez que, por contiguidade, podem atingir a região anal e perianal e daí se disseminarem, se o sistema de defesa estiver debilitado.

Drauzio – Pode-se dizer, então, que o  vírus do herpes persiste no organismo,  porque se esconde dentro da raiz nervosa e o sistema imunológico não tem como atacá-lo.

Luiz Jorge Fagundes – Exatamente. E há outro motivo: as drogas utilizadas para combater o vírus dependem da ação de enzimas presentes no próprio vírus. Ou seja, uma parte das enzimas virais age na medicação para bloquear a ação do vírus. Ora, se ele não estiver replicando naquele momento, não estará produzindo enzimas e o remédio não fará efeito.

EVOLUÇÃO

Drauzio – Como evoluem as vesículas sem tratamento?

Luiz Jorge Fagundes – Elas podem regredir espontaneamente, mesmo sem tratamento, porque o organismo possui um sistema de defesa programado para limitar a erupção cutânea. O sistema de defesa não bloqueia uma possível recidiva ou uma agressão mais virulenta do HSV. Limita apenas a lesão na pele. Por isso,  nos indivíduos imunocompetentes, as lesões costumam regridir espontaneamente.

Drauzio – Em quanto tempo?

Luiz Jorge Fagundes — Em média, cinco dias. No entanto, as pessoas costumam passar uma pomada ou um creme no local da lesão. Isso é um problema sério, porque determinadas medicações favorecem o prosseguimento da lesão cutânea e a proliferação do vírus ao redor da lesão inicial.

Drauzio – O que acontece se o paciente estiver infectado pelo HIV, por exemplo?

Luiz Jorge Fagundes – As lesões adquirem dimensões extraordinárias. Formam-se úlceras que crescem e não se limitam mais aos genitais, mas atingem a região perianal e anal.

Drauzio – A maioria das pessoas, porém, é imunocompetente e as lesões regridem espontaneamente. Essas também transmitem o vírus?

Luiz Jorge Fagundes – O vírus pode ser transmitido mesmo na ausência das lesões cutâneas. Estima-se que 15% das pessoas com feridas já cicatrizadas continuam eliminando o vírus e são potenciais transmissoras da doença.

Drauzio – Então, para quem tem vida sexual com múltiplos parceiros e não usa preservativos é praticamente impossível não adquirir o vírus do herpes genital.

Luiz Jorge Fagundes – Exatamente. A multiplicidade de parceiros é um fator importante na história epidemiológica de como o vírus do herpes atua na transmissão, perpetuação e manutenção das lesões.

Drauzio – Segundo os inquéritos epidemiológicos realizados no nosso meio, qual é a porcentagem de adultos que entrou em contato com o vírus do herpes?

Luiz Jorge Fagundes – Existem estatísticas, tanto nacionais quanto internacionais, mostrando que a partir dos 40 anos mais de 75% da população têm anticorpos contra o herpes, ou seja, já entrou em contato com o vírus. Entretanto, na África, trabalhos indicam que é positiva a soroprevalência para o vírus do herpes em 95% da população.

Drauzio – Considerando a população que entrou em contato com o vírus, quantos indivíduos apresentaram manifestações clínicas e quantos tiveram infecções inaparentes?

Luiz Jorge Fagundes – Em torno de 10% das pessoas que entraram em contato com o vírus do herpes tiveram apenas a primo-infecção herpética, ou seja, tiveram a infecção apenas uma vez. Portanto, existe a possibilidade de ter a doença uma vez e nunca mais, se o sistema de defesa for competente. Esse número, porém, sobe  para 40%, quando falamos em recidivas, ou seja, em pessoas com mais de um episódio de herpes genital.

Drauzio – Em que faixa de idade ocorre o maior número de manifestações clínicas do vírus do herpes genital?

Luiz Jorge Fagundes — É na faixa entre 20 e 30 anos.

PRIMO-INFECÇÃO E RECIDIVAS

Drauzio – Que diferença existe entre a primo-infecção e as demais recidivas?

Luiz Jorge Fagundes – Na primo-infecção, as lesões podem ser extremamente agressivas, porque o organismo reconhece o vírus como estranho e o sistema de defesa não está preparado ou ainda não teve tempo de desenvolver a janela imunológica. Consequentemente, as bolhas podem romper, sangrar e provocar alterações na cicatrização dos genitais.

O mesmo acontece com o herpes labial. A primo-infecção nos lábios pode envolver a gengiva e provocar sangramento e infecções secundárias por causa da solução de continuidade num tecido sujeito à contaminação herpética.

Portanto, seja  labial ou genital, a primo-infecção pode manifestar-se de maneira agressiva. Já as recidivas costumam ser mais amenas, porque o sistema de defesa desenvolveu anticorpos e está capacitado para fazer com que a doença seja autolimitante.

Drauzio – Como todos os outros vírus, o vírus do herpes tem uma estratégia diabólica de sobrevivência. Ele causa lesões na pele e, se o sistema de defesa o agride, corre por dentro do nervo, esconde-se no gânglio neural e permanece ali, quietinho, inacessível ao sistema imunológico. Qualquer desequilíbrio no organismo do hospedeiro faz com que replique nos gânglios, corra pela raiz nervosa e provoque lesões outra vez.

Luiz Jorge Fagundes – Esse mecanismo de evasão torna o vírus também inacessível à terapêutica, de forma que ele volta ao local em que apareceu pela primeira vez ou às regiões em volta desse local.

Drauzio – O fato de migrar sempre para o local da primeira infecção dá uma característica importante para a doença: a unilateralidade.

Luiz Jorge Fagundes – O vírus do herpes genital pertence à mesma família do vírus da catapora e do herpes zóster, por exemplo. Nos casos de herpes zóster, chamado popularmente de cobreiro, essa unilateralidade é evidente. Aliás, zóster significa zona e esse é o nome da doença porque a lesão se manifesta sempre do mesmo lado.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Drauzio – Como é feito o diagnóstico do herpes genital?

Luiz Jorge Fagundes – Na primeira fase, o diagnóstico é simples. Ele pode ser feito levando em conta a história do paciente e a avaliação clínica das lesões. Existe um teste laboratorial rápido e barato, para  respaldar o diagnóstico de certeza. Colhe-se o material das bolhas para ver o efeito citopático que a agressão do vírus produziu nas células. Como ele destrói as células, elas se juntam formando um arcabouço com vários núcleos (imagem 03), daí serem chamadas de células multinucleadas.

Drauzio – Há algumas décadas, tudo o que se podia fazer era observar as lesões. Hoje, porém, já existe tratamento para o herpes simples.

Luiz Jorge Fagundes – O aciclovir é uma substância utilizada no tratamento do herpes simples que necessita da ação enzimática do vírus para transformar-se num medicamento eficaz para matá-lo ou impedir que ele continue sua cadeia de multiplicação. Durante o mecanismo de evasão, quando o vírus está em estado latente, escondido no gânglio neural, não adianta dar remédio porque não faz efeito.

Drauzio – Esse é um conceito importante: o aciclovir só deve ser usado no tratamento do herpes genital quando a lesão é visível.

Luiz Jorge Fagundes — Exatamente. Só deve ser usado quando não houve o mecanismo de evasão, isto é, quando a vesícula está presente (às vezes, ela pode romper). Em dois ou três dias, porém, ele se encaminha para o esconderijo, onde não pode mais ser atingido.

HERPES GENITAL NA GRAVIDEZ

Drauzio – Quais as consequências da agressão do vírus do herpes na mulher grávida?

Luiz Jorge Fagundes – Se a mulher grávida tiver herpes, pode transmitir o vírus para o feto, o que pode provocar aborto espontâneo.

Drauzio – Herpes durante a gravidez é indicação para cesariana?

Luiz Jorge Fagundes – Sim, na maioria das vezes, embora haja controvérsias a respeito, uma vez que a transmissão do vírus da mãe pode ocorrer no canal do parto e causar meningoencefalite, um quadro gravíssimo na criança. Além disso, o vírus  pode ser transmitido também por via vertical. Herpes congênito é uma doença extremamente grave e letal como a sífilis e a toxoplasmose.

Drauzio – Mesmo que a mulher não tenha lesões visíveis no momento do parto, os obstetras optam pela cesariana?

Luiz Jorge Fagundes — Não. Eles fazem o parto pelas vias normais. Existe, porém, um trabalho que aponta a eliminação do vírus em 15% das mulheres grávidas, mesmo que não tenham lesões de qualquer tipo.


https://drauziovarella.uol.com.br/entrevistas-2/herpes-genital-entrevista/