Versão para impressão

18/10/2018
O incêndio no Museu Nacional

Incêndio: Museu Nacional do Rio de Janeiro?

Há um bom tempo vivo um dilema compartido com meus pensamentos, papel e caneta entre escrever sobre o indecoroso incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, ocorrido no dia 2 de setembro deste ano, ou calar minhas palavras num choro contido ante o significado desta catástrofe e as revelações de nossa sociedade moribunda.

É certo que tanto minhas observações, como a de milhares de pessoas registradas sobre este episódio, estão mais para repetição de viúva em velório de sociedade poligâmica, do que para conscientização da representação desta barbaridade histórica, em mais um capítulo de vergonha internacional.

Pensei muito no quanto este texto poderia agregar, comungar, adicionar, acrescentar, uma vírgula que seja, neste lamento pátrio.

Cheguei a conclusão que embora as palavras que aqui deixarei, sejam reflexo de epizeuxe de chateação coletiva, eu sim deveria (e devo) arriscar apontar meus devaneios, no mínimo com a intenção de incitar a curiosidade do universo museológico e seus desdobramentos sociais, bem como analisar em amplo espectro, o que (aparentemente), repentinamente caiu sob nossos olhos.

É certo que todas as opiniões são legitimas se através delas buscarmos os pontos de desequilíbrio, e ao menos tentarmos traçar um paralelo com o que há por trás de um incêndio que destruiu artefatos históricos indicando diretrizes de apodrecimento social e quanto isto representa nesta sociedade.

No entanto, admito que a idade histórica dos acontecimentos no Brasil apela por uma reflexão além deste fogo arruinando séculos de estudo.

Interessante que este incêndio ocorreu há exatos 2 meses antecedentes a uma ruptura social escrachada pela necessidade de reconstrução das estruturas políticas, representada pelas eleições.

O incêndio no Museu do Rio de Janeiro foi o presságio e espelho do porvir à nação Brasileira.

Abnegando nossa história, negligenciando nossos patrimônios, consentindo direta ou indiretamente com a corrupção, aceitando a sucessividade de governos não representativos das necessidades de nosso país, assinamos a falência e posterior destruição não só de um museu mas sim, de toda nação.

O fogo propagado nas paredes deste monumento foi, nada mais do que consequência da inércia e ignorância.

Merece atenção: Brasil está em chamas!

Queimamos e somos queimados com dolo e agravantes.

Estamos guerreando num caos absoluto contra tudo e todos, sem consciência do que é imprescindível: combater o fogo.

Não só acendemos a primeira chispa desta encenação repugnante como incansavelmente arrancamos a pele da sociedade, descaracterizando sua existência, transformando-a em dor de carne viva que cheira carne assada.

Arrastamos como loucos acefálicos chamas e cinzas pelos cantos de nosso país.

E como uma combustão desenfreada surtira efeitos reparatórios, e produtivos?

Deixarei varias perguntas em aberto propositalmente.

Não tenho resposta para varias destas indagações e ainda as que arrojo não, são expressão de verdade absoluta e sim, reflexões subjetivas.

Convido-os a pensar em diagramas sobre os tópicos abaixo e deixarem suas conclusões surgirem espontaneamente.

Inicio com a inquirição: realmente este episódio era imprevisível?

Uma maioria responderá negativamente.

Por que estamos boquiabertos e desolados, então?

Talvez por nosso comportamento tácito permissivo?

Talvez pela vergonha de sermos coautores desta truculência?

Pensemos!

É verdade que vivemos insertos num mundo aberto a informações facilmente acessíveis.

No entanto, é impossível estar atento a tudo que intercorre ao nosso entorno.

Temos universos paralelos para zelarmos e isto deixa-nos a mercê da falta de conhecimento sobre uma infinidade de outras áreas importantes.

Infelizmente é complexo mergulhar profundamente nos oceanos que compõe as pilastras da corporação civil brasileira, como um ente do passado, do presente e futuro.

Não pretendo legitimar a incivilidade acerca do que era o Museu Nacional do Rio de Janeiro, sua história, importância, conservação, bem como qualquer outro tema; já que viver em (na) sociedade pressupõe, no mínimo, uma diminuta interação global.

Ao contrario, a bem da verdade, estamos tão envolvidos em processos pessoais narcisistas que delegamos a plano marginal o fato de sermos parte de uma gigantesca trama de enredos politicamente, economicamente, socialmente, emocionalmente passíveis de discussões, análises, críticas, questionamentos.

E isto nos transporta para um estado de quase alienação do que sucede em orbe, seja o prazeroso ou uma catástrofe de natureza e proporção diversa.

É interessante que a inovação tecnológica, crescente em medida exorbitante, tem sido utilizada não para instruir e sim para emburrecer uma parcela significativa dos seres humanos.

A mobilidade da tecnologia proporciona um conforto e economia de tempo gasto em atividades corriqueiras, deixando espaço para a boa notícia ser lida, ouvida, comentada.

Todavia, abriu-se um buraco negro na era tecnológica quando a conduta desatinada do homem moderno percebeu a possibilidade de mais um instrumento hipnótico para o famoso “pão e circo”.

Desperdiçamos conhecimento acessível frequentemente.

Qual a conexão da tecnologia com o incêndio do museu?

A intenção aqui não é trazer as mazelas da tecnologia, nem suas vantagens, e sim, tentar entender qual o vinculo entre o incêndio e o panorama comportamentista do homem atual, que recebe informações como esta e permanece no mundo das ideias, divagando sobre uma sociedade utópica, longíssima da realidade.

Comumente a noticia trágica é a alavanca para que os indivíduos saiam de suas tocas letárgicas e liguem o modo “ciber guerreiro”, esbravejando indignação, prescrevendo métodos de “cura”, culpando o sistema, a política, a economia, o contexto social.

Mas isto não é venerável?

Seria se estivéssemos dilucidando interpretações de uma sociedade sana, onde o empuxe para o cérebro acionar seu funcionamento, fosse prólogo e não posteridade.

Infortunadamente tomamos a palavra somente perante impactantes eventos.

E quando o fazemos alimentamos vozes, consciência e posturas proativas de egos.

Não percorremos o caminho de regresso, com o firme propósito de inferir o vilão que desmonta nosso pensar.

As manifestações de cólera são expressões frívolas, sem conteúdo restaurador, e, infortunadamente e têm ocorrido com frequência preocupante na sociedade brasileira, desencadeando uma histeria difusa disfarçada de cumprimento de dever cívico.

Ou seja, defendem pontos de vista embriagados de descontentamento nas redes sociais e com isto concluem com sua contribuição como cidadãos: parte integrante do Estado, e fim.

Um mecanismo de auto indulgencia.

Então, o fato de não sermos exímios conhecedores de história, arqueologia, paleontologia, nos transforma em inocentes, vítimas ou culpados?

Bom, o acesso a informações nos outorga uma visão panorâmica do mundo, portanto, neste ponto, realmente não se trata nem de culpar, desculpar, absolver, condenar e sim de conscientizar.

Conscientizar sobre o que?

É o ponto final deste artigo!

Somos ou não responsáveis por algo do que sucedeu ao Museu Nacional do Rio de Janeiro!?

Somos.

Somos responsáveis sim.

Somos taxativamente responsáveis quando não sabemos delegar, fiscalizar, valorizar, lutar por nosso patrimônio.

Entendido patrimônio como um conjunto de tudo que nos torna uma nação.

No entanto, a sensação de termos sido enganados, a vitimização errônea, excludente de culpa, é mais forte e justificável do que a verdade sobre o despreparo.

Despreparo para tudo.

Um desarranjo epidémico que nos conduz a destruição da memoria de nossa história, ao extermínio do pensamento construtivo, a incapacidade plena de exercermos nossos direitos garantidos e assegurados pela desatenção de onde estamos, quem somos, e para onde iremos.

Qual a cartilha que deixaremos às futuras gerações?

Esta mesma que nos envergonha a diário?

Quiçá Luzia esteja mais preparada para viver neste cárcere de egoísmo demasiado monstruoso.

Não estamos organizados para nada que seja sinónimo de atividade cívica, imaginem carregar nossa historia dentre paredes de uma casa velha!

As visitas ao Museu Nacional do Rio de Janeiro no decurso de 200 anos, são de números incontáveis (para mim ao menos, que não fiquei na porta registrando os visitantes!)

No entanto, a maior parte da população não visitou o Museu Nacional do Rio de Janeiro e ficou apenas com a comunicação do acinzentamento, falecimento e sepultamento de parte significativa de história e de 2 séculos de estudos científicos!

Logo, se somos responsáveis como autores ou cúmplices, se ainda navegamos na iliteracia da consciência social, como e onde encontrar um reduto confiável, capaz de sacar a venda desta cegueira coletiva?

E aqui ingressamos num campo minado que é o pai da consciência, do conhecimento direcionado, da formação de indivíduos: a educação.

“Ahh!!!! Então você sugere que se fossemos educados para conhecer sobre museus, seriamos menos desconhecedores da falta de zelo por parte dos responsáveis de cada instituição de nosso país”?

Sim e não.

Imagino aquela criança que estuda na escola pública da cidadezinha vizinha de qualquer metrópole e além dos precários livros utilizados como veiculo de historia, não tem a mínima noção do que é um museu senão pelo nome, imaginem sobre o que representa ou noção do que existe ali.

O acesso a informação é defraudado em sua origem.

Isto é contrario a minha colocação acima, que o mundo moderno favorece o acesso a comunicação.

De fato, é!

“Mas se vivemos num mundo em que através de qualquer tela de um “económico” celular podemos ver, ler e saber sobre o que acontece num povoado da China, como você, Daniele, escreve que temos falhas e um sistema precário de informação”?

Sugiro que perguntem a um estudante de 5ª serie da escola publica da cidadezinha vizinha: o que é um museu?

Na melhor das hipóteses ele responderá: “um lugar cheio de coisas velhas”!

Perfeito, né? Por si esta resposta fala muito mais que qualquer sermão!

Pergunte o que seria mais interessante para estas crianças que vão a escola para comer: ir ao Museu da metrópole mais próxima ou ao Parque de diversões da esquina?

A culpa é delas?

Não, não e não.

A culpa é dos professores?

Ou da merenda pouco nutritiva fornecida por sabe-se lá quem?

É de cada um de nós que legitimamos um domínio paupérrimo sobre nossas vidas a um bando de boçais.

É nossa por aceitarmos prescrever receitas remediadoras e não sabermos o que significa prevenir, cuidar “antes que”!

Então se as escolas dissertassem sobre museus e sua importância, não teria ocorrido o incêndio no Museu Nacional do Rio de janeiro?

Talvez não!?

Quem sabe?

Quem sabe se um aluno destes tivesse seu trajeto abençoado a ocupar um cargo de decisões, como enviar as verbas devidas corretamente a instituições para as quais são designadas e fazendo jus a uma educação consciente, de fato realizasse seu labor e não houvessem incidentes como este?

Muita pretensão crer que poderíamos não ter presenciado este homicídio cultural e histórico, sob o argumento de que não sabemos sobre museus!

E na realidade não sabemos sobre nada.

Aprendemos a trancos e barrancos sobreviver numa sociedade caquética de respeito ao próximo, caridade, seriedade.

Exponho porque também NAO acredito que se soubéssemos mais de museus e fossemos capazes de observar trabalhos de propriedade coletiva a situação de bancarrota seria idêntica a atual.

Não acredito que conhecer sobre museus é o Norte para poder preservá-los nos âmbitos cabíveis.

Acredito que uma educação consciente, aclaradora, participativa, voltada para a instrução também do mundo como uma sociedade na qual todos são parte, resultaria em pessoas menos alienados, impotentes, vergonhosos, desiludidos sobre todo seu entorno.

O que isto afetaria um museu?

Não é o museu a questão principal, e sim, a falta de estrutura para sustentar a própria historia, as próprias pernas deste esqueleto nacional.

A falta de assistência começa na educação e, seguramente este tema gera muito debate.

O que a educação tem em comum com o museu queimado?

Tudo!

Por que nossa história foi delegada a quinto plano?

Por que a falta de manutenção no museu Nacional foi o estopim para este desfavor social?

Por que não temos um plano preventivo?

Por que nossos acervos não foram escaneados, digitalizados, copiados e entulhados em alguma gaveta chinfrim de alguma repartição publica?

Por que uma multidão só compreendeu a importância destas relíquias apos não poderem ter acesso a elas?

Novamente: porque infelizmente nossa incapacidade é cabal, amedrontadora e vergonhosa.

A lamentável circunstância é que não sabemos evitar tragédias porque aprendemos a copiar o palhaço que nos distrai enquanto uma cúpula assiste o espetáculo em camarote refrigerado!

E assim, tudo se justifica à medida que nosso lugar é a intempérie da visão doentia, corrupta e distorcida dos despachos de uma minoria pobre de decência.

Tenho ciência que este papo de culpar a educação, ou a falta dela, é um tanto conversa de sociólogo e realmente beira a chatice.

Imagino que muitos se sintam aliviados com o pão e circo porque assim eximimos a negligencia e divagamos sobre algo que aparentemente não temos controle algum.

Não concordo!

A “culpa da educação” é um remédio eficaz nas emergências sociais, políticas, económicas.

Este rótulo de culpar a educação, ou chegar a esta discussão quando tentamos analisar os motivos que fraudamos nosso crescimento como país, sociedade, economia, etc. incomoda demasiado pela repercussão capaz de trazer este tema.

E a impressão é de que se chega a: lugar algum.

Sabem porque este incomodo de sensações de mareio diante este tema?

Porque falar em educação, é falar em mudança e mudar é uma arte que não temos o menor traquejo.

Mudar a maneira de porta-se, mudar os paradigmas de um arcabouço falido, mudar estruturas corrompidas pelo tempo, pela ilegitimidade, pelo homem em toda sua extensão existencial.

Ninguém esta disposto a pagar o preço para melhorar, embora todos queiram que isto aconteça.

Somos analfabetos funcionais!

Aprendemos a enredar letras e formar palavra mas estamos longe de ensinar e aprender a usar o cérebro como um aparato orgânico de aptidão para o pensar!

E assim vários fios desta teia unem-se, formando um emaranhado mau cheiroso e insolúvel.

Senhores (as) não foi o Museu Nacional do Rio de Janeiro delegado a desventura!

Fomos nós!

Nós entregamos nosso país, num ato não cívico de submissão às tolas porcarias distribuídas num banquete aos circenses, vulgo, povo brasileiro.

Fizemos de nossa bandeira- trapézio, de nossa história - chamas cuspidas, de nosso povo - contorcionistas!

O fogo segue ardendo e impetuoso!

E nós?

Nós passamos o tempo discutindo o sexo dos anjos.

Este não é um texto político!

É um texto de uma cidadã brasileira.

Daniele de Cássia Rotundo