Trabalho apresentado à Universidade Fernando Pessoa por Maria Margarida Miranda Moreira como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas.
Resumo
Os antibióticos são medicamentos etiotrópicos sem ação farmacológica sobre as células eucarióticas do Homem, tendo como alvo os locais específicos da célula procariótica. Contudo, apesar desta especificidade de ação, os antibióticos podem exibir efeitos tóxicos nas células humanas, muito embora o risco potencial é baixo tendo em conta o seu elevado número de prescrições. Assim, a nível hepático a lesão induzida pelas penicilinas (ampicilina, benzilpenicilina, fenoximetilpenicilina, amoxicilina) é rara, mas no caso da flucloxacilina e da associação de amoxicilina com ácido clavulânico há um aumento da sua incidência. As cefalosporinas raramente causam reações hepatotóxicas, sendo o efeito mais relatado a colestase. A administração de elevadas doses de tetraciclinas por via intravenosa pode causar esteatose microvesicular e elevação das enzimas hepáticas, podendo mesmo conduzir, em casos mais graves a falha hepática fulminante. Nas quinolonas, a trovafloxacina tem maior potencial hepatotóxico. A telitromicina, um macrólido de nova geração, é o mais preocupante dentro dos macrólidos, devido ao número de casos descritos num curto período de tempo. Nos fármacos para o tratamento da tuberculose, os efeitos adversos variam desde aumentos assintomáticos das enzimas hepáticas a hepatite aguda ou falha hepática fulminante. Relativamente à nefrotoxicidade, os aminoglicosídeos podem causar necrose tubular aguda, uma vez que têm capacidade para interagir com muitos alvos intracelulares. A vancomicina, que é quase exclusivamente eliminada por via renal, também tem a capacidade de causar necrose das células do túbulo renal proximal. Das cefalosporinas, a cefaloridina e a cefaloglicina são as únicas capazes de causar danos renais quando administradas em doses terapêuticas. Também existem alguns casos de toxicidade renal com as polimixinas B e E, observando-se necrose tubular aguda e nefrite intersticial aguda. Nas penicilinas, a meticilina é a mais tóxica causando nefrite intersticial aguda. Por fim, nos carbapenemos, o imipenem e o panipenem apenas são comercializados em combinação com agentes nefroprotectores, uma vez que são hidrolisados a nível renal originando metabolitos tóxicos.
Palavras-chave: nefrotoxicidade, hepatotoxicidade, efeitos secundários dos antibióticos, hepatite induzida por fármacos, citocromo P450, aminoglicosídeos, doença renal provocada por fármacos.
Abstract
Antibiotics are etiotropic drugs without pharmacologic action in human eucaryotic cells, and so their targets are specific sites of prokaryote cell. However, in spite of this specific action, antibiotics can exhibit toxic effects in human cells, but this potential risk is low considering count their high number of prescriptions. Thus, in hepatic level the lesion induced by penicillins (ampicillin, benzylpenicillin, phenoxymethylpenicillin and amoxicillin) is rare, but in the case of flucloxacillin and the association of amoxicillin with clavulanic acid there is an increase of this incidence. Cephalosporins rarely cause hepatotoxic reactions, and thus the must related effect is cholestasis. Administration of high doses of tetracyclines via intravenous route can cause microvesicular steatosis and elevation of hepatic enzymes, and can even lead, in more severe cases, to fulminant liver failure. In quinolones, trovafloxacin has more potential to induce hepatotoxic effects. Telithromycin, a macrolide of second generation, is the most worring of all macrolides, due to the number of cases related in a short time. In drugs for tuberculosis treatment, the adverse effects vary from assintomatic hepatic enzymes elevation to acute hepatitis or fulminant liver failure. In the case of nephrotoxicity, aminoglycosides can cause tubular acute necrosis, because they have the capacity to interact with many intracellular targets. Vancomycin, which is almost exclusively eliminated by the kidneys, also has the capacity to cause necrosis of proximal renal tubule cells. In all cephalosporins, cephaloridine and cephaloglycine are the ones capable of causing renal damage when administered in therapeutic doses. There are some cases of renal toxicity with polymyxins B and E, noting acute tubular necrosis and acute interstitial nephritis. In penicillins, methicillin is the most toxic drug causing acute interstitial nephritis. Lastly, in carbapenems the imipenem and panipenem are only marketed in combination with nephroprotectors agents, because they are hydrolyzed in kidneys originating toxic metabolites.
Keywords: nephrotoxicity, hepatotoxicity, antiobiotics side effects, drug-induced liver injury, cytochrome P450, aminoglycosides, drug-induced kidney disease.
Dedicatórias
Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado com o seu amor e carinho, e sempre me ajudaram a superar os obstáculos. Dedico-o também ao meu irmão que com a sua amizade e carinho me ajudou a vencer os medos e ansiedades ao longo de todo o meu percurso académico.
Agradecimentos
Agradeço ao Professor João Carlos Sousa por toda a sua disponibilidade, empenho, incentivo, apoio permanente e partilha de ideias ao longo destes meses de trabalho.
Aos meus colegas de trabalho pela disponibilidade, incentivo, motivação e apoio dado ao longo destes quatro anos de estudo na Universidade Fernando Pessoa o meu muito obrigado.
Por último, agradeço aos meus colegas e amigos do curso pelo companheirismo, pelos momentos de partilha, de alegria e de estudo que passamos juntos e que jamais serão esquecidos.
Índice geral
Resumo i
Abstract ii
Índice de figuras vii
Índice de tabelas viii
Lista de abreviaturas ix
– Introdução 1
– Hepatotoxicidade 6
– Mecanismos de lesão hepática 6
– Toxicidade mitocondrial 7
– Mecanismo de Lesão Hepática Induzida por Fármacos colestática 8
– Participação de outras células hepáticas e mecanismos imunes de Lesão Hepática Induzida por Fármacos 9
– Características da hepatotoxicidade induzida por antibióticos 11
– Penicilinas 11
– Cefalosporinas 12
– Tetraciclinas 13
– Quinolonas 14
– Sulfonamidas 16
– Macrólidos 17
– Fármacos antituberculosos 19
– Nitrofurantoína 25– Linezolide 25
– Ácido fusídico 26
– Daptomicina 26
– Nefrotoxicidade 27
– Diagnóstico da nefrotoxicidade 27
– Mecanismos patofisiológicos 29
– Toxicidade direta das células tubulares 29
– Toxicidade renal imunologicamente mediada 29
– Vasoconstrição renal 30
– Alteração da perfusão intraglomerular renal 30
– Acumulação de cristais 30
– Alteração de fluidos e eletrólitos 31
- Patologias renais causadas pela administração de fármacos 31
– Características da nefrotoxicidade induzida por antibióticos 32
– Aminoglicosideos 32
– Glicopeptídeos 41
– Polimixinas 43
– Cefalosporinas 45
– Penicilinas 46
– Carbapenemos 47
– Macrólidos 48
– Sulfonamidas 48
– Quinolonas 49
– Considerações finais 50
– Referências bibliográficas 52
Índice de figuras
Fig. 1 – Organização celular das células eucarióticas 2
Fig. 2 – Organização celular de uma célula procariótica 3
Fig. 3 – Função dos transportadores hepatobiliares 9
Fig. 4 – Papel da resposta imune na patogénese da lesão hepática induzida por fármacos
Fig. 5 - Relação entre o metabolismo e toxicidade do sulfametoxazol 17
Fig. 6 – Metabolismo da isoniazida 21
Fig. 7 – Regulação dos genes do metabolismo de fase I e II e dos transportadores de fármacos pelo PXR 23
Fig. 8 – Mecanismos e vias de sinalização celular subjacente ao efeito citotóxico da gentamicina 34
Fig. 9 - Efeitos glomerulares da gentamicina 37
Fig. 10 – Efeitos vasculares da gentamicina 39
Índice de tabelas
Tabela I – Principais grupos de antibióticos usados na terapêutica 4
Tabela II – Classificação laboratorial das lesões hepáticas 7
Lista de abreviaturas
ALT – Alanina-transferase
APC – Células apresentadoras de antigénios AST – aspartato aminotransferase
ATP – Adenosina trifosfato
BSEP – Proteínas de efluxo de sais biliares CYP – Citocromo
DNA – Ácido desoxirribonucleico
HIV – Vírus da imunodeficiência humana IL – Interleucina
LHIF – Lesão hepática induzida por fármacos
MHC – Complexo principal de histocompatibilidade OAT – Transportador de aniões orgânico
PXR – Recetor pregnane X RXR – Recetor retinóide X TNF – Fator de necrose tumoral
– Introdução
A era da antibioterapia começa com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928 (Sousa, 2005). Contudo, o termo antibiótico apenas surge em 1942, tendo sido criado por Waksman (Sousa, 2005).
Mais tarde surgem muitas outras moléculas de antibióticos, como a estreptomicina (1944), bacitracina (1945), cloranfenicol e polimixina (1947), tetraciclina (1953) e muitos mais que hoje constituem um grande e importante portfólio de moléculas úteis na terapêutica antibacteriana (Sousa, 2005).
Porém, tendo em conta que as bactérias são células procarióticas, os fármacos antibacterianos devem precisamente explorar as diferenças bioquímicas entre as células procarióticas e as células humanas, que são eucarióticas (Sousa, 2005). E de facto, estas células são muito diferentes entre si. Assim, as células eucarióticas animais são células maiores e mais complexas, não possuem parede celular, mas têm uma membrana celular constituída por fosfolípidos, proteínas e esteróis (colesterol) (fig. 1) (Sousa et al, 1998). O núcleo, onde se encontra o património genético é delimitado por um sistema membranar (o invólucro nuclear), que é constituído por duas membranas, que têm poros que permitem o fluxo entre o nucleoplasma e o citoplasma celular (Sousa et al, 1998). No seu citoplasma existem vários organelos essenciais para o bom funcionamento celular, como por exemplo, mitocôndrias, complexo de Golgi, retículo endoplasmático, lisossomas (Sousa, 2005). Além disso, possuem um citosqueleto, que são redes filamentosas que servem para apoiar a célula estruturalmente e também desempenham funções no movimento de vários organelos e da própria célula (Sousa et al, 1998). Os ribossomas das células eucarióticas são do tipo 90S (50S+70S), exceto os ribossomas mitocondriais que são 70S (30S+50S) (Sousa et al, 1998).
Fig. 1 – Organização celular das células eucarióticas (imagem cedida pelo Professor João Carlos Sousa).
Por seu turno, as células procarióticas têm uma organização celular muito simples (fig. 2) (Sousa et al, 1998). Ao contrário das células eucarióticas animais, as células procarióticas têm uma parede celular rígida que além de ser responsável pela morfologia também é responsável pelo duplo comportamento das bactérias em relação à coloração de Gram (Sousa et al, 1998). O nucleoide bacteriano contém um único cromossoma, sem membrana nuclear e está em contacto íntimo com o citoplasma e também possui DNA extracromossómico em plasmídeos (Sousa, 2005). Relativamente à constituição dos ribossomas, estes são constituídos por duas subunidades, 30S e 50S, sendo, portanto, do tipo 70S. Por fim, o citoplasma dos organismos procarióticos não apresenta organelos (Sousa et al, 1998).
Fig. 2 – Organização celular de uma célula procariótica (imagem cedida pelo Professor João Carlos Sousa).
Assim, os diferentes antibacterianos exploram as diferenças entre a célula bacteriana e as células humanas, e como tal, cada grupo tem um alvo específico na célula bacteriana de modo a exercer os seus efeitos de antibiose (Sousa, 2005). E tendo em conta os seus mecanismos de ação os antibióticos podem ser classificados em: antibióticos antiparietais (inibem a síntese do peptidoglicano), antibióticos antimembranares (afetam a permeabilidade celular), antibióticos inibidores da síntese proteica, antibióticos inibidores da síntese dos ácidos nucleicos, antibióticos antimetabolitos, nitrofuranos e antituberculosos e antilepra (tabela II) (Sousa, 2005). Isto significa, então, que os antibacterianos têm um tropismo para a célula bacteriana e não têm praticamente efeitos deletérios para o Homem quando administrados em doses terapêuticas (Sousa, 2005).
Tabela I – Principais grupos de antibióticos usados na terapêutica (Sousa, 2005).
Grupos de antibióticos Antibióticos
Fosfomicina, D-cicloserina, Bacitracina,
Antibióticos antiparietais
Antibióticos antimembranares
Antibióticos inibidores da síntese proteica
Antibióticos inibidores da síntese dos ácidos nucleicos
vancomicina, teicoplanina, β-lactâmicos Polimixinas, tirotricina, gramicidina, daptomicina
Aminoglicosídeos-aminociclitóis, espectinomicina, tetraciclinas, glicilciclinas, cloranfenicol, macrólidos, lincosamidas, estreptograminas, mupirocina, ácido fusídico, oxazolidonas, cetólidos, evernimicina
Rifampicina, metronidazol, quinolonas
Antibióticos antimetabolitos Sulfonamidas, trimetoprim, PAS
Nitrofuranos Nitrofurantoína
Antituberculosos e antilepra (exceto rifampicina, estreptomicina, D-cicloserina, PAS, sulfonamidas e quinolonas)
Isoniazida, pirazinamida, etambutol, etionamida, tiacetazona, capreomicina, viomicina, dapsone, clofazimina
Os antibióticos são, portanto, fármacos etiotrópicos, uma vez que apenas se destinam a impedir o crescimento ou mesmo provocar a morte do microrganismo infetante (Sousa, 2005). Portanto, não têm como função influenciar qualquer atividade biológica no organismo humano e as suas ações organotrópicas são consideradas efeitos adversos (Sousa, 2005).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, um efeito adverso de um medicamento é “qualquer resposta prejudicial e indesejada a um medicamento que ocorre com doses habitualmente usadas na prevenção, diagnóstico ou tratamento ou para modificação de funções fisiológicas” (Infarmed, 2008).
Os efeitos adversos desta classe de fármacos, embora sejam raros, podem envolver um ou mais sistemas de órgãos, podendo, assim, surgir efeitos:
hematológicos (leucopenia, trombocitopenia, anemia, hemorragia, etc.);
de hipersensibilidade (febre, rash, reações anafiláticas, reações de fotossensibilidade, lúpus eritematoso sistémico induzido por fármacos, etc.);
neurológicos (encefalopatia, convulsões, neuropatia periférica, bloqueio neuromuscular, tremores musculares e mialgias, cegueira, ototoxicidade);
pulmonares (reações pulmonares agudas e crónicas);
cardíacos (intervalo QT prolongado, hipotensão, etc.);
gastrointestinais (náuseas, vómitos, diarreia, pancreatite aguda, etc.);
hepáticos (hepatite induzida por fármacos, colestase, necrose hepática);
renais (necrose, nefrite, falha renal, etc);
metabólicos (acidose láctica, disfunção gonadal e adrenal, ginecomastia, etc.);
ósseos (artropatia) (Cunha, 2001).
Apesar de qualquer antibiótico ser capaz de causar efeitos secundários existem determinados fármacos dentro de cada classe de antibióticos que causam mais determinados efeitos do que outros (Cunha, 2001). Portanto, os profissionais de saúde devem estar familiarizados com os efeitos secundários destes medicamentos, tendo em conta o vasto número de antibióticos que atualmente se encontram comercializados, a sua eficácia contra uma variedade de microrganismos e o perfil de segurança, no momento de seleção do fármaco (Cunha, 2001).
Assim sendo, com o objetivo de compreender e aprofundar conhecimentos acerca dos efeitos secundários a nível hepático e renal dos antibióticos, bem como conhecer os mecanismos de toxicidade destes e os fatores de risco que podem desencadear o aparecimento de uma resposta tóxica, procedeu-se à elaboração de um trabalho escrito de revisão bibliográfica, no âmbito da disciplina de Projeto, do 5º ano do curso de Mestrado integrado de Ciências Farmacêuticas.
Para tal, procedeu-se à pesquisa de bibliografia, relacionada com este tema, já publicada em livros da especialidade e em bases de dados científicas como o Pubmed e o Science Direct. Nestes pesquisaram-se tanto os artigos de revisão, como de trabalhos de investigação e de casos de reações adversas reportadas, através das palavras-chave anteriormente referidas. A pesquisa foi limitada entre o período de 1994 e 2012, na qual se encontraram cerca de 55 artigos científicos relevantes e que foram usados na redação deste trabalho.
– Hepatotoxicidade
O fígado pode ser considerado como o órgão mais importante na toxicidade por fármacos devido ao facto de estar funcionalmente localizado entre o local de absorção e a circulação sistémica, sendo o principal local de metabolismo e eliminação de substâncias estranhas, tornando-o, assim, num alvo preferencial para a toxicidade induzida por fármacos (Russman et al, 2009).
A toxicidade hepática induzida por fármacos representa um dos grandes desafios tanto para a indústria farmacêutica como para as autoridades regulamentares, sendo uma das principais causas para o fim dos estudos nas fases pré-clínicas e clínicas da substância em causa e também é o efeito adverso mais comum que leva à desaprovação para a sua entrada no mercado (Russman et al, 2009). No entanto, também existem casos em que a potencial hepatotoxicidade dos fármacos só é conhecida após a sua comercialização, levando a que sejam retirados do mercado e a requerem muitas vezes a alteração do folheto informativo (Russman et al, 2009).
A lesão hepática induzida por antibióticos é pouco frequente, tendo em conta que são fármacos bastante prescritos (Robles et al, 2010). As reações adversas podem variar entre 1 a 10 reações por cada 100 000 prescrições, e geralmente, podem ser resolvidas com a suspensão do tratamento (Robles et al, 2010).
– Mecanismos de lesão hepática
A lesão hepática induzida por fármacos (LHIF) é comummente classificada em hepatotoxicidade intrínseca e em idiossincrática, e esta última em alérgica e não alérgica (Russman et al, 2009, Matos e Martins, 2005). A hepatotoxicidade intrínseca é considerada dependente da dose e previsível acima de um limite de uma dose; já a hepatotoxicidade idiossincrática ocorre sem a evidência da dependência da dose e de forma imprevisível (Russman et al, 2009; Matos e Martins, 2005). Por seu turno, a hepatotoxicidade idiossincrática alérgica é caracterizada pela presença de sinais e
sintomas típicos de uma reação imune, como a febre, reações cutâneas, eosinofilia e formação de autoanticorpos (Russman et al, 2009; Matos e Martins, 2005).
A nível laboratorial pode-se caracterizar a lesão hepática em citolítica ou hepatocelular, colestática e mista, dependendo dos valores de alanina-transferase (ALT), fosfatase-alcalina e da relação entre eles (ALT/fosfatase alcalina) (tabela II) (Russman et al, 2009; Matos e Martins, 2005; Lanagrán et al, 2011).
Tabela II – Classificação laboratorial das lesões hepáticas (Russman et al, 2009; Matos e Martins, 2005; Lanagrán et al, 2011).
Classificação da lesão hepática Citolítica ou
hepatocelular
ALT Fosfatase-alcalina ALT/Fosfatase
Alcalina
> 2xLSN Normal T (> 5)
Colestática Normal > 2x LSN † (< 2) Mista > 2x LSN > 2x LSN 2-5
(LSN - limite superior ao normal)
– Toxicidade mitocondrial
A toxicidade mitocondrial é das hipóteses que explica a lesão hepática induzida por fármacos. Os fármacos ou os metabolitos recativos podem atuar em diferentes etapas do metabolismo mitocondrial, nomeadamente:
inibindo a cadeia respiratória mitocondrial reduzindo a fosforilação oxidativa, e causando a depleção de ATP intracelular e um aumento das concentrações de espécies reativas de oxigénio, que, posteriormente podem causar a morte celular;
podem inibir a β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos levando à esteatose;
danificar o DNA mitocondrial ou interferir com a sua replicação;
ou podem ainda causar danos no poro de transição de permeabilidade mitocondrial, cuja abertura pode facilitar a libertação do citocromo C e de outros de agentes pró-apoptóticos (Russman et al, 2009; Fontana et al, 2011).
Os pacientes com toxicidade mitocondrial induzida por fármacos podem apresentar sintomas como náuseas, perda de peso e fadiga (Fontana et al, 2011). No que respeita às análises laboratoriais, estas demonstram frequentemente a presença de
hipoglicemia, hiperamonemia, acidose láctica e apenas os níveis de ALT se encontram ligeiramente elevados (Fontana et al, 2011).
– Mecanismo de Lesão Hepática Induzida por Fármacos colestática
A colestase induzida por fármacos é caracterizada por um fluxo biliar comprometido, o que conduz à retenção hepática dos ácidos biliares (Fontana et al, 2011). Os efeitos citotóxicos dos ácidos biliares podem induzir danos hepáticos agudos e crónicos resultando em fibrose biliar e cirrose (Fontana et al, 2011). A colestase induzida por fármacos pode-se manifestar por icterícia, prurido e elevados níveis de fosfatase alcalina; a fosfatase alcalina, que remove grupos fosfato, leva à redução da concentração de ATP e uma diminuição prolongada nos níveis de ATP nos colangiócitos pode levar à ductopenia progressiva ou à síndrome de desaparecimento do ducto biliar, que ocorre em menos de 1% dos pacientes com colestase induzida por fármacos (Fontana et al, 2011).
Este tipo de colestase pode resultar dos danos nos colangióticos causados pela excreção biliar de metabolitos tóxicos ou da inibição da captação, mediada por fármacos, da bilirrubina hepatobiliar ou dos ácidos biliares e inibição dos sistemas de efluxo (Fontana et al, 2011). A maioria dos fármacos que causam colestase são substratos para muitos polipeptídeos pertencentes à superfamília de transportadores ABC (ATP-binding cassette) que existem na superfície canalicular dos hepatócitos (fig.
3) (Fontana et al, 2011).
Fig. 3 – Função dos transportadores hepatobiliares. Os ácidos biliares monovalentes são excretados para a bílis pela BESP canalicular; MRP2 está envolvida na excreção de vários aniões orgânicos como a bilirrubina e ácidos biliares divalentes; a MDR3 excreta fosfatidilcolina para os canalículos biliares; os fármacos catiónicos são excretados pela MDR1 (Fontana et al, 2011).
Alguns fármacos, como a rifampicina, inibem direta ou indiretamente as proteínas de efluxo de sais biliares (BSEP ou ABC11) (Fontana et al, 2011). A proteína MRP2 (Multidrug resistance associated protein 2, também conhecida por ABCC2) e a MDR3 (Multidrug resistance protein 3 ou ABCB4) desempenham um papel importante na excreção ductal de alguns metabolitos de fármacos (Fontana et al, 2011). Variações nos genes que codificam estas proteínas transportadoras podem não só levar ao desenvolvimento notoriamente progressivo de doença hepática, mas também tornar alguns indivíduos suscetíveis à diminuição do transporte mediado por fármacos, assim como doença hepática progressiva (Fontana et al, 2011).
– Participação de outras células hepáticas e mecanismos imunes de Lesão Hepática Induzida por Fármacos
Os hepatócitos danificados podem ativar as células de Kupffer através da libertação de produtos de peroxidação lipídica, intermediários reativos de oxigénio e IL8; uma vez ativadas, as células de Kupffer libertam citocinas como TNF, IL1, IL8 além de intermediários reativos de oxigénio, os quais podem danificar diretamente os hepatócitos e ativar tanto as células de Ito, responsáveis por desencadear a fibrose
hepática, como as células endoteliais dos vasos sanguíneos, que promovem o recrutamento e ativação de polimorfonucleares (Matos e Martins, 2005).
Um outro mecanismo de resposta à lesão celular é a ativação de mecanismos imunes, que pode resultar da formação de um metabolito tóxico, que por sua vez pode estabelecer ligações covalentes com estruturas celulares, formando uma estrutura designada por hapteno, que é apresentado pelos macrófagos aos linfócitos, isto é, os fármacos ou os seus metabolitos podem funcionar como haptenos e ligarem-se covalentemente a proteínas hepáticas, como as enzimas do citocromo P450, formando aductos de fármaco-proteína, os quais podem desencadear uma resposta imune (Matos e Martins, 2005; Fontana et al, 2011). As células apresentadoras de antigénios (APC, Antigen Presenting Cell) podem fagocitar os complexos fármaco-proteína e apresentar os fragmentos de fármaco ou péptidos-fármaco às células T helper via moléculas MHC (Complexo principal de histocompatibilidade) classe II (Fontana et al, 2011). Diferenças nos genótipos dos antigénios dos leucócitos humanos podem conduzir à variação nos pontos de ligação dos péptidos de MHC, que pode resultar tanto na falta de ativação das células T e na tolerância eficaz (fig. 4a) ou na ativação forte das células T que resulta em danos dos hepatócitos e consequente apoptose mediada através do Fas ligando (fig. 4b) (Fontana et al, 2011).
Fig. 4 – Papel da resposta imune na patogénese da lesão hepática induzida por fármacos (APC – células apresentadoras de antigénios; LHIF – lesão hepática induzida por fármacos, MHC – Complexo principal de histocompatibilidade) (Fontana et al, 2011).
– Características da hepatotoxicidade induzida por antibióticos
– Penicilinas
A lesão hepática induzida por ampicilina, benzilpenicilina e fenoximetilpenicilina é rara; e, a amoxicilina apresenta pouco potencial hepatotóxico quando administrada isoladamente (Andrade e Tulkens, 2011).
A hepatotoxicidade associada às penicilinas é sobretudo hepatocelular, embora também já tenham sido descritos casos de colestase com ductopenia (Andrade e Tulkens, 2011). A fenoximetilpenicilina tem sido associada a um aumento da atividade da fosfatase alcalina sérica e ligeira colestase, assim como hepatite aguda com elevados níveis de ALT (Andrade e Tulkens, 2011; Robles et al, 2010). Já foram relatados raros casos de colestase severa e prolongada com a benzilpenicilina e com a ampicilina em combinação com o inibidor das β-lactamases sulfabactam, a qual demorou alguns meses de recuperação (Andrade e Tulkens, 2011). A hepatite colestática é mais frequente na oxacilina, cloxacilina, dicloxacilina e flucloxacilina (Thiim e Friedman, 2003).
Porém, a flucloxacilina é a oxipenicilina com um maior potencial de causar hepatotoxicidade, tendo sido estimada uma incidência de 1 caso de hepatotoxicidade por 10 000-15 000 prescrições (Robles et al, 2008). Contudo, o mecanismo pelo qual a flucloxacilina produz lesão hepática ainda não é conhecido, mas pensa-se que poderá estar relacionado com fatores genéticos (Robles et al, 2010; Lanagran et al, 2011). A idade superior a 55 anos e períodos de tratamento superiores a 14 dias têm sido indicados como fatores de risco (Robles et al, 2010; Lanagran et al, 2011).
Em relação à cloxacilina, as reações hepáticas são menos comuns do que com a flucloxacilina (Robles et al, 2010). O mecanismo de dano hepático deste antibiótico poderá ser idiossincrático e imunoalérgico, uma vez que o dano hepático tem rápida recorrência após reexposição inadvertida, além de que o plasma e os tecidos apresentam eosinofilia, há variabilidade no período de latência e os danos são independentes da dose administrada (Robles et al, 2010). Além disso, a cloxacilina tem mostrado capacidade para inibir o transportador de ácidos biliares dependente de ATP, e, portanto, estes dados apontam para uma possível relação entre os transportadores
canaliculares dos ácidos biliares (BSEP ou ABCB11) na colestase associada à hepatite (Robles et al, 2010).
A amoxicilina quando administrada isoladamente tem baixo risco de provocar danos hepáticos, tendo-se estimado cerca de 10 reações hepáticas por cada 100 000 prescrições (Thiim e Friedman, 2003). As reações severas notificadas foram a colestase e falha hepática aguda (Andrade e Tulkens, 2011). Contudo, a associação de ácido clavulânico com a amoxicilina aumenta o risco de hepatotoxicidade (Andrade e Tulkens, 2011; Cundiff e Joe, 2007). Estima-se que esta associação é responsável por cerca de 13-23% dos casos de LHIF (Andrade e Tulkens, 2011).
A hepatotoxicidade relacionada com a associação de amoxicilina com ácido clavulânico é geralmente caracterizada por danos colestáticos retardados ou uma mistura de danos colestáticos e hepatocelulares (Andrade e Tulkens, 2011; Cundiff e Joe, 2007). O mecanismo de lesão hepática desta associação ainda não está bem esclarecido, mas o ácido clavulânico parece ser o antibiótico responsável pelos danos hepáticos (Robles et al, 2010). Alguns estudos identificaram uma associação significativa do haplotipo classe II HLA DRB1*1501-DRB0101*0602 com a suscetibilidade de hepatotoxicidade associada à amoxicilina-ácido clavulânico (Robles et al, 2010). Além disso, também se verificou que pacientes com idade superior a 65 anos e do género feminino têm maior predisposição para a icterícia causada pela associação destes dois antibióticos (Robles et al, 2010).
– Cefalosporinas
As cefalosporinas raramente causam reações hepatotóxicas, no entanto, o efeito mais relatado é a colestase, cujos sintomas se manifestam poucos dias após o início do tratamento (Andrade e Tulkens, 2011). Para a maioria das cefalosporinas, o mecanismo de toxicidade ainda não está bem esclarecido, mas parece ser uma reação de hipersensibilidade semelhante à induzida pelas penicilinas (Andrade e Tulkens, 2011; Robles et al, 2010).
Contudo, a ceftriaxona, uma cefalosporina de 3ª geração, tem um mecanismo diferente, uma vez que é excretada pela bílis como anião divalente e pode precipitar-se como sal de cálcio na vesícula biliar produzindo microlitíase ou “areias biliares”
(Andrade e Tulkens, 2011; Robles et al, 2010; Ko et al, 1999). Este precipitado é composto principalmente por complexos de cálcio-ceftriaxona, com pequenas quantidades de cristais de colesterol e grânulos de bilirrubina (Ko et al, 1999). Os cálculos de ceftriaxona formam-se aproximadamente após os 9 dias de tratamento, mas na maioria dos casos são resolvidos com a descontinuação deste e a colecistectomia não é necessária (Thiim e Friedman, 2003; Ko et al, 1999). O precipitado de ceftriaxona pode ser diagnosticado por ultrassonografia e, embora raramente, pode causar cálculos, cólicas biliares e colecistite aguda (Thiim e Friedman, 2003). Os fatores de risco para o desenvolvimento destes complexos incluem grandes dosagens de ceftriaxona e idades muito jovens (Ko et al, 1999).
– Tetraciclinas
A clorotetraciclina foi introduzida em 1948 e a tetraciclina, antibiótico semissintético produzido a partir da clorotetraciclina, foi introduzida a 1952 (Andrade e Tulkens, 2011; Thiim e Friedman, 2003).
O primeiro caso de hepatotoxicidade da tetraciclina foi relatado há cerca de 50 anos e estava relacionado com a administração intravenosa de uma grande dose de tetraciclina (Andrade e Tulkens, 2011; Thiim e Friedman, 2003). A administração de baixas doses de tetraciclina por via oral raramente causa danos hepáticos (cerca de 1,5 casos por cada 100 000 prescrições) (Andrade e Tulkens, 2011). Porém, por via intravenosa pode causar esteatose microvesicular, com pouca ou nenhuma necrose, na biópsia hepática; com a administração de doses elevadas (> 2g/dia) por via oral ou IV podem ocorrer náuseas, vómitos, dores abdominais, icterícia, níveis elevados de aspartato aminotransferase (AST) e amilase plasmática e, em casos mais graves, falha hepática fulminante, insuficiência renal, hipoglicemia, acidose láctica e pancreatite (Robles et al, 2010). Pensa-se que a esteatose microvesicular seja causada pela administração de altas concentrações de tetraciclina, que inibe a β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos (Thiim e Friedman, 2003).
A gravidez, o tratamento do cancro da próstata com estrogénios e a insuficiência renal parecem aumentar a suscetibilidade para a hepatotoxicidade associada à tetraciclina (Thiim e Friedman, 2003).
Os derivados semissintéticos das tetraciclinas (ex.: doxiciclina e minociclina) usados no tratamento do acne, também têm demonstrado alguns efeitos hepáticos (Robles et al, 2010). Relativamente à doxiciclina, foram descritos danos hepáticos colestáticos, que em raros casos pode ser grave (Robles et al, 2010). Já a minociclina, tal como a tetraciclina, pode produzir esteatose microvesicular e hepatite (Thiim e Friedman, 2003). A hepatite induzida pela minociclina tem sido associada com o aparecimento de anticorpos antinucleares, níveis de gama-globulina elevados e resultados morfológicos idênticos aos da hepatite autoimune, fadiga e rash (Thiim e Friedman, 2003; Robles et al, 2010). Este quadro caracteriza-se por um longo período da latência (em média 365 dias para mulheres e 730 dias para homens) (Robles et al, 2010). O prognóstico é variável e pode ser grave, existindo casos de transplante hepático e casos de morte devido a lúpus eritematoso sistémico ou devido a falha hepática (Robles et al, 2010). Contudo, muitos pacientes que manifestam os sintomas têm sido tratados durante meses ou até mesmo anos, e na maioria dos casos são resolvidos com a suspensão do antibiótico (Thiim e Friedman, 2003). Com base nos dados atuais da minociclina, é recomendado a monitorização dos marcadores hepáticos e autoimunes para pacientes com tratamentos prolongados (Thiim e Friedman, 2003).
– Quinolonas
As quinolonas são extensivamente usadas no tratamento de infeções causadas por organismos gram-positivos e gram-negativos (Thiim e Friedman, 2003). As quinolonas são antibióticos que atingem elevadas concentrações na bílis e por isso, são frequentemente usadas no tratamento de colangites e colecistites, e também para tratar e prevenir peritonite bacteriana (Andrade e Tulkens, 2011; Thiim e Friedman, 2003). Relativamente a esta classe de antibióticos, existem poucos casos de hepatotoxicidade significativa, mesmo quando usados em pacientes com doença hepática avançada (Thiim e Friedman, 2003; Andrade e Tulkens, 2011).
No que respeita à ciprofloxacina, a incidência de hepatotoxicidade é considerada muito baixa; no entanto, já foram documentados 2 casos de falha hepática aguda em pacientes idosos do sexo masculino, assim como, já foram descritos alguns casos de danos hepatocelulares e hepatite colestática com ou sem ductopenia (Andrade e Tulkens, 2011).
A levofloxacina também tem uma baixa incidência de reações adversas a nível hepático; nos ensaios clínicos a função hepática anormal ocorreu em menos de 1% dos pacientes (Andrade e Tulkens, 2011). No entanto, após a sua entrada no mercado revelou danos hepáticos como hepatite, necrose e falha hepática em cerca de 1 caso por 5 milhões de prescrições (Andrade e Tulkens, 2011).
Relativamente à moxifloxacina, as revisões dos ensaios clínicos e os estudos de vigilância após a entrada no mercado revelam uma incidência mínima de danos hepáticos, se bem que os testes de função hepática podem ser anormais em cerca de 1- 5% dos pacientes (Andrade e Tulkens, 2011). Os danos provocados por este antibiótico são geralmente mais colestáticos ou um misto de colestático e hepatocelular do que hepatocelulares (Andrade e Tulkens, 2011). Os sintomas desenvolvem-se dentro de 3- 10 dias após o início do tratamento, muito embora também já tenham sido observados casos de reações retardadas que se iniciam 30 dias após o término do tratamento (Andrade e Tulkens, 2011). Já foi igualmente descrito um caso de falha hepática fulminante e fatal (Andrade e Tulkens, 2011).
A trovafloxacina é uma fluoroquinolona com uma grande atividade in vitro contra organismos gram-positivos e gram-negativos, patogéneos atípicos e anaeróbios (Bertino e Fish, 2000; Shaw et al, 2010). Antes da sua aprovação em 1997, nos ensaios clínicos efetuados em 7 000 pacientes não se encontrou nenhum caso de falha hepática ou morte de etiologia hepática associada ao tratamento com trovafloxacina (Bertino e Fish, 2000). Porém, foi estimado que mais de 2 500 000 pacientes tenham sido tratados com trovafloxacina desde que foi introduzida no mercado, e destes foram documentados cerca de 150 casos de toxicidade hepática clinicamente sintomática, incluindo cerca de 14 casos de falha hepática aguda (Bertino e Fish, 2000). Quatro pacientes necessitaram de transplantes de fígado e outros 5 faleceram devido a doença hepática (Bertino e Fish, 2000). Verificou-se que o uso de trovafloxacina por períodos superiores a 14 dias parece aumentar o risco de falha hepática aguda; porém, a falha hepática relacionada com este antibiótico é imprevisível e já foi documentada com tratamentos de curto prazo (2 dias) (Bertino e Fish, 2000; Shaw et al, 2010). Nos ensaios clínicos, a trovafloxacina aumentou os níveis das enzimas hepáticas, originou degeneração centrilobular e hepatocelular, e necrose (Stahlmann, 2002; Shaw et al, 2010). Contudo, os efeitos observados foram reversíveis (Stahlmann, 2002; Shaw et al, 2010).
– Sulfonamidas
A hepatotoxicidade das sulfonamidas encontra-se muito bem documentada; esta classe de antibióticos inclui o sulfametoxazol, sulfassalazina, sulfametizol e sulfametoxipiridazina, assim como as associações trimetoprim com sulfametoxazol e pirimetamina com sulfadoxina (Andrade e Tulkens, 2011).
A sulfassalazina é o antibiótico mais hepatotóxico desta classe, com uma incidência de 1 caso para 1 000 doentes (Andrade e Tulkens, 2011). A maioria dos casos de hepatotoxicidade induzidos por sulfonamidas são moderados e os pacientes geralmente recuperam dentro de poucas semanas após a descontinuação do tratamento, mas têm sido descritos casos severos incluindo falha hepática fulminante com a associação de trimetoprim com sulfametoxazol (Andrade e Tulkens, 2011).
As sulfonamidas induzem mais frequentemente danos colestáticos ou mistos (hepatocelular e colestático), tendo também sido descritos casos de necrose e hepatite granulomatosa (Thiim e Friedman, 2003). Existem ainda 2 casos de colestase prolongada com ductopenia e síndrome de desaparecimento do ducto biliar (Thiim e Friedman, 2003; Robles et al, 2010).
O mecanismo de dano hepático pelas sulfonamidas parece ser imuno-alérgico, com um quadro clínico com rash, febre e eosinofilia (Robles et al, 2010). Pensa-se que a toxicidade idiossincrática pode estar relacionada com a acetilação lenta em alguns pacientes, prevenindo a sua eliminação normal e permitindo a entrada para outras vias catabólicas relacionadas com toxicidade (Andrade e Tulkens, 2011).
Segundo Rouveix, o mecanismo de intolerância ao cotrimoxazol (trimetoprim com sulfametoxazol) parece envolver os linfócitos T CD8 e o metabolito reativo do sulfametoxazol (Rouveix, 2003). Este metabolito reativo do sulfametoxazol (principalmente hidroxalaminas) é produzido em grandes quantidades pelos pacientes infetados com VIH cujo perfil de acetilação é lento, desviando, assim, a acetilação para a via metabólica dependente do citocromo P450 e da mieloperoxidase (Rouveix, 2003). Se a destoxificação do metabolito derivado desta via estiver comprometida (défice da glutationa-S-transferase) há um risco de toxicidade (fig. 5) (Rouveix, 2003).
Fig. 5 - Relação entre o metabolismo e toxicidade do sulfametoxazol (Rouveix, 2003).
Assim sendo, estes antibióticos não devem ser administrados a pacientes com fatores de predisposição como, por exemplo, baixos valores de glutationa, que pode ser útil para a destoxificação, ou elevados níveis da isoenzima P450 2C9 (Rouveix, 2003).
– Macrólidos
Esta classe de antibióticos inclui várias moléculas, entre as quais, a eritromicina, claritromicina, azitromicina e telitromicina, que apresentam baixa incidência de efeitos hepatotóxicos; foi estimado uma taxa de 3,6 casos de hepatotoxicidade por 100 000 prescrições (Leitner et al, 2010).
A eritromicina foi descoberta em 1952 numa amostra de solo das Filipinas que continha uma estirpe do bacilo Streptomyces erythreus; ao longo do tempo foram formuladas vários ésteres derivados para melhorar a estabilidade ou facilitar a sua absorção intestinal (Thiim e Friedman, 2003). Após poucos anos da sua introdução, foram relatados alguns casos de hepatotoxicidade, inicialmente só para o estolato de eritomicina, mas depois também surgiram casos para o etilsuccinato, propionato e
estearato de eritromicina, e, como tal, parece não ter relação com a formulação farmacêutica (Thiim e Friedman, 2003; Matos e Martins, 2005). Geralmente a hepatotoxicidade induzida pela eritromicina apresenta um padrão colestático, mas na maioria dos casos também evidenciaram danos hepatocelulares (Andrade e Tulkens, 2011). O prognóstico é geralmente bom, e tanto os sintomas como os valores bioquímicos anormais são resolvidos entre 2 a 5 semanas após interrupção do tratamento; só em casos muito raros a colestase persiste durante 3 a 6 semanas (Andrade e Tulkens, 2011).
A claritomicina é um antibiótico largamente usado para o tratamento de infeções por Helicobacter pylori (Robles et al, 2010). O seu perfil de hepatotoxicidade parece ser semelhante ao da eritromicina, tendo já sido descritos casos de danos hepáticos (hepatite colestática) em pacientes expostos a doses elevadas, assim como, casos de morte e falha hepática aguda (Robles et al, 2010).
A azitromicina, um macrólido com um maior tempo de semivida e taxa de acumulação nos tecidos, raramente manifesta efeitos secundários a nível hepático (Andrade e Tulkens, 2011). Recentemente, foram documentados casos isolados de colestase (Andrade e Tulkens, 2011).
A telitromicina foi primeiramente desenhada para ter atividade contra S. pneumoniae resistentes aos macrólidos (Andrade e Tulkens, 2011). Durante os estudos de fase III em pacientes com pneumonia, verificou-se um aumento ligeiro a moderado das transaminases mais frequente em pacientes que receberam o antibiótico relativamente aos tratados com placebo (Robles et al, 2010). Durante o período de 2004 a 2006, foram documentados à FDA (Food and Drug Administration) 226 casos suspeitos de hepatotoxicidade associada ao uso de telitromicina; casos de dano hepático grave, incluindo morte e um transplante hepático também já foram reportados (Robles et al, 2010). De uma forma geral, os danos hepáticos associados à telitromicina são caracterizados por um início rápido dos sintomas como icterícia, febre, dor abdominal e, ocasionalmente, ascite (Andrade e Tulkens, 2011; Robles et al, 2010).
O mecanismo de hepatotoxicidade associado aos macrólidos poderá estar relacionado com a ligação a compostos nitroso-alcanos produzidos por desmetilação e
oxidação de compostos nativos a grupos SH das proteínas e produzir desta forma necrose dos hepatócitos em quantidade suficiente para libertar proteínas alteradas pela ligação covalente a metabolitos na circulação sanguínea; os neo-antigénios assim libertados seriam reconhecidos como estranhos em pacientes suscetíveis (Robles et al, 2010).
Um outro efeito desta classe de antibióticos a nível hepático está relacionado com a sua capacidade de inativação do citocromo P450 (Hasler et al, 1999). Sabe-se, portanto, que os metabolitos dos macrólidos complexam o citocromo P450, uma vez que se ligam fortemente ao grupo heme deste citocromo (Hasler et al, 1999). Os macrólidos troleandomicina e a eritromicina parecem ser os antibióticos que exercem maior efeito inibitório (Hasler et al, 1999). Assim, podem surgir efeitos secundários com a administração concomitante de fármacos que são metabolizados pelo CYP 3A4, como por exemplo, icterícia com a coadministração de contracetivos orais contendo estrogénios (Hasler et al, 1999).
Contudo, alguns dos macrólidos mais recentes também podem inibir o citocromo P450, como a josamicina, roxitramicina e a claritromicina (Hasler et al, 1999). Já a espiramicina, roquitamicina, ditromicina e a azitromicina não têm sido associados a interações significativas (Hasler et al, 1999).
– Fármacos antituberculosos
O tratamento de primeira linha para a tuberculose respiratória do adulto consiste numa terapia de combinação de vários fármacos, nomeadamente, isoniazida, pirazinamida, rifampicina e etambutol; a estreptomicina pode ser usada em casos de retratamento e as fluoroquinolonas estão mais reservadas para o tratamento de segunda linha para a tuberculose resistente ou como substituto para pacientes incapazes de tolerar os agentes de primeira linha (Andrade e Tulkens, 2011). Estes antibióticos têm sido usados há já muitos anos e os seus efeitos a nível hepático podem ser manifestados tanto com um aumento das enzimas hepáticas assintomático como com hepatite aguda e falha hepática fulminante (Andrade e Tulkens, 2011; Thiim e Friedman, 2003).
Porém, devido ao facto de no tratamento da tuberculose se administrarem vários agentes antibacilares, é difícil identificar o efeito hepatotóxico de qualquer um dos
fármacos num regime de combinação (Andrade e Tulkens, 2011; Thiim e Friedman, 2003).
A hepatotoxicidade dos fármacos antibacilares está relacionada com um conjunto de fatores de risco, nomeadamente, idade avançada (>60 anos), género feminino, má nutrição (baixo índice de massa corporal) (Andrade e Tulkens, 2011). Além destes, a existência de alguma doença hepática (como a hepatite crónica viral) e coinfeção com HIV são fatores de risco também identificados em alguns estudos (Andrade e Tulkens, 2011; Yew e Leung, 2006). Outros estudos também identificaram o genótipo para o acetilador lento de N-acetiltransferase 2 e polimorfismos do CYP2E1 como sendo fatores de risco para a hepatotoxicidade; e, por fim, a administração concomitante de outros fármacos hepatotóxicos, como o paracetamol, pode aumentar o risco para o desenvolvimento deste efeito adverso (Andrade e Tulkens, 2011; Yew e Leung, 2006).
A hepatotoxicidade associada ao etambutol é rara, porém, existem descritos alguns casos isolados de danos hepáticos e um de hepatite colestática (Andrade e Tulkens, 2011).
Relativamente à isoniazida, tem um potencial efeito hepatotóxico que tem sido atribuído a vários metabolitos (Andrade e Tulkens, 2011). Cerca de 10% dos pacientes apresentam aumento dos níveis de transaminases durante o tratamento e cerca de 1 a 2% desenvolvem hepatite sintomática (Andrade e Tulkens, 2011; Matos e Martins, 2005). Além dos fatores de risco anteriormente descritos, sabe-se que a administração simultânea de rifampicina aumenta o risco de hepatotoxicidade, uma vez que a rifampicina é um potente indutor do sistema CYP450 hepático, e pode aumentar a produção de metabolitos reativos da isoniazida, aumentando assim a sua hepatotoxicidade (Andrade, et al, 2011; Matos, et al, 2005).
Alguns estudos também indicam que polimorfismos da N-acetiltransferase 2 influenciam a hepatotoxicidade da isoniazida (Leitner et al, 2010). A N-acetiltransferase 2 (NAT-2) é uma enzima que apresenta diversos polimorfismos, e é importante na destoxificação de algumas substâncias, como por exemplo, a isoniazida (Leitner et al, 2010). A isoniazida é acetilada a acetil-isoniazida e depois hidrolisada em acetil- hidrazina e ácido nicotínico (Tostmann et al, 2008). A acetil-hidrazina é hidrolizada em
hidrazina ou acetilada em diacetil-hidrazina; uma pequena parte da isoniazida é diretamente hidrolizada a ácido nicotínico e hidrazina e esta via tem maior importância nos acetiladores lentos do que nos rápidos (fig. 6) (Tostmann et al, 2008).
Fig. 6 – Metabolismo da isoniazida. IG – isonicotinyl glycine (Tostmann et al, 2008).
Na presença do chamado polimorfismo lento (acetilador lento), o risco de hepatite induzida pela isoniazida pode ser aumentado devido ao abrandamento da destoxificação, uma vez que permanece mais isoniazida disponível para ser hidrolizada em hidrazina e também a acetil-hidrazina acumulada pode ser convertida em hidrazina (Tostmann et al, 2008; Leitner et al, 2010). Contudo, a influência na taxa de acetilação determinada pelos polimorfismos da NAT-2 na hepatotoxicidade é um pouco controversa, uma vez que a possível relação entre a suscetibilidade dos pacientes para danos hepáticos causados pela isoniazida e o metabolismo rápido deste fármaco também tem sido descrito (Leitner et al, 2010). Os pacientes com o fenótipo do acetilador rápido
hidrolisam muito mais a isoniazida a ácido isonicotínico e acetil-hidrazina do que os acetiladores lentos (Leitner et al, 2010). A acetil-hidrazina é um potente agente acilante que provoca necrose celular em animais (Leitner et al, 2010). Contudo, os acetiladores rápidos removem a acetil-hidrazina mais rapidamente e os acetiladores lentos podem, portanto, gerar mais exposição devido à sua acumulação (Leitner et al, 2010). Histologicamente, os danos hepáticos da isoniazida são caracterizados por necrose hepatocelular e degeneração, assim como infiltrados inflamatórios dentro do trato portal e, embora menos comum, colestase (Andrade e Tulkens, 2011). Num estudo de terapia combinada de isoniazida com rifampicina, ocorreram 6 casos de hepatite fulminante e a necrose centrilobular foi a lesão hepática principal (Andrade e Tulkens, 2011).
A pirazinamida foi introduzida na prática clínica na década de 50 e apresenta igualmente efeitos hepatotóxicos aumentando os níveis de transaminases séricas e hepatite sintomática em 10-20% dos pacientes (Andrade e Tulkens, 2011). Este fármaco pode induzir hepatite granulomatosa, necrose hepatocelular e há registo de um caso de falha hepática com infiltração de linfócitos e colestase focal (Andrade e Tulkens, 2011; Leitner et al, 2010). A pirazinamida é convertida a ácido pirazinóico e depois é oxidada a ácido 5-hidroxipirazinóico pela xantina oxidase (Tostmann et al, 2008). O seu mecanismo de toxicidade é ainda desconhecido e desconhece-se também quais as enzimas que estão envolvidas na sua toxicidade ou ainda se é causada pela pirazinamida ou pelos seus metabolitos (Tostmann et al, 2008). Contudo, num estudo em ratos, a pirazinamida inibiu a atividade de algumas isoenzimas do citocromo P450 (2B, 2C, 2E1 e 3A), mas um outro estudo com microssomas de fígado humano mostrou que a pirazinamida não apresenta efeitos inibitórios nas isoenzimas do citocromo P450 (Tostmann et al, 2008).
Em comparação com a isoniazida e a pirazinamida, a rifampicina é menos propensa a efeitos hepatotóxicos (Andrade e Tulkens, 2011; Leitner et al, 2010). Num estudo anterior, foi comparada a incidência da hepatotoxicidade destes três fármacos e obteve-se para a rifampicina 1,5% de incidência, para a isoniazida 4% e para a pirazinamida 5% (Leitner et al, 2010).
Contudo, a hepatotoxicidade associada à rifampicina isolada é rara, mas pode contribuir para aumentar a hepatotoxicidade quando administrada juntamente com a isoniazida e a pirazinamida (Andrade e Tulkens, 2011). Sabe-se que a rifampicina induz o citocromo P450 no fígado e intestino, e portanto, aumenta o metabolismo de muitos outros compostos, podendo, por exemplo, induzir a isoniazida hidrolase, aumentando a produção de hidrazina, o que pode explicar a alta toxicidade da combinação da isoniazida com a rifampicina (Tostmann et al, 2008).
A capacidade de induzir o citocromo P450, mais concretamente o CYP 3A4, é mediada pelo recetor pregnane X (PXR, pregnane X recetor) (Aristoff et al, 2010; Tolson e Wang, 2010). A rifampicina liga-se ao PXR, criando um complexo que se desloca para o núcleo e que depois forma um heterodímero com o recetor retinóide X (RXR, retinoid X recetor), que, por sua vez, se liga a elementos de resposta específicos do DNA (fig. 7) (Aristoff et al, 2010; Chen et al, 2012; Tolson e Wang, 2010). Este heterodímero aumenta a transcrição do CYP 3A4, bem como de outras proteínas do metabolismo de fase I e II (Aristoff et al, 2010; Chen et al, 2012; Tolson e Wang, 2010).
Membrana celular
Fig. 7 – Regulação dos genes do metabolismo de fase I e II e dos transportadores de fármacos pelo PXR (Chen et al, 2012).
Ao ser um potente indutor do citocromo P450, a rifampicina, pode, portanto, aumentar o metabolismo de vários fármacos que são metabolizados por este sistema
quando administrados concomitantemente, nomeadamente: analgésicos (ex: morfina), antidiabéticos orais (ex: sulfonilureias), antibacterianos (ex: doxiciclina), antifúngicos (ex: cetoconazol, itraconazol), antivíricos (ex: nelfinavir, efavirenz), psicotrópicos (ex: diazepam, buspirona), fármacos cardiovasculares (ex: verapamil, sinvastatina, varfarina), hormonas (ex: prednisolona, anticoncecionais), imunossupressores (ex: ciclosporina), ácido valpróico, antidepressivos (ex: sertralina) (Aristoff et al, 2010; Arbex et al, 2010).
A indução do CYP 3A4 conduz, portanto, ao aumento do metabolismo de vários fármacos, resultando na diminuição dos níveis plasmáticos destes (Aristoff et al, 2010; Arbex et al, 2010).
A rifampicina também induz outros transportadores proteicos de fármacos, como a glicoproteína-P hepática e intestinal, tendo uma importante interação com a digoxina, por exemplo (Aristoff et al, 2010).
Além do seu poder indutor enzimático, a rifampicina também interfere com a captação e excreção da bilirrubina, potenciando a hepatotoxicidade de outros fármacos, nomeadamente, da isoniazida. Histologicamente, observa-se necrose hepatocelular irregular e difusa associada a colestase e pode ainda causar falha hepática intrínseca aguda ou idiossincrática (Andrade e Tulkens, 2011; Leitner et al, 2010).
Segundo a Sociedade Torácica Americana (ATS), os níveis de ALT devem ser monitorizados durante o tratamento da tuberculose em pacientes: alcoólicos, com hepatite, que administram outra medicação hepatotóxica, com hepatite viral conhecida e em pacientes com outras doenças hepáticas ou valores base da ALT elevados (Leitner et al, 2010). O mesmo deverá ser aplicado a pacientes com antecedentes de hepatite induzida pela isoniazida, a grávidas e nos 3 meses seguintes ao parto (Leitner et al, 2010).
Além dos grupos atrás mencionados, a monitorização da ALT também deve ser feita em pacientes HIV-positivos (Leitner et al, 2010; Andrade e Tulkens, 2011; Yew e Leung, 2006). O tratamento da tuberculose deve ser interrompido ou modificado quando os sintomas de hepatite ou icterícia ocorrerem e a ALT do paciente estiver além
do triplo do limite superior normal, ou na ausência de sintomas quando o ALT excede cinco vezes o limite superior normal (Leitner et al, 2010). A terapia interrompida com rifampicina ± etambutol pode ser continuada quando os níveis de ALT são <2 ao limite superior normal, enquanto que o tratamento com isoniazida pode ser continuado depois de cerca de 3-7 dias; já a readministração de pirazinamida deve ser evitada (Leitner et al, 2010).
– Nitrofurantoína
A nitrofurantoína é um nitrofurano sintético comummente usado para a profilaxia e tratamento de infeções urinárias (Robles et al, 2010; Kakar, e Ramadandran, 2009). A incidência de hepatotoxicidade associada a este antibiótico foi estimada em cerca de 0,0003% (Robles et al, 2010; Leitner et al, 2010; Thiim e Friedman, 2003).
Os danos hepáticos causados pela nitrofurantoína são principalmente hepatocelulares, apesar de também já terem sido descritos danos colestáticos e mistos; presume-se que o mecanismo de lesão seja imunoalérgico ou o resultado de idiossincrasia metabólica (Thiim e Friedman, 2003). Por vezes, surgem autoanticorpos antinucleares ou antimúsculo liso e hipergamaglobulinemia (Matos e Martins, 2005; Thiim e Friedman, 2003). A nível clínico observa-se febre, rash e eosinofilia; histologicamente, observa-se necrose aguda centrilobular ou hepatite crónica com ou sem cirrose (Thiim e Friedman, 2003).
– Linezolide
O tratamento com linezolide é geralmente iniciado no hospital, mas devido à sua excelente biodisponibilidade (cerca de 100%) na forma oral, o tratamento pode ser continuado em casa após alta hospitalar, sendo indicado para patogéneos gram-positivos e multirresistentes (De Vriese et al, 2006; Andrade e Tulkens, 2011). O linezolide tem sido associado a falhas hepáticas severas, acidose láctica e também a esteatose microvesicular (Andrade e Tulkens, 2011). A esteatose microvesicular está relacionada com a diminuição da β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos (De Bus et al, 2010).
A disfunção mitocondrial também pode ser o mecanismo responsável pela acidose láctica induzida por este antibiótico (De Bus et al, 2010).
– Ácido fusídico
O ácido fusídico é um antibiótico monoaniónico muito usado para o tratamento de doenças infeciosas com organismos meticilino-resistentes, ou para estirpes multirresistentes de Staphylococus aureus (Bode et al, 2002). O efeito mais frequentemente induzido pelo ácido fusídico é a hiperbilirrubinemia (Leitner et al, 2010). Existem alguns estudos que revelaram que o ácido fusídico pode causar reações colestáticas reversíveis e dose-dependentes, particularmente, quando administradas por via IV (Leitner et al, 2010). Dados atuais sugerem que existem pelo menos dois mecanismos envolvidos na diminuição do processo de transporte e eliminação hepatobiliar pelo fusidato; inibição direta do transporte de substratos do Mrp2 e BSEP por interação competitiva e danos pela diminuição do nível de Mrp2 hepático (Leitner et al, 2010).
– Daptomicina
A daptomicina é um agente antibacteriano que tem ação nos patogéneos gram- positivos incluindo o Staphylococcus aureus meticilino-resistentes e Enterococcus vancomicina-resistentes (Abraham et al, 2008). Relativamente à daptomicina foram descritos poucos casos de hepatotoxicidade e incluem elevação assintomática das transaminases, elevação da AST juntamente com miopatia e toxicidade hepática sem rabdomiólise (Abraham et al, 2008; Robles et al, 2010).
III – Nefrotoxicidade
Muitos fármacos podem causar danos renais e alguns deles podem causar mais do que um tipo de dano (Guo e Nzerue, 2002). Os rins são órgãos vulneráveis à ação tóxica dos fármacos uma vez que são a via de eliminação de muitos fármacos administrados, sendo muitas vezes expostos a grandes concentrações destes ou dos seus metabolitos ou de ambos (Guo e Nzerue, 2002; Fanos e Cuzzolin, 2008). Além disto, têm características que permitem a acumulação de nefrotoxinas, nomeadamente: são muito vascularizados; o túbulo renal proximal tem uma grande área para a ligação e transporte das toxinas para o interior do epitélio renal; e a reabsorção do filtrado glomerular aumenta progressivamente a concentração as nefrotoxinas filtradas e secretadas para o lúmen tubular (Guo e Nzerue, 2002, Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Diagnóstico da nefrotoxicidade
Os efeitos secundários a nível renal são geralmente silenciosos, sobretudo nas fases iniciais, e, portanto, é necessário alguma vigilância clínica (Fanos e Cuzzolin, 2008). É igualmente importante obter um diagnóstico de nefrotoxicidade o mais cedo possível de forma a ajustar a dosagem ou descontinuar o fármaco, prevenindo os danos iatrogénicos, já que a nefrotoxicidade da maioria dos fármacos é reversível (Fanos e Cuzzolin, 2008).
A nefrotoxicidade induzida por fármacos, especificamente devido aos aminoglicosídeos, tem sido definida clinicamente como um aumento da creatinina sérica em mais de 20% em relação aos valores basais (Fanos e Cuzzolin, 2008; Siew et al, 2011). Mais tarde, foi definida de uma forma mais detalhada, isto é, aumento de 44,2 mmol/L (ou 0,5 mg/dl) em pacientes com valores basais de creatinina sérica abaixo dos 265 mmol/L (3,0 mg/dl) e aumento de 88 mmol/L em pacientes com valores basais de creatinina sérica maiores que 265 mmol/L (3,0 mg/dl) (Fanos e Cuzzolin, 2008, Siew et al, 2011).
No entanto, a creatinina sérica não reflete as mudanças rápidas na função renal (Fanos e Cuzzolin, 2008). Assim sendo, têm sido realizados vários estudos de forma a encontrar marcadores renais que permitam detetar mais antecipadamente os danos renais (Fanos e Cuzzolin, 2008). Um exemplo é a cistatina C (um marcador da função glomerular usado no período da “creatinina cega”, isto é, período em que ainda não há variação nos níveis da creatinina); este marcador foi avaliado e parece ser mais exato na deteção da redução da taxa de filtração glomerular, tendo-se verificado que a cistatina sérica precede o aumento da creatinina sérica durante a falha renal aguda cerca de 1 a 2 dias (Fanos e Cuzzolin, 2008; Siew et al, 2011).
Têm sido usados também outros biomarcadores de nefrotoxicidade (ex: microglobulinas, enzimas e fatores de crescimento) (Fanos e Cuzzolin, 2008). Entre as microglobulinas, a alfa-1 microglobulina é preferível, uma vez que a sua determinação não é afetada pela presença de fatores extrarrenais e/ou pelo pH ácido da urina (Fanos e Cuzzolin, 2008; Siew et al, 2011). Na presença de danos funcionais tubulares a quantidade reabsorvida é reduzida e a concentração das microglobulinas na urina aumenta (Fanos e Cuzzolin, 2008).
No que respeita às enzimas urinárias, a sua deteção em níveis elevados são um sinal de danos tubulares estruturais, isto é, elevados níveis na urina das enzimas N- acetil-β-D-glucosaminidase, presente nos lisossomas, e da alanina-aminopeptidase, presentes na membrana com orla em escova da células do túbulo contornado, são indicativos de danos no parênquima renal (Fanos e Cuzzolin, 2008; Siew et al, 2011).
A reparação dos danos renais é promovida pelos fatores de crescimento, nomeadamente, pelos fatores de crescimento epidermal (EGF, Epidermal Growth Factor) produzido em grande quantidade pelas células da ansa de Henle e do túbulo distal (Fanos e Cuzzolin, 2008). Os valores urinários da EGF estão diminuídos no decurso da falha renal aguda e crónica, e o seu aumento depois dos danos parenquimais é um indicador da extensão do restabelecimento da função renal (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Mecanismos patofisiológicos
– Toxicidade direta das células tubulares
A toxicidade direta das células tubulares é em parte dependente da dose e geralmente tem início sub-reptício, isto é, os sintomas não são geralmente detetáveis nas fases iniciais (Fanos e Cuzzolin, 2008). Este mecanismo patofisiológico é caracterizado pela necrose tubular aguda (com a morte de uma porção de células tubulares proximais renais) (Fanos e Cuzzolin, 2008). Os sinais que surgem inicialmente, a enzimúria transitória e síndrome”Fanconi-like”, indicam danos no túbulo proximal, que geralmente permanecem indetetáveis, mas podem ser seguidos por desordens no sedimento urinário e falha renal (Fanos e Cuzzolin, 2008).
Este quadro pode ser causado pelos aminoglicosídeos, anfotericina B, cisplatina, metotrexato, cocaína, antivíricos (ex: foscarnet), etc. (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Toxicidade renal imunologicamente mediada
A toxicidade renal imunológica é mediada pela inflamação dos interstícios e dos túbulos; o início varia entre poucos dias (3 a 5 dias) se se trata de uma segunda exposição a várias semanas se for uma primeira exposição (Fanos e Cuzzolin, 2008). Histologicamente, é caracterizada pela presença de infiltrados de células mononucleares e infiltrados de IgE (Fanos e Cuzzolin, 2008).
A reação de hipersensibilidade pode ser devida a um mecanismo celular (o mais comum), resultando em nefrite tubulointersticial aguda ou devido a um mecanismo humoral (menos comum), resultando em glomerulonefrite focal (Fanos e Cuzzolin, 2008).
Este tipo de danos é típico de alguns antibióticos (ex: β-lactâmicos, quinolonas, macrólidos, sulfonamidas), anti-inflamatórios não esteroides (AINES), diuréticos (tiazidas, diuréticos da ansa), fenitoína, cimetidina, ranitidina, alopurinol e antivíricos (ex: aciclovir, indinavir) (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Vasoconstrição renal
A vasoconstrição renal é o principal mecanismo patofisiológico da nefrotoxicidade aguda dos inibidores da calcineurina e dos vasopressores (Fanos e Cuzzolin, 2008). A toxicidade renal induzida pelos inibidores da calcineurina é devida à diminuição do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular (Fanos e Cuzzolin, 2008). Este tipo de dano é dependente da dose administrada e reversível, afetando as arteríolas aferentes, causando disfunção pré-renal com a função tubular intacta (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Alteração da perfusão intraglomerular renal
A alteração da perfusão intraglomerular renal é um mecanismo característico dos AINES, dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina e dos bloqueadores dos recetores da angiotensina (Fanos e Cuzzolin, 2008). No interior do rim, as prostaglandinas regulam a perfusão renal e a taxa de filtração glomerular, através das suas propriedades vasodilatadoras, em oposição à ação vasoconstritora de substâncias como a angiotensina II, catecolaminas, vasopressina e endotelina (Fanos e Cuzzolin, 2008).
Assim, os pacientes que sofram de patologias relacionadas com elevados níveis de substâncias vasoconstritoras (ex: hipovolémia, falha cardíaca, hipertensão, etc.) podem desenvolver falha renal quando tratadas com AINES que induz a redução da síntese das prostaglandinas (Fanos e Cuzzolin, 2008). A disfunção associada com tratamentos de hipertensão arterial é o resultado da excessiva diminuição da pressão arterial; contudo, a função renal volta aos parâmetros normais se o fármaco for descontinuado (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Acumulação de cristais
A precipitação de cristais dependente de pH no lúmen tubular distal é um mecanismo nefrotóxico que pode ocorrer com o aciclovir, sulfonamidas, metotrexato, indinavir, etc. (Fanos e Cuzzolin, 2008). A cristalúria após administração de
fluoroquinolonas é rara, mas pode ocorrer em condições de desidratação (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Alteração de fluidos e eletrólitos
A alteração de fluidos e eletrólitos pode ocorrer devido: a um excesso da remoção de sódio e água; à alcalose metabólica e hipocalemia induzida pelo uso excessivo de diuréticos; e hipercalemia e acidose metabólica devido ao uso de AINES (Fanos e Cuzzolin, 2008). A anfotericina B é um dos fármacos tubulotóxicos, que aumenta a perda de potássio e magnésio na urina, provoca alterações eletrolíticas, acidose tubular renal e perda da capacidade de concentração da urina (Fanos e Cuzzolin, 2008).
- Patologias renais causadas pela administração de fármacos
As nefrotoxinas podem causar: falha renal aguda, síndrome nefrótica, disfunção tubular renal com perda de potássio e acidose, e, falha renal crónica (Guo e Nzerue, 2002).
A falha renal aguda é caracterizada por uma diminuição rápida da função renal acompanhada por alterações no volume de urina, azotemia e perturbação da homeostase bioquímica (Guo e Nzerue, 2002). Por sua vez, a falha renal aguda pode ser classificada em: pré-renal, intrínseca e obstrutiva (Guo e Nzerue, 2002). Na pré-renal há redução do volume ou da pressão do sangue, ou de ambos, que chega ao rim; como os rins estão saudáveis mas a quantidade de sangue que lá chega é baixa, o volume de urina e a excreção de sódio são baixas e a osmolalidade é alta (Guo e Nzerue, 2002). A falha renal aguda obstrutiva pode ocorrer em diversos locais do rim como no interior dos túbulos renais ou nos ureteres (devido à formação de cristais) e fora dos ureteres /devido a fibrose retroperitoneal) (Guo e Nzerue, 2002). A falha renal aguda intrínseca também pode ser classificada em três tipos:
necrose tubular aguda, que pode ser devido a toxicidade tubular direta, perturbação da energia celular, danos por radicais livres, metabolismo fosfolipídico
alterado e por alteração no transporte de cálcio; o início dos danos podem não ser detetados logo de imediato, porque inicialmente o volume de urina pode ser normal, mas se a nefrotoxina continuar a ser administrada, pode surgir oliguria (ex: aminoglicosideos);
nefrite intersticial aguda, que tem manifestações sistémicas de reações de hipersensibilidade como febre, erupções cutâneas e artralgias; o início destes sintomas na primeira exposição pode levar várias semanas, mas na segunda exposição pode variar entre 3 a 5 dias;
microangiopatia trombótica, que se caracteriza por trombos de hialina na microvasculatura de vários órgãos; ao nível dos rins pode ocorrer trombose arteriolar aferente e glomerular, assim como, espessamento da parede dos capilares glomerulares devido à deposição de fibrina (ex. ciclosporina) (Guo e Nzerue, 2002).
A síndrome nefrótica é devida à disfunção glomerular e é caracterizada pela presença de proteínas pesadas na urina, edema e hipoalbuminemia, podendo ser causada por alguns anti-inflamatórios não esteroides (Guo e Nzerue, 2002).
Por fim, na insuficiência renal crónica causada por fármacos o paciente pode ter elevação progressiva da creatinina, bem como acidose tubular renal, perda renal de potássio e proteinuria (Guo e Nzerue, 2002). A insuficiência renal crónica pode ser causada pela administração de ciclosporina, lítio, cisplatina, entre outros (Guo e Nzerue, 2002).
– Características da nefrotoxicidade induzida por antibióticos
– Aminoglicosideos
Os aminoglicosídeos são antibióticos muito usados numa variedade de infeções produzidas por bactérias Gram negativas e endocardite bacteriana (Lopez-Novoa et al, 2011). A sua estrutura catiónica, que depende do número de grupos amino e da sua distribuição na molécula, parece estar relacionada com a sua toxicidade, sobretudo nos tecidos renais e auriculares onde os aminoglicosídeos se acumulam (Lopez-Novoa et al, 2011). De todos os aminoglicosídeos, a gentamicina é o que tem sido mais usado como
modelo para o estudo da nefrotoxicidade desta classe de antiobióticos (Lopez-Novoa et al, 2011).
A incidência da nefrotoxicidade por aminoglicosídeos varia amplamente, talvez devido a diferenças nos critérios de diagnóstico e nas populações estudadas (Oliveira et al, 2006). Por exemplo, um estudo com jovens saudáveis a incidência foi zero, e noutro estudo em pacientes internados na unidade de cuidados intensivos estimou-se uma incidência de cerca de 76% (Oliveira et al, 2006).
Alguns estudos concluíram que a incidência da nefrotoxicidade depende da população alvo e existem alguns fatores de risco para o desenvolvimento de danos renais provocados pelos aminoglicosídeos (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006). Estes fatores de risco podem ser classificados em: fatores relacionados com o paciente (idade avançada, função renal diminuída, gravidez, desidratação, redução da massa renal, hipotiroidismo, disfunção hepática, acidose metabólica, depleção de sódio), fatores relacionados com o tratamento (tratamento prolongado, dosagem elevada, divisão da dosagem) e administração concomitante com outros fármacos (AINES, diuréticos, anfotericina, cisplatina, ciclosporina, meios de contraste com iodo, vancomicina e cefalosporina) (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006).
A nefrotoxicidade causada por esta classe de antibióticos manifesta-se clinicamente por disfunção da excreção renal não-oligúrica ou até poliúrica, acompanhada por um aumento da concentração plasmática da creatinina, ureia e outros produtos metabólicos do organismo, proteinúria, enzimúria, aminoaciduria, glicosúria e alterações eletrolíticas (hipercalciúria, hipermagnesúria, hipocalcemia e hipomagnesemia) (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006).
Os efeitos nefrotóxicos da gentamicina foram observados tanto ao nível do epitélio tubular, como dos vasos sanguíneos renais e dos glomérulos; contudo, os mecanismos de nefrotoxicidade e morte celular da gentamicina ainda não estão bem esclarecidos (Lopez-Novoa et al, 2011).
A nível tubular, a toxicidade da gentamicina pode-se apresentar sob duas formas:
a morte das células epiteliais tubulares, principalmente dentro do segmento proximal, associada a uma forte componente inflamatória e
alterações não letais mas funcionais de componentes celulares importantes envolvidos no transporte de água e solutos (Lopez-Novoa et al, 2011).
A citotoxicidade da gentamicina ocorre nos tipos de células em que se acumula; a nível renal, este antibiótico acumula-se nas células epitelilais do córtex, principalmente no túbulo proximal e nos ductos proximal e coletor (Lopez-Novoa et al, 2011; Servais et al, 2008). Pensa-se que a elevada concentração de gentamicina nestas células seja devido à expressão de transportadores de proteínas e catiões, nomeadamente, o complexo endocítico grande formado por megalina e cubilina que é restrito ao túbulo proximal; aliás, sabe-se que este complexo transporta todos os aminoglicosídeos por endocitose (Lopez-Novoa et al, 2011; Nagai e Takano, 2004). Estes fármacos atravessam o compartimento endossomal e acumulam-se sobretudo nos lisossomas, no complexo de Golgi e no retículo endoplasmático (Lopez-Novoa et al, 2011; Nagai e Takano, 2004) (fig. 8).
Fig. 8 – Mecanismos e vias de sinalização celular subjacente ao efeito citotóxico da gentamicina. ATP – Adenosina trifosfato; CaSR – recetor sensível ao cálcio extracelular; Cito c – citocromo c; UPR (unfolded protein response) ER – retículo endoplasmático; PPARα (peroxisome proliferator- activated receptor-α); ROS – espécies reativas de oxigénio (Lopez-Novoa et al, 2011).
A gentamicina liga-se aos fosfolípidos da membrana alterando o seu metabolismo e causando fosfolipidose (progressiva acumulação intracelular de lípidos que adotam disposição lamelar concêntrica, formando o chamado corpo mieloide) (Lopez-Novoa et al, 2011; Nagai e Takano, 2004). A fosfolipidose lisossomal resulta da redução da carga negativa disponível necessária para o correto funcionamento das fosfolipases A1, A2 e C1 (Lopez-Novoa et al, 2011; Nagai e Takano, 2004). Quando a concentração de aminoglicosídeos nas estruturas endossomais excede um determinado limiar a sua membrana é rompida e o seu conteúdo juntamente com o antibiótico é libertado para o citoplasma (Lopez-Novoa et al, 2011). No citoplasma a gentamicina pode interagir direta ou indiretamente com a mitocôndria e, deste modo, pode ativar a via intrínseca da apoptose, interromper a cadeia respiratória, comprometer a produção de ATP e produzir stress oxidativo pelo aumento de aniões superóxidos e radicais hidroxilo, que, posteriormente, contribui para a morte celular (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Além destes efeitos, também se observou que a gentamicina inibe uma variedade de transportadores da membrana celular tanto do lado que apresenta microvilosidades (que forma a orla em escova) como da membrana basolateral incluindo o cotransportador Na-Pi e a troca de Na+-H+, o transporte de Na+ eletrogénico (transporte afetado por gradientes elétricos) e a adenosina trifosfatase Na-K (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010). A inibição do transporte afeta a reabsorção tubular, e isto também pode comprometer a viabilidade da célula, como por exemplo, a adenosina trifosfatase Na-K desempenha um papel importante na homeostasia do volume celular, a sua desregulação pode provocar o edema desta e conduzir à necrose ou apoptose (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006).
Existem alguns estudos experimentais nos quais se observou após administração da gentamicina, uma menor recaptação de cálcio e magnésio, conduzindo a hipercalciúria, hipermagnesiurese e hipomagnesemia (Lopez-Novoa et al, 2011). A gentamicina pode ser transportada por proteínas e competir ainda com proteínas, catiões orgânicos e outras moléculas para o complexo endocítico megalina-cubilina no túbulo proximal e, assim, comprometer a sua reabsorção (Lopez-Novoa et al, 2011; Nagai e Takano, 2004).
Mas os efeitos tubulares por si só não explicam a taxa de filtração glomerular reduzida. O derramamento de resíduos de tecido e células para o lúmen tubular pode obstruir os túbulos total ou parcialmente, reduzindo ou anulando, assim, a excreção dos nefrónios afetados; também aumenta a pressão hidrostática dentro do túbulo e da cápsula de Bowman, o que reduz o gradiente de pressão da filtração e, também a taxa de filtração glomerular (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006). Além disso, o aumento da pressão intracelular aumenta a fuga de ultrafiltrado para o espaço intersticial e para os capilares peritubulares, diminuindo, portanto, a excreção de produtos filtrados (Lopez-Novoa et al, 2011).
De acordo com o descrito, a obstrução tubular pode contribuir em parte para a redução da filtração causada por gentamicina (Lopez-Novoa et al, 2011). Em casos moderados e nas fases iniciais dos casos graves, ou seja, na ausência da obstrução tubular significativa, pode ser detetada no sangue uma acumulação relevante de creatinina e produtos urémicos, que é o que geralmente alerta para danos renais subjacentes e indica também que a taxa de filtração já está reduzida (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Os danos nas células tubulares conduzem a um processo de reabsorção disfuncional que produz uma distribuição excessiva de água e eletrólitos na parte distal do nefrónio, que por sua vez desencadeia o mecanismo de feedback tubuloglomerular (Lopez-Novoa et al, 2011). Este mecanismo é ativado como um mecanismo de proteção para evitar a perda excessiva de água e eletrólitos e pode-se adaptar num período que varia entre 1 a 24 horas, e como tal, teoricamente a redução de filtração glomerular deveria desaparecer após este intervalo; o que na realidade não acontece, existindo, portanto, outros mecanismos que levam a que a taxa de filtração permaneça reduzida (Lopez-Novoa et al, 2011).
A nível glomerular, a gentamicina pode alterar a filtração, uma vez que pode:
Produzir contração das células mesangiais e resultar na redução da taxa de filtração glomerular;
Estimular a proliferação mesangial e um aumento da apoptose das mesmas células (efeitos que acabam por se compensarem);
Apesar de a gentamicina não gerar mudanças morfológicas significativas no glomérulo, em tratamentos com doses elevadas tem sido detetado um ligeiro aumento
no tamanho, alteração da forma e densidade, e um intumescimento da barreira de filtração associada à infiltração de neutrófilos, cujo significado patofisiológico ainda não é conhecido;
Perda da seletividade da barreira de filtração glomerular, devido à neutralização das suas cargas negativas, que contribui para a proteinúria (fig. 9) (Lopez- Novoa et al, 2011; Salgado et al, 2007).
Fig. 9 - Efeitos glomerulares da gentamicina. AP-1 – proteína ativadora 1; CaSR – recetor extracelular sensível ao cálcio; ET-1 – endotelina 1; GBM – membrana basal glomerular; GFB – barreira de filtração glomerular; GFR – taxa filtração glomerular; HMW – elevado peso molecular; Kf – coeficiente de filtração; MMW – peso molecular médio; Ca 2+ – cálcio intracelular; NO – óxido nítrico; PAF – fator ativador de plaquetas; PGE 2 – prostaglandina E2; PLA2 – fosfolipase A2; RAS – sistema renina angiotensina; ROS – espécies reativas de oxigénio; TXA2 – tromboxano A2; ? – consequências fisiopatológicas desconhecidas (Lopez-Novoa et al, 2011).
Alguns estudos verificaram que a gentamicina reduz o número e o tamanho das fenestras glomerulares endoteliais, que parecem ser uma consequência da contração mesangial (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010; Salgado et al, 2007). A contração das células mesangiais parece estar relacionada com o aumento do cálcio
intracelular que pode ser induzido por vários fatores, nomeadamente: secreção do fator ativador de plaquetas; ativação do sistema renina-angiotensina renal; produção e ação de vasoconstritores como a endotelina-1 e tromboxano A2 resultantes da disfunção endotelial; estimulação do CaSR (recetor extracelular sensível ao cálcio), que parece aumentar a concentração de cálcio intracelular; aumento da produção das espécies reativas de oxigénio e do stress oxidativo (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
A ativação da fosfolipase A2 também tem sido associada ao efeito das células mesangiais, isto é, a fosfolipase A2 cataliza a formação do ácido araquidónico que gera, através da cicloxigenase, a síntese do tromboxano A2 que conduz à contração das células mesangiais (Lopez-Novoa et al, 2011; Salgado et al, 2007). O fator ativador de plaquetas também é reconhecido como um importante mediador da contração mesangial, que diminui a taxa de filtração glomerular (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006; Nagai e Takano, 2004).
No que respeita à proliferação e apoptose das células mesangiais, estes dois processos ocorrem ao mesmo tempo no compartimento mesangial, e aparentemente ambos os efeitos compensam-se, uma vez que não há variação no número de células mesangiais (Lopez-Novoa et al, 2011; Salgado et al, 2007). A proliferação das células mesangiais é mediada pelo Proteína activadora-1 dependente do cálcio e a apoptose destas células é mediada pelas espécies reativas de oxigénio e pela produção de grandes quantidades de óxido nítrico (NO) (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Esta produção de NO também é causada pela gentamicina, uma vez que estimula a expressão da óxido nítrico sintetase induzível (iNOS) e assim ocorre a produção de óxido nítrico nos glomérulos e células mesangiais isolados em culturas (Lopez-Novoa et al, 2011; Salgado et al, 2007). Quando o NO é produzido excessivamente, e especialmente sob circunstâncias de stress oxidativo, interage com aniões superóxidos e forma peroxinitritos, que causam stress nitrosativo e efeitos citotóxicos (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Porém, este processo contrabalançado de apoptose e proliferação das células mesangiais ainda não está muito claro, pensa-se que um poderá ser uma consequência homeostática de outro, por forma a manter a integridade do tecido, isto é, a gentamicina pode, por exemplo, causar apoptose destas células mesangiais a que se segue a
proliferação para reparar o dano (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010; Salgado
et al, 2007).
Por fim, a nível vascular, a gentamicina induz a redução do fluxo sanguíneo renal, que é consequência do aumento da resistência da vascularização renal, provocando uma diminuição da taxa de filtração glomerular e sensibilizando as células tubulares para a morte celular através da redução de oxigénio e de ATP disponível (fig.
10) (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Fig. 10 – Efeitos vasculares da gentamicina. Ade – adenosina; ANG-II – angiotensina II; ET-1 – endotelina 1; GFR – taxa de filtração glomerular; Kf – coeficiente de ultrafiltração; PAF – fator ativador de plaquetas; PGs – prostaglandinas; ROS – espécies reativas de oxigénio; TXA2 – tromboxano A2 (Lopez-Novoa et al, 2011).
A redução do fluxo sanguíneo renal surge inicialmente da ativação do feedback tubuloglomerular pela reabsorção tubular insuficiente, com o objetivo de prevenir uma grande perda de fluidos e eletrólitos, e, progressivamente, ocorre a substituição da adaptação do feedback tubuloglomerular pela produção de vasoconstritores na rede vascular renal e no compartimento mesangial (Lopez-Novoa et al, 2011).
Os tratamentos com gentamicina podem levar a um aumento da produção de vasoconstritores como a endotelina-1, fator ativador de plaquetas, metabolitos do ácido araquidónico e principalmente prostaglandinas e tromboxano A2, a partir das células endoteliais e mesangiais, que atuam de forma parácrina nos miócitos vasculares e causam a vasoconstrição (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010). Além da produção de vasoconstritores, a gentamincina também bloqueia a síntese de prostaglandinas vasodilatadoras (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006). A oxido nítrico sintetase endotelial, em baixos níveis medeia a vasodilatação, mas a produção excessiva de óxido nítrico devido ao aumento da expressão da óxido nítrico sintetase induzível pode causar efeitos citotóxicos nas células vizinhas, já que o óxido nítrico interage com anião superóxido formando peroxinitritos, que induzem danos nas proteínas e células e desacopla a óxido nítrico sintetase endotelial tornando-se numa enzima disfuncional geradora de superóxidos, contribuindo, assim, para o stress vascular oxidativo (Lopez-Novoa et al, 2011; Quiros et al, 2010).
Além dos efeitos descritos, a gentamicina também compromete a capacidade de relaxamento do músculo liso, mas o seu mecanismo ainda não é conhecido; teoricamente, este efeito contribui para a vasoconstrição e para a redução do fluxo sanguíneo renal (Lopez-Novoa et al, 2011).
No entanto, a gentamicina também já mostrou ter capacidade de relaxar artérias através da inibição de fosfolipase C, da proteína Kinase C e dos movimentos de cálcio; este efeito é exercido diretamente nas células do músculo liso e ocorre apesar do facto de a gentamicina inibir a libertação do fator de relaxamento derivado do endotélio (Lopez-Novoa et al, 2011).
A marginação dos leucócitos que leva a obstrução vascular, a congestão e enfarte é induzida pela gentamicina nos vasos retinais após 48-72 horas do início do tratamento, o que faz pensar que a obstrução vascular contribui para a isquemia e que também pode ocorrer nos rins, sobretudo em condições pró-inflamatórias, embora seja necessário comprovar isto especificamente (Lopez-Novoa et al, 2011).
Em suma, os aminoglicosídeos são eliminados pelos rins através da filtração glomerular, mas podem-se ligar ao túbulo proximal, onde se pensa que existam recetores específicos, nomeadamente a megalina, um recetor endocítico expressado na
membrana apical do endotélio tubular proximal, ocorrendo a endocitose do antibiótico (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006). Depois de ligado à megalina, o complexo aminoglicosídeo-megalina é transportado para dentro da célula e une-se aos lisossomas onde se irá fundir com estruturas pré-existentes, causando fosfolipidose (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006; Nagai e Takano, 2004). Além das alterações nos lisossomas, também ocorrem alterações nas mitocôndrias e na bomba Na/K-ATPase (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006; Nagai e Takano, 2004). Os aminoglicosídeos também podem causar libertação de hormonas vasoconstritoras, libertação do fator de agregação de plaquetas, contração das células mesangiais, deposição de restos celulares obstruindo os nefrónios e diminuição da superfície glomerular e/ou alteração na permeabilidade glomerular com diminuição do coeficiente de ultrafiltração glomerular (Lopez-Novoa et al, 2011; Oliveira et al, 2006).
Por fim, existem estudos que compararam a nefrotoxicidade desta classe de antibióticos e relacionaram a sua afinidade de ligação à membrana com orla em escova, com o seu potencial nefrotóxico e chegaram à conclusão da seguinte ordem de nefrotoxicidade: neomicina > netilmicina > tobramicina > gentamicina > amicacina > canamicina (Begg e Barclay, 1995; Nagai e Takano, 2004).
– Glicopeptídeos
A vancomicina é um antibiótico glicopeptídeo muito usado no tratamento de infeções de Staphylococcus aureus meticilino-resistentes (MRSA), Enterococcus faecium, etc (Elyase et al, 2012; Gupta et al, 2011). A incidência da nefrotoxicidade induzida pela vancomicina pode variar entre 5 e 35%, sendo que era maior nas primeiras preparações devido à presença de impurezas (Elyase et al, 2012).
Para avaliar a sua nefrotoxicidade foram propostos alguns métodos, mas aquele que é mais referido na bibliografia consultada, a nefrotoxicidade é definida como um aumento de 50% do nível basal da creatinina sérica ou uma diminuição de 50% do valor basal da clearance da creatinina (Gupta et al, 2011; Svetitsky et al, 2009).
A vancomicina é quase exclusivamente eliminada por via renal, sobretudo através de filtração glomerular e, em parte mediada pela secreção tubular ativa (Gupta et al, 2011; Beringer et al, 2011).
Porém, o epitélio do túbulo renal proximal constitui uma grande área de superfície de reabsorção, possuindo muitos sistemas de transporte (Elyase et al, 2012). E, de facto, alguns estudos com animais sugerem que a vancomicina se acumula nas células do túbulo renal proximal provocando necrose (Gupta et al, 2011).
O mecanismo da nefrotoxicidade da vancomicina ainda não está bem esclarecido, mas pensa-se que está dependente do transporte tubular (dependente de energia) do glicopeptideo do sangue até às células tubulares ao longo da membrana basolateral; uma vez no interior das células tubulares a vancomicina apresenta um tropismo para os lisossomas (Gupta et al, 2011; Fanos e Cuzzolin, 2008).
Outros estudos indicam que a vancomicina tem efeitos oxidativos nas células do túbulo renal proximal, e que alteram a função das mitocôndrias, tendo também sido reportados um aumento do consumo de oxigénio pelas células tubulares após tratamentos de curta duração (Elyase et al, 2012).
Histologicamente, além de necrose, a toxicidade renal por vancomicina pode apresentar nefrite tubulointersticial, por vezes com granulomas (Gupta et al, 2011).
No que respeita ao início da nefrotoxicidade, pode variar entre os 4 e os 8 dias após o início do tratamento com a vancomicina (Beringer et al, 2011). Relativamente à resolução da nefrotoxicidade, num estudo foi observado a melhoria em cerca de 71% dos pacientes, nos quais 50% ainda mantinham o tratamento e 21% melhoraram após 72 horas de descontinuação de vancomicina; outro estudo refere que cerca de 72,5% dos pacientes retomaram os valores basais da creatinina sérica no momento da alta médica (Gupta et al, 2011; Beringer et al, 2011).
Contudo, existem diferentes fatores de risco que podem acelerar ou potenciar a ocorrência da nefrotoxicidade, apesar de também não se conhecer muito bem o seu mecanismo, nomeadamente:
elevados valores séricos de vancomicina (>20 mg/L) ou administração de doses elevadas (>4 g/dia);
tratamento concomitante com outros fármacos nefrotóxicos (ex: aminoglicosídeos, diuréticos da ansa, anfotericina B, vasopressores, meios de contraste intravenosos, etc);
tratamentos prolongados, isto é, mais do que 7 dias;
pacientes muito debilitados, isto é, com sépsis, queimaduras, pancreatite aguda, entre outros, estão mais sujeitos a falha renal devido à severidade de doença;
idade avançada;
forma de administração, isto é, a infusão intravenosa intermitente é a principal via de administração da vancomicina, mas estudos recentes revelaram que a infusão contínua minimiza os picos de concentração e maximiza as concentrações máximas, e, portanto, a infusão contínua além de ser mais barata e fácil de administrar, permite obter as concentrações desejáveis mais rápido e causa menos nefrotoxicidade relativamente à infusão intermitente;
peso superior a 101Kg, uma vez que o cálculo da dose da vancomicina é feito com base no peso total (incluindo gordura) o que aumenta a AUC da vancomicina e consequentemente a sua nefrotoxicidade (Elyase et al, 2012; Gupta et al, 2011; Beringer et al, 2011).
– Polimixinas
As polimixinas foram descobertas em 1947 e são sintetizadas pelas espécies de Bacillus polymyxa (Mendes e Burdmann, 2009). Esta classe de antibióticos tem cinco compostos designados por polimixina A, B, C, D e E (também designada por colistina), e devido à toxicidade das polimixinas A, C e D apenas a B e a E são utilizadas clinicamente (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005). A colistina é comercializada sob a forma de sulfato de colistina e como colistimetato de sódio; este último derivado é menos potente, mas é também menos tóxico e apresenta menos efeitos secundários (Mendes e Burdmann, 2009). Já a polimixina B é comercializada apenas como sulfato de polimixina B (Mendes e Burdmann, 2009).
Quimicamente as polimixinas são constituídas por um anel heptapeptídico e uma cadeia tripeptídica lateral acilada por um ácido gordo; na colistina os aminoácidos são a D-leucina, L-treonina e o ácido L-α-γ-diaminobutírico e a polimixina B com a D- fenilalanina em vez da D-leucina (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005).
Contudo, apesar da eficácia das polimixinas contra a maioria das bactérias Gram-negativas ser elevada, estas foram associadas a efeitos secundários a nível renal e
neurológico, e, como tal, deixaram de ser tão prescritas à medida que foram introduzidos novos antibióticos com espectro de ação igual ou maior e com menos efeitos secundários (Falagas e Kasiakou, 2005). Porém, devido ao facto de já existirem bactérias gram-negativas resistentes à maioria dos antibióticos exceto às polimixinas e também devido ao facto de existirem poucos novos antibióticos com atividade contra as mesmas ressurgiu o interesse pelas polimixinas (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005).
A toxicidade renal causada pelas polimixinas é caracterizada pela elevação dos níveis de ureia e creatinina séricas bem como redução da depuração da creatinina; também pode surgir hematúria, proteinúria e oligúria (Mendes e Burdmann, 2009).
Relativamente ao mecanismo de lesão renal, este parece estar relacionado com o conteúdo do ácido L-α-γ-diaminobutírico e do ácido gordo da molécula; pensa-se que seja semelhante ao efeito do antibiótico na membrana externa bacteriana, isto é, há um aumento da permeabilidade da membrana, facilitando o fluxo de catiões, aniões e água, provocando edema da célula e lise (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005). Alguns estudos indicam que esta ação pode estar dependente tanto da concentração como da duração da exposição ao antibiótico (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005).
Histologicamente, verifica-se que há necrose tubular aguda e também nefrite intersticial aguda, observando-se dilatação irregular dos túbulos e formação de aglomerados de células polimorfonucleares e epiteliais (Mendes e Burdmann, 2009; Falagas e Kasiakou, 2005). Também estão reportados casos de separação dos túbulos por perda do tecido de colagénio (Mendes e Burdmann, 2009; Kim et al, 2009).
Porém, esta nefrotoxicidade é reversível após a descontinuação do tratamento, e o comprometimento da função renal pode resolver-se em cerca de 3-9 semanas (Kim et al, 2009).
A taxa de nefrotoxicidade das polimixinas é muito variável, devido ao facto da definição da nefrotoxicidade são ser estandardizada entre os estudos (Falagas e Kasiakou, 2005). Por exemplo, num estudo com 59 pacientes em que foi administrado colistimetato de sódio, 37% desenvolveram insuficiência renal aguda, sendo que esta foi mais frequente nos pacientes com alteração renal prévia (58%) que nos pacientes que
tinham função renal normal (27%) (Mendes e Burdmann, 2009). Já na polimixina B num estudo realizado por Furtado et al com 74 pacientes a nefrotoxicidade foi observada em cerca de 9,4% dos doentes (Mendes e Burdmann, 2009).
Alguns estudos têm associado a nefrotoxicidade das polimixinas a alguns fatores de risco. A administração concomitante de potenciais agentes nefrotóxicos, como diuréticos, anti-inflamatórios não esteroides, meios de contraste com iodo e outros antibióticos (ex: gentamicina), aumenta a probabilidade do desenvolvimento de efeitos secundários renais (Falagas e Kasiakou, 2005). Assim, é recomendado evitar o seu uso durante o tratamento com as polimixinas (Kim et al, 2009).
Relativamente à idade, as crianças parecem ter menos efeitos nefrotóxicos induzidos pelas polimixinas, provavelmente devido ao facto da prescrição das polimixinas, e geralmente também em toda a medicação prescrita para crianças, é baseada no peso corporal individual (Falagas e Kasiakou, 2005). Alguns estudos indicam também que a incidência da nefrotoxicidade aumenta com a idade (Kim et al, 2009).
A hipoalbuminemia também tem sido apontada como um fator de risco para o desenvolvimento de nefrotoxicidade induzida pelas polimixinas (Kim et al, 2009). Estudos realizados com animais mostraram que cerca de 55% da colistina se liga à albumina o que significa que os pacientes com baixos níveis desta proteína têm elevadas concentrações de colistina livre, aumentando, desta forma, a probabilidade de toxicidade renal (Kim et al, 2009).
– Cefalosporinas
A nefrotoxicidade das cefalosporinas depende sobretudo da concentração intracortical e da reatividade intrínseca do fármaco (Fanos e Cuzzolin, 2008). Dependendo do equilíbrio criado nas células tubulares através do transporte ativo, secreção e reabsorção, a concentração intracortical das cefalosporinas determina o desenvolvimento da nefrotoxicidade (Fanos e Cuzzolin, 2008; Kaloyanides, 1994).
De todas as cefalosporinas as mais nefrotóxicas são a cefaloridina e a cefaloglicina, e devido a este efeito adverso não são comercializadas (Fanos e Cuzzolin, 2008; Endou, 1998).
A cefaloridina é captada pelas células tubulares do sangue através do transportador de aniões orgânico (OAT, Organic Anion Transporter) da membrana basolateral (Takeda et al, 1999; Endou, 1998). Mas ao contrário de outras cefalosporinas menos tóxicas, a cefaloridina não é rapidamente transportada através da membrana luminal, obtendo-se, assim, elevadas concentrações do fármaco e danos seletivos ao nível das células do túbulo proximal (Takeda et al, 1999; Endou, 1998).
A acumulação de cefaloridina induz efeitos tóxicos através da peroxidação lipídica, inativação das proteínas tubulares e inibição competitiva da respiração mitocondrial (Fanos e Cuzzolin, 2008; Takeda et al, 1999; Kaloyanides, 1994). Histologicamente, a nefrotoxicidade induzida pela cefaloridina é caracterizada por necrose tubular proximal (Fanos e Cuzzolin, 2008). A cefotaxima tem a capacidade de diminuir o conteúdo de sódio, o que pode ser útil em casos de hipernatrémia e/ou excesso de fluido (Fanos e Cuzzolin, 2008). Além disso, algumas cefalosporinas como a cefalexina, cefaletina, cefoxitina e cefradin podem causar nefrite intersticial (Fanos e Cuzzolin, 2008).
A cefaloridina e a cefaloglicina são as únicas cefalosporinas capazes de causar danos renais quando administradas em doses terapêuticas; das restantes, só ocorrem danos se forem administradas em doses muito mais elevadas do que as que são habitualmente usadas (Fanos e Cuzzolin, 2008). A nefrotoxicidade in vivo das cefalosporinas ordenada de forma decrescente é a seguinte: cefaloglicina > cefaloridina
> cefaclor > cefazolin >cefalotina >>> cefalexina > ceftazidima (Fanos e Cuzzolin, 2008).
– Penicilinas
Em relação às penicilinas, não existem muitos relatos de complicações renais, exceto para a meticilina (Fanos e Cuzzolin, 2008). A meticilina é a mais tóxica causando nefrite intersticial aguda (Fanos e Cuzzolin, 2008). Estimou-se que cerca de 15% dos pacientes que receberam meticilina durante 2 semanas de forma continuada ou
intermitente (2 a 3 vezes por semana) desenvolveram nefrite intersticial (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002). Esta pode apresentar-se com hematuria, sozinha ou com outros sinais; em cerca de 10% a 40% dos pacientes ocorre febre, rash e artralgias, eventualmente acompanhadas por eosinofilia ou eosinofiluria (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002). A análise à urina mostra proteinúria, leucócitos ou hematúria (Fanos e Cuzzolin, 2008). A recuperação dos pacientes pode ser obtida através da descontinuação da administração do fármaco (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002).
– Carbapenemos
Os carbapenemos são uma nova geração de antibióticos β-lactâmicos, com uma grande atividade contra uma variedade de espécies de bactérias (Kim et al, 2008).
O potencial efeito nefrotóxico dos carbapenemos é maior do que o das cefalosporinas e penicilinas, sendo o imipenem e panipenem os carbapenemos mais nefrotóxicos (Fanos e Cuzzolin, 2008; Kim et al, 2008).
O imipenem e o panipenem são hidrolizados a nível renal pela enzima dehidropeptidase I que existe na membrana com orla em escova, originando metabolitos mais tóxicos (Fanos e Cuzzolin, 2008; Tune, 1997). Consequentemente, o imipenem é administrado juntamente com a cilastatina que é um inibidor da enzima dehidropeptidase I, a qual previne a nefrotoxicidade (Fanos e Cuzzolin, 2008; Tune, 1997). Já o paninem é administrado juntamente com o fármaco betamipron, que é um inibidor do transporte tubular de aniões orgânicos, com baixa toxicidade e que tem como ação a inibição do transporte ativo do panipenem no córtex renal, reduzindo, assim, o potencial nefrotóxico deste agente (Goa e Noble, 2003).
Em relação ao meropenem é um carbopenemo estável à enzima dehidropeptidase I, e, portanto, os estudos indicam que não induz nefrotoxicidade e, como tal, não é necessária a associação de nenhum fármaco para prevenir danos renais (Nouda et al, 1995).
O mecanismo de nefrotoxicidade do panipenem e do imipenem ainda não está bem esclarecido, mas parece estar relacionado com a sua estrutura, isto é, o caráter
básico da cadeia lateral do carbono 2 e o anel β-lactâmico parece estar relacionada com a distribuição e a reatividade dos fármacos, respetivamente (Nouda et al, 1995). Além disso, tanto o imipenem como o panipenem são acumulados intracelularmente pelo OAT (Nouda et al, 1995).
Histologicamente, o imipenem e o panipenem podem causar dilatação e necrose tubular (Kim et al, 2008).
– Macrólidos
A toxicidade renal causada pelos macrólidos é considerada rara, contudo, pode ocorrer glomerulonefrite, nefrite intersticial e falha renal aguda, com a administração de claritromicina, azitromicina e fluritromicina (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002).
– Sulfonamidas
A associação de trimetoprim com sulfametoxazol é frequentemente usada em crianças para a profilaxia das infeções urinárias (Fanos e Cuzzolin, 2008). Contudo, verificou-se que pode causar hipercalemia, porque bloqueia os canais de sódio, e pode também causar disfunção renal, especialmente em pacientes com disfunção renal preexistente (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002).
A sulfadiazina também pode causar danos renais, nomeadamente falha renal aguda através da formação de cálculos renais e obstrução do trato urinário, ou, embora mais raramente, através de nefrite intersticial aguda, necrose tubular, ou ainda por vasculite generalizada (Catalano-Pons et al, 2004). Tanto a sulfadiazina como o seu metabolito, a acetilsulfadiazina, são excretados na urina (Catalano-Pons et al, 2004). Este metabolito é um ácido fraco que pode precipitar quando o pH da urina é inferior a 7, formando assim os cálculos renais (Dusseault et al, 2009). A incidência de efeitos nefrotóxicos da sulfadiazina tem aumentado devido ao facto deste antibiótico estar a ser muito usado, sobretudo no tratamento da toxoplasmose em doentes infetados com HIV (Catalano-Pons et al, 2004; Dusseault et al, 2009). No que respeita à falha renal aguda a
incidência nestes pacientes pode variar entre 1,9% e 7,5%, mas a cristalúria é mais frequente e pode ocorrer em mais de 49% dos casos (Catalano-Pons et al, 2004).
Estes efeitos da sulfadiazina são raros em crianças (existem poucos registos) e em indivíduos não infetados pelo HIV (Dusseault et al, 2009).
– Quinolonas
Em relação às quinolonas, as reações nefrotóxicas são raras, mas podem ser graves havendo registos de casos de nefrite intersticial alérgica, nefrite intersticial granulomatosa, necrose tubular aguda e falha renal (geralmente não oligúrica) com a administração de ciprofloxacina (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002). As estratégias para o tratamento da nefrotoxicidade causada pelas fluoroquinolonas incluem a descontinuação do fármaco, manutenção adequada da hidratação e possível diálise temporária (Fanos e Cuzzolin, 2008; Guo e Nzerue, 2002).
– Considerações finais
Os antibióticos antibacterianos foram e continuarão a ser fármacos muito importantes e seguros na Saúde Pública, pois permitem eliminar a maioria das doenças microbianas, fazendo baixar a morbilidade e a mortalidade destas infeções. Estes fármacos têm um tropismo para a célula procariótica e exercem os seus efeitos nas diferenças biológicas que existem entre a célula bacteriana e as células humanas, e, portanto, teoricamente não devem ter qualquer atividade biológica no organismo humano. Porém, nem sempre são fármacos completamente inócuos, e, embora raramente, podem desencadear reações adversas no Homem.
Dentro do grande número de fármacos atualmente disponível a escolha de um deve ter em conta o binómio custo/benefício, devendo ser usados de forma ponderada e segura. No momento de escolha, há também que ter em atenção os fatores de risco que podem condicionar o aparecimento de uma resposta tóxica, como por exemplo, a administração concomitante de fármacos com o mesmo potencial de toxicidade (ex: administração de vancomicina com aminoglicosídeos), idade, peso, forma de administração, fatores genéticos (fenótipo e genótipo para a toxicidade por antibióticos relacionada com polimorfismos genéticos, como é o caso da isoniazida, cuja metabolização no fígado é geneticamente regulada, existindo pacientes com acetiladores rápidos e lentos), funcionalidade renal e/ou hepática, estado imunológico, etc. A história clínica é também importante, pois permite averiguar a exposição a determinadas substâncias, bem como os antecedentes de reações adversas. Um outro fator a ter em conta é a administração de antibióticos com influência no sistema do citocromo P450 hepático, que pode influenciar o teor sanguíneo de medicamentos coadministrados também com metabolização hepática, uma vez que existem antibióticos que podem reprimir o citocromo (ex: alguns macrólidos) e provocar um aumento da concentração de fármacos (ex: varfarina, teofilina, etc), e outros que são indutores (ex: rifampicina, que faz baixar o teor hormonal dos contracetivos).
Contudo, os efeitos secundários dos antibióticos estão mais relacionados com agentes específicos de uma classe, do que com toda a classe terapêutica, sendo, por vezes difícil a sua avaliação, quando, por exemplo, são administrados mais do que um
fármaco ao mesmo tempo ou se o início da toxicidade não se revela logo no início do tratamento.
De salientar ainda que, os efeitos secundários têm não só implicações importantes para o paciente, mas também para uma instituição de saúde a nível legal e económico, assim como implicações medicolegais para o médico. Torna-se, então, essencial que os profissionais de saúde estejam familiarizados com os efeitos mais comuns dos antibióticos mais frequentemente prescritos, e talvez sejam necessários melhores estudos clínicos antes da introdução dos mesmos, de forma a minimizar as potenciais reações adversas.
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Obs. As figuras estão no trabalho original e podem ser obtidas na Universidade.