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12/02/2018
Divisor de àguas

Ela já era minha cliente quando eu vendia joias para poder pagar meus cursos de estética. Naquela época, as pessoas podiam sair na rua usando ouro, brilhantes e qualquer joia que tivesse. Ela, sempre vaidosa, tinha muitas delas e mensalmente eu passava em sua loja.

Tínhamos uma ligação de amizade que se tornou íntima.

Nessa época, ela conheceu um senhor viúvo e os dois se apaixonaram, era lindo vê-los juntos. Apesar de ele ser bem mais velho, sua maneira de trata-lo era sempre “filhinho”. E assim ele acabava sendo chamado até pelas amigas dela.

Teve que lutar por esse amor, já que ele tinha filhos, que não ficaram nada satisfeitos de ver o pai se apaixonar de novo.

Mas, como aquela pessoa que não foge a luta, ela foi em frente e eu me lembro até hoje, do dia que passei na sua loja e ouvi-la dizer baixinho pra mim:

“Vamos casar, já saíram os editais, mas ninguém sabe”.

E assim fizeram...

Sem dar explicações, apenas participaram sua decisão nas vésperas da cerimônia.

Muitas caras feias, muitas lamúrias eles ouviram, mas nada nem ninguém conseguiu separar aqueles dois.

Depois de um tempo que eu tinha me formado como esteticista e técnica em fisioterapia, ela resolveu me dar a oportunidade de cuidar e mostrar meu trabalho.

Lembro-me que quando terminei sua primeira limpeza de pele, ela me olhou nos olhos dizendo: “Menina, você tem o Dom!”

E assim nossos encontros passaram a ser semanais, eu cuidando de sua pele e corpo.

O sucesso com o resultado foi tão bom, que ela passou a me recomendar para todas as pessoas de seu relacionamento e devo dizer que, se existe uma pessoa bem relacionada e querida, é ela.

Em pouco tempo, passei a receber em minha sala de estética a mais fina camada da sociedade santista. Fui ficando conhecida em todos os cantos dessa cidade e por pessoas que eu jamais imaginei que conseguiria contato.

Passei a ser convidada para as festas, almoços e jantares beneficentes, aniversários, tudo graças a essa grande dama.

Sempre que eu ficasse constrangida, dependendo dos lugares, ela sempre me dizia...

“Eu estarei lá, e você ficará comigo”.

Uma vez, num jantar chique, deparei-me pela primeira vez com nomes franceses para os pratos e fiquei um tanto confusa perguntando a ela o que era “Crêpe Suzette”. Sua resposta foi hilária, fantástica. Ela simplesmente me disse: “É uma panqueca metida a besta!”

Fui muito feliz nesse período. Mas... sempre tem o “mas”...

O “filhinho”, seu marido querido, quedou-se doente. Incansável ao seu lado, ela ficava a cada internação, cada cirurgia... deu o melhor do seu melhor... até que ele partiu.

Ah... quanta dor!

Minha querida amiga, de sorriso fácil, nunca mais foi a mesma. Seus olhos passaram e ter uma nuvem de tristeza.

Ela tentou, bem que tentou por vários anos levar á frente o que prometera a ele... “Não largar a loja”

Mas os inimigos ganharam força, aos poucos, mas sem trégua, tiraram a vontade da luta de minha querida protetora...

Ela cansou...

Um dia, sem mais nem menos, bem típico dela, com toda sua dignidade, ela saiu daquele lugar onde tanto lutou, sem olhar para trás.

Disse-me então, quando a revi depois de longos anos separadas...

“Preciso de paz de espírito e não de fortunas para continuar vivendo e tendo saúde para levar adiante as lembranças eternas do meu amado filhinho!”

Dignidade - Ela é isso!

Essa é minha homenagem a você M.L.M.

Selma Esteticista