Numa das visitas que fiz ao amigo Paulo, lá na Vila Buarque de São Paulo, ele que era, como se dizia, psicólogo, como eu o soube foi o único demitido dos estudos de uma fraternidade mística existente aqui no Brasil. Eu nunca soube ao certo o motivo porque o dispensaram dela. Naquele dia, então, o pai do Paulo também esteve presente naquele “consultório” que mais se parecia com um escritório. Enquanto eu conversava com o Paulo, aquele pai sempre nos interrompia e dizia pra mim: O senhor não sabe como é triste não ter o que fazer. Concordei com ele e continuei a conversa com o Paulo. Outra vez ele interrompeu a conversa para me dizer a mesma coisa que me disse anteriormente. Concordei com ele outra vez, mas, “o senhor não sabe como é triste não ter o que fazer”, se repetiu outras vezes e eu fiquei a pensar que aquele homem estava mentalmente perturbado.
Mais ou menos um mês depois, quando membros da família dele estavam ausentes no litoral, ao retornarem o encontraram morto. Lembrei-me então do “o senhor não sabe como é triste não ter o que fazer”. Será que ele já estava cansado de viver? Lembrei-me também de quando ao falar para o Paulo algo contra a maçonaria, o pai dele me repreendeu: Isso é mentira! Devia ser mesmo, porque, aquele senhor devia saber, pois, ele era maçom e do grau trinta e três, conforme o Paulo me informou. Também, ele era um dos membros pioneiros do Brasil de uma muito conceituada fraternidade mística, a mesma da qual o seu filho Paulo se encontrava dispensado dela e que, cuja Sede Central dela encontra-se em São José do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Conforme soube pelo Paulo, o pai dele foi também o autor de um livro sobre tributação que foi sucesso de vendas e era ele quem preparava o imposto de renda para o então ex-presidente, senhor Jânio Quadros. Fora curioso como no fim de sua vida ele se encontrava desconsolado dela por não mais ter o que fazer.
Da última vez que fui visitar o Paulo, meu amigo Romeu, esteve comigo. Sentados junto a uma mesa defronte ao Paulo que estava sentado do outro lado dela e o Romeu estando à minha direita, nossa conversa estava fluindo normalmente quando sem nada dizer o Paulo retirou de uma gaveta uma pistola automática. Esse gesto não interrompeu a nossa conversa que continuou até meio indiferente com a visão daquela arma. Mas, o Paulo, surpreendente, primeiro apontou-a para o meu rosto enquanto “sem querer” movia a mira dela de um lado a outro e quando a mantinha sem se mover ela ficava apontada para a minha testa. Durante segundos parecidos intermináveis diante de minha aflição, eu só fiquei a olhar para aquela arma sem esboçar qualquer reação. Depois o Paulo repetiu essa façanha com o Romeu. O Romeu também não se intimidou e continuou a falar como se nada de anormal estivesse acontecendo, embora, às vezes fixasse o olhar naquela arma apontada para ele sem qualquer justificativa para isso.
O alívio só veio a surgir quando o Paulo deixou de nos focalizar aquela arma e em seguido retirou o “pente” dela, o carregador completo com a quantidade de suas balas mortíferas. Se nos existia dúvida se a arma estava carregada ou não, ela foi desfeita quando eu e o Romeu vimos o Paulo retirar o carregador dela. Será que o Paulo quis testar nossa coragem ou o nosso sangue frio? Não me lembro se entre nós surgiu algum assunto sobre aquela arma, pois, logo eu e o Romeu sem termos entendido o porquê daquela “ameaça psicológica”, nos despedimos do Paulo e quando já fora daquele prédio aonde íamos para visitar aquele “amigo”, falei para o Romeu: Nunca mais voltarei aqui, porque, o que o Paulo nos fez nunca se deve fazer. De fato nunca mais voltei, mas, o Romeu voltou e às vezes me dava notícias do Paulo, como, da doença estomacal que o estava afligindo.
O Paulo, novo ainda, morreu no mês de março de 1990. Com o Romeu estive na “missa do sétimo dia” por intenção da morte dele que ocorreu próximo ao Viaduto Tutóia que fica sobre a Avenida Vinte e Três de Maio em São Paulo. Isso, no dia dezesseis de março, no mesmo dia em que no Brasil, sob a presidência do então Fernando Collor de Mello foi confiscado o dinheiro da poupança de todos os brasileiros que a possuíam. Foi depois daquela missa que vim a conhecer alguns dos familiares do Paulo. A igreja não esteve repleta e notei a ausência dos “amigos” que pertenciam à mesma fraternidade da qual o Paulo pertenceu. Ao ouvir o Romeu conversar com a esposa do Paulo, ouvi-a dizer que ela odiava aquela instituição mística e filosófica a que ele, seu marido, pertenceu. Entretanto, o motivo de tal repulsa, eu e o Romeu não ficamos sabendo. E aqui termina esta narrativa sobre um companheiro de aprendizados incomuns para a maioria do viver comum. Por motivos óbvios não foram escritos os sobrenomes dos envolvidos nesta crônica, ou, nesta história vivida por mim.
Altino Olympio