As reservas externas chegam aos US$ 80 bilhões, um avanço de 40,6% sobre as posições do início do ano. Se já não atingiram esse nível sexta-feira, atingirão nos próximos dois dias úteis.
Antes de avançar, vamos logo reconhecer dois pontos: (1) como as reservas estão acima da dívida do setor público brasileiro no exterior, conclui-se que o Brasil deixou a condição de devedor e passou à de credor externo líquido; e (2) como a maior parte das reservas está aplicada em títulos do Tesouro americano, segue-se que o Brasil agora é um emprestador líquido de recursos para os Estados Unidos.
O atual movimento de compra de dólares pelo Banco Central começou em janeiro de 2004. Àquela altura as reservas líquidas estavam a US$ 25 bilhões. Isso significa que, de lá para cá, apenas o Banco Central comprou US$ 55 bilhões.
O Tesouro também se abasteceu no câmbio interno para pagamento antecipado da dívida externa. Além disso, tanto o Banco Central como o Tesouro puseram-se a trocar dívida em dólares por dívida em reais.
Oficialmente, as autoridades do Banco Central afirmam que a compra de dólares e/ou troca de dívidas se destinou a reduzir a forte volatilidade do câmbio. Ninguém acredita nisso. O principal objetivo das operações foi e ainda é impedir que as cotações do dólar mergulhem no câmbio interno. Não fosse isso, o dólar estaria sendo negociado abaixo de R$ 1,80 (ontem fechou a R$ 2,152).
Não custa insistir num ponto nem sempre levado em conta. A formação de reservas implica custo fiscal. É que toda compra de dólares exige emissão de reais (os mesmos destinados ao pagamento dos dólares). Para evitar que esse despejo de moeda cause inflação, o Banco Central se encarrega de retirá-la do mercado por meio de venda de títulos públicos. Assim, os compradores desses títulos devolvem os reais. A expansão da dívida em reais não aumenta o endividamento público total porque a ela corresponde o equivalente em reservas.
O custo fiscal vem em seguida. O Banco Central usa esses dólares para comprar títulos públicos de países ricos que remuneram em torno de 4% ao ano. Como o Banco Central paga hoje de 10% a 13,75% ao ano pelos títulos em reais, segue-se que, com reservas de US$ 80 bilhões, a perda anual com essa diferença de juros é de cerca de US$ 6,4 bilhões.
Boa e irrespondível pergunta consiste em saber até quando o Banco Central seguirá comprando reservas. Em outubro de 2005, quando atingiam os US$ 40 bilhões, o economista brasileiro da Universidade de Princeton, José Alexandre Scheinkman, advertia que as reservas já tinham passado o limite do aceitável. Em pouco mais de um ano, dobraram e, no entanto, nem se vê disposição do Banco Central de parar as compras, nem Scheinkman voltou a advertir que há reservas demais. Qual é o critério para se saber que passaram do ponto? Até os anos 80, entendia-se que o volume adequado seria o que cobrisse três meses de importação - para dar cobertura a eventual crise de pagamentos.
Depois se viu que, no mundo todo, o fluxo financeiro passou a ser mais importante do que o fluxo comercial e ficou mais difícil definir quanto seria preciso empilhar para acudir a eventuais fugas de capitais. A coisa ficou mais complicada porque, no regime de câmbio flutuante, como o que vigora hoje, o ajuste diante de uma situação de crise não se faz mais por meio de movimentação de reservas, mas por meio de alteração das cotações do dólar. De todo modo, não se amontoam mais reservas para blindar a economia, mas para impedir o afundamento da cotação do dólar.
Seguir comprando reservas indefinidamente implica assumir que um país pobre (Brasil) se dedique a emprestar dinheiro para os Estados Unidos. Implica, também, que o Banco Central assuma novos e crescentes encargos fiscais (despesas públicas).