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13/09/2006
Para onde vão nossos impostos

"O Brasil tem carga tributária de primeiro mundo e serviços sociais de terceiro mundo". Esta frase tem sido dita e repetida sistematicamente por empresários, analistas, políticos, candidatos a diferentes cargos legislativos e executivos, profissionais liberais, etc., e está se tornando um lugar comum na imprensa falada, escrita e televisiva do País. Não há dúvida de que a carga tributária brasileira é extremamente elevada, 37% do PIB, e cresceu substancialmente nos últimos oito anos. Neste sentido a frase que inicia este artigo é correta. A carga tributária no Brasil é comparável à carga tributária de países ricos do primeiro mundo. Entretanto, será que o complemento da frase, "e serviços sociais de terceiro mundo", está correta? E caso a resposta a esta pergunta seja afirmativa, para onde vai o dinheiro arrecadado?

Comecemos pela segunda pergunta, para onde vai o dinheiro arrecadado pelo Estado através dos tributos. O governo brasileiro gasta 13% do PIB com aposentadorias e pensões, gasta 4,5% do PIB em educação e 7,5% do PIB em saúde. Ou seja, somando os gastos com estes três serviços sociais, chegamos a um total de gastos correspondente a 25% do PIB do País, o que significa 68% do total de impostos arrecadados. Se acrescentarmos mais 5% do PIB de pagamento de juros da dívida pública e 4,25% correspondente ao superávit primário do setor público necessário para diminuir a dívida e, portanto, os juros no futuro, chegamos ao total de 34,25% do PIB. Sobraram 3% do PIB para os demais gastos, infra-estrutura, segurança, agricultura, ciência e tecnologia, etc. Como este dinheiro é considerado muito pouco para as necessidades destes setores, o governo brasileiro tem um déficit anual, ou seja, gasta mais do que arrecada de tributos, de aproximadamente 4% do PIB. Portanto, para todos os outros setores, mais a manutenção do Estado, são destinados 7% do PIB a cada ano (os 3% que sobraram mais o déficit nominal de 4% do PIB).

De todas as rubricas de gastos descritas alguns dirão que o total de recursos destinado ao pagamento de juros está excessivamente elevado e poderia ser reduzido. Entretanto, ainda que fosse possível cortar a taxa de juros real à metade, ou seja, em 5 pontos porcentuais, sem gerar pressão adicional sobre a taxa de inflação, algo que parece difícil de acreditar, a economia de recursos seria da ordem de 2,5% do PIB. Um valor significativo, mas insuficiente até mesmo para eliminar totalmente o déficit nominal do setor público. Algo adicional teria que ser feito para viabilizar uma redução da carga tributária sem gerar aumento do déficit público e, portanto, sem risco de volta da inflação.

Dos itens descritos, as proporções dos gastos com saúde e educação estão basicamente dentro da média internacional. Entretanto, os gastos com aposentadoria e pensões estão totalmente fora do padrão. O Brasil tem 6,5% de sua população composta de idosos, pessoas com 65 anos ou mais. Países com esta porcentagem de idosos na população gastam, em média, 6% de seus respectivos PIBs com esta rubrica. Ou seja, gastamos o dobro da média internacional. Estamos nos mesmos níveis de países europeus velhos, como França, Portugal, Holanda, etc., que têm mais de três vezes a proporção de idosos na população que o Brasil. Países asiáticos, como a China e a Índia, que nossos analistas gostam de citar como sendo exemplos a serem seguidos pelo Brasil, ou não têm qualquer sistema de Previdência Social (Índia) ou gastam menos de 2% do PIB com esta rubrica (China e Coréia do Sul).

Suponha que o Brasil gastasse a média internacional com Previdência e assistência social. Ou seja, 6% de seu PIB. Neste caso, o total de gastos com os setores sociais (Previdência, assistência, saúde e educação) seria de 19% do PIB e o total dos gastos públicos, excluindo o pagamento dos juros da dívida, atingiria 26% do PIB. Se mantivéssemos os gastos com os demais setores em 7% do PIB, teríamos um superávit nominal de 4% do PIB. O resultado seria uma queda dramática dos juros da dívida pública e uma redução ainda maior nos gastos totais, incluindo juros. Com isto, a carga tributária poderia ser reduzida sem qualquer risco de volta da inflação.

Suponha que, diante deste cenário, os juros possam cair à metade, o que economizaria mais 2,5% do PIB e o superávit nominal seria de 6% do PIB. Neste cenário, o governo poderia reduzir a carga tributária em 3 pontos porcentuais do PIB e, ao mesmo tempo, aumentar os investimentos em infra-estrutura, segurança, educação, etc. e investimentos em geral em mais 3 pontos porcentuais do PIB, ainda assim, preservando o equilíbrio das contas públicas. Suponha, finalmente, que da queda de 3 pontos porcentuais do PIB da carga tributária, 1 ponto porcentual seja convertido em investimentos pelo setor privado. Nesse caso, teríamos um aumento da taxa de investimento da ordem de 4 pontos porcentuais do PIB, o que elevaria a taxa de investimento total de 21% para 25% do PIB do País, o que permitiria à economia crescer sustentavelmente a taxas acima de 5% ao ano.

Podemos agora responder à primeira questão colocada no primeiro parágrafo deste artigo. Ao contrário do que a afirmativa sugere, nosso sistema de aposentadoria e assistência social é muito mais generoso que o de qualquer país do primeiro mundo. O resultado é que gastamos muito com nossos idosos e, como resultado, sobra pouco para ser gasto com a educação de nossas crianças, com segurança, infra-estrutura e com investimentos em geral. O governo brasileiro gasta 15 vezes mais per capita com as aposentadorias e pensões de nossos idosos do que com a educação de nossas crianças. Talvez por esta razão os outros serviços sociais oferecidos pelo governo, saúde e educação, por exemplo, sejam de terceiro mundo, como sugere a afirmativa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em recente entrevista a uma emissora de rádio, foi muito feliz ao afirmar que esta foi uma escolha da sociedade, implementada pela Constituição de 1988.

A lição é simples: para reduzir a carga tributária é indispensável uma drástica reforma do sistema de Previdência e assistência social que diminua estes gastos como proporção do PIB senão no presente, pelo menos no futuro. Como o atual sistema previdenciário e assistencial foi uma escolha da sociedade, devemos perguntar se ela está disposta a mudar esta escolha. Porém, nenhum candidato, inclusive os que defendem menos impostos, parece disposto a enfrentar este problema de forma clara e transparente ao longo da campanha. E, sendo incapazes de enfrentar e discutir o problema ao longo de suas campanhas, os políticos que defendem redução da carga tributária, quando eleitos, não têm a legitimidade necessária para propor uma reforma realmente profunda do sistema de Previdência e assistência social e não encontram outra solução senão aumentar os impostos e, com isto, evitar que o desequilíbrio fiscal resulte em volta da inflação. O resultado final é que pagamos cada vez mais impostos e crescemos cada vez menos. ([email protected])


José Márcio Camargo