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29/12/2016
Quando o bem não faz bem!

Há alguns anos eu cometi uma tremenda besteira.

Uma besteira destas que não imaginamos o quanto pagaremos no futuro.
Estou segura que muitos não acharão que se trate de uma tolice, e que outros julgarão um ato de irresponsabilidade enorme de minha parte.
Mas a idéia aqui é um “conforto” já prejulgado do que num momento foi um ato de solidariedade e até amor, e se transformou num martírio em minha cabeça e um sofrimento sem precedentes em meu coração.
Em um passeio com meus filhos por uma Instituição de Equoterapia para crianças incapacitadas (entrei por mero acaso neste lugar, se é que existe acaso!), vi uma pequena caixa com um cachorro minúsculo e uma placa em cima grudada num poste: “Para adoção”! Perguntei quem o havia encontrado, em que situação, onde ficava enquanto esta caixa estava exposta à intempérie. As respostas foram simples: “estava jogado na praia, quase morrendo e o trouxemos para cá mas a verdade é que será atirado de novo caso ninguém adote porque não podemos estar com mais um animal aqui”.
Meus filhos, no auge de suas benevolências e em desespero agoniante: “Mãe, ela morrerá!”. Feito! Serena foi para casa conosco. Pequena e desnutrida, não pensei que sobreviveria. Mas sua vontade de viver era maior que a de qualquer cretino que a jogou na rua.
Já tinha em casa uma Boxer: Julieta a quem amava incondicionalmente. Rapidamente se adaptaram e dormíamos todos juntos.
Julieta foi “vítima” de uma enfermidade autoimune, que por mais uma destas coincidências da vida, eu sofro também. Pois é, minha Julieta tinha a mesma doença que eu! Quando percebemos que ela começou a não comer e seu maxilar estava travado, corremos ao veterinário e a ¨Odisséia¨ começou. Uma valente guerreira, fiel lutou bravamente até o diagnóstico final. Esteve internada, à beira da morte mas voltou para nossos braços por um tempo curto. A doença avançou a galopes e ela não resistiu.
Julieta levou um pedaço de meu coração. E sem dúvidas fez jus inafortunadamente a seu nome.
A esta altura tenho que contar que havíamos adotado dois gatos encontrados na rua ainda envoltos na placenta da mãe gata. Então, tínhamos Serena, Julieta, e meus dois gatos: Romero e Paris.
Bom, voltando um pouco antes de Julieta deixar-nos, enquanto ela estava internada entre a vida e a morte, percebi que um dos gatos não respirava bem e já com a sensação da perda tão próxima, saímos como loucos ao “santo veterinário”! Colocamos Romero na maca e ele simplesmente morreu! Assim, sem explicações, sem tempo para nada. Todos, parados diante Romero morto sem nenhuma explicação. Um filme de terror? Uma brincadeira do destino?
Chocados regressamos para casa.
Seguíamos aguardando Julieta e uma boa notícia que como sabem, não chegou. Ela faleceu depois de 2 semanas de Romero.
Serena e Paris. Meus filhos. Corações destroçados.
Paris após a morte de seu irmão começou com o mesmo problema e desta vez, sedado o levamos a tempo de ser diagnosticado com um problema genético em seu pequeno coração, o que provavelmente ocasionou a morte de seu irmão também.
Remédios, injeções diárias. Seus pulmões entraram em falência, sua traquéia afinou e ele já não comia e mal respirava. A veterinária não tinha uma sílaba em sua boca para confortar a nenhum mais em minha casa.
Paris não resistiu e 3 semanas depois da morte de Julieta, morreu vagarosamente e em profundo sofrimento.
A esta altura já não sabia se eu era a culpada por tudo no mundo, e muito menos que palavras dizer a meus filhos.
Então, veio o que uma multidão aclamava como minha derrocada imbecil:
“Dona Daniele, eu encontrei esta cachorra na rua que acaba de ter filhotes e está embaixo de chuva e sol. Sua casa é grande, por favor receba-as por um tempo para que eu possa acomoda-las em outras casas”!
Não sei se queria compensar um pouco a dor de meus filhos ou a minha própria, ou se dizer um “não” ecoaria em minha alma como: “realmente você é má!” Mas recebi Dayse e seus 9 filhotes.
Serena uma grande companheira ajudou a cuidar dos filhotes e Dayse não se movia do banheiro onde a deixava com sua cria. Tinha medo de tudo. Dayse tinha apenas 8 meses e 9 filhotes.
Não posso negar que foi um alívio ao coração de todos ajudando Dayse com seus bebês.
Hora da adoção: cada um que saia pela porta era a alegria de um futuro melhor e uma despedida grata.
Mas 3 filhotes não conseguirão casa e Dayse tampouco.
O tempo passou e ficaram conosco. Simples assim novamente.
Mudei de casa duas vezes, e levei minhas 5 cachorras.
O mínimo que escutava é que sou louca, irresponsável, e muitas outras barbaridades que até têm sua verdade inconteste.
Dei casa, comida, vacinas, castrei todas.
Fui perseguida por muita gente pelas travessuras de minhas filhotes que adoravam correr por um rancho onde vivi por um ano.
Mas entre as brigas com caseiro e minhas cachorras: fiquei com minhas cachorras e mudei de casa.
Para esclarecer: vivo num país onde não existe o mínimo de consciência sobre a problemática canina de procriação de cachorros de rua. Trocando em miúdos: as pessoas não castram os seus animais domésticos e quando se cansam jogam na rua. Mais uma vez: simples assim. E ainda existe uma multidão de idiotas que “cruzam” seus bichinhos com a intenção de vendê-los. Como assim? Há um problema de saúde de tantos cachorros e gatos de rua e tem gente tentando vender cachorros e gatos?
Exatamente!
Só que eu não esperava o que estava por chegar à minha vida.
Terei que mudar de país. E não posso levar nenhuma de minhas cachorras: Serena, Dayse, Milly, Estela, Ursa.
Meu mundo desabou.
Minha cara esta no chão cheia de lama pela vergonha de mim mesma comigo mesma.
Olho para elas e tenho vontade de entrar em uma nave espacial de qualquer planeta e fugir com todas e meus filhos.
Mil dedos apontando na minha cara com a frase “eu avisei”!
Avisou o que? Queria que eu deixasse morrer de fome na rua enquanto eu podía dar um lar?
Aí vem os grandes e geniais conselhos: “deixa numa instituição para cachorros!”, “o fulano pode cuidar delas” (sendo que o fulano tem vários mau cuidados ), “coloca anúncio na internet”! Entendo que no final não há muito o que aconselhar e talvez eu não consiga escutar a ninguém porque minha consciência esta pesada demais para isto.
Meu Deus, são minhas cachorras! Não posso doa-las para um desconhecido, aliás nem há desconhecido para doar já que aqui cachorro é colocado na laje da casa sem teto para dormir.
Busquei um sítio numa pequena cidade para construir um espaço para elas mas cheguei a conclusão que não irão cuida-las já que estarei somente uma vez por mês aqui para ve-las.
Mandei mensagem ao chat de minha família perguntando se alguém poderia adotar, já que são pessoas de minha total confiança. Me propus a leva-los a meu país, seja onde fosse. Mas o silêncio foi geral. E entendo, ninguém tem nada com isto!
Me sinto sozinha nesta novela literalmente mexicana.
Liguei para dita veterinária e contei o trágico drama de meu momento mas seu “grande amor” também foi limitado o suficiente para dizer: “como assim, leve-as”! “Senhora não estou mudando de país porque quero deixa-las, eu preciso ir e jamais pensei que isto passaria, a questão não é dinheiro para leva-las mas o fato de não aceitarem”! Me bloqueou de seu whats!
O problema é seu garotinha inconsequente!
Vire-se!
E aqui sigo obcecada por meus pensamentos compulsivos de como pude achar que seria capaz de fazer um bem sem medir a quem?
Longe de ser vítima, me sinto uma tremenda F…..já que agora farei todos sofrerem : elas, meus filhos e o pior não tenho solução para isto por hora porque num país em que jogam na rua seus próprios cachorros, como posso confiar que mesmo pagando darão comida e carinho aos meus?
Deixo aqui um desabafo e uma reflexão que seguramente faz parte de meu amargor por toda esta epopéia que causei: que tanto valeu este suposto bem que achei estar fazendo a estes seres e a minha família, se a própria vida agora vem me ensinar um desapego que não tenho, uma despedida que não sei como executar? Quanto de verdade houve de “bem” nesta história? Por que sou cobrada de maneira tão implacável por mim e por meus queridos amigos animais? Como posso encontrar um lar de amor e consciência a meus companheiros se nem eu mesma pude ser fiel a eles?
Provavelmente muitos dirão que deveria ter pensado antes de adota-los mas pensar em que? A morte ou dar lhes um lar?
Como sigo acreditando que posso ser alguém de bem?
Sim, a loucura bateu na minha porta várias vezes mas desta vez estou perdidamente arrasada por pensar que terei que dizer adeus e não tenho uma solução para este magnânimo episódio de dor.


Daniele de Cássia Rotundo Lima