“Somos órfãos de tantos sentimentos que nos encapsulamos num medo corrente da vida desnuda”.
Quantas vezes as agruras de um comportamento recorrente nos arrebata o princípio do finito num ato ilegítimo de desespero, como único meio plausível de vencer o invencível, pelos mesmos vícios contaminantes de insistentes visões turvas da criação verdadeira?
Quantas vezes a solidão degolante nos divide entre o ontem, o hoje e o incertidumbre do amanhã, afugentando as larvas inquietas de sensação infinita a contaminar cada centelha, por dito, divina e, por fato, apodrecido de nossa plenitude ausente?
Quantas vezes embriagados pelos rumores de nossa mente exausta e stressada de querer viver o que não se vive, e viver o que não se quer, nos dirigimos aos falsos remédios metódicos e temporários na ânsia de curar com placebos cor de cinza, o que só tem recuperação com todo arco-íris da libertação das raízes fétidas dos mesmos placebos indigestos?
Quantas vezes nos insertamos num franco processo de recuperação às avessas de nossos cânceres, feridas, machucados, arranhões, pequenos desapegos da frágil pele de nosso gigantesco corpo, e, fielmente decididos a emergir, como uma fênix, nada restauramos, curamos, amenizamos porque o dito processo de recuperação estava na contramão e não damos conta que de regeneração não há nada senão o suicídio inconsciente do já degenerado?
Quantas vezes a raiva pelo destino fracionado em pingos de tempo marcados e determinantes, sustenidos pela eterna sensação da morbidez de ações frágeis, toma forma de matéria pungente e somos feras crentes na resignação inexistente, com a desculpa do desabafo inconsequente?
E assim, sempre e sucessivamente, grandes ocos transmutam-se em crateras carborizadas, vagantes do lado de fora, onde vive nossa aura e, do lado de dentro, onde habita nossa alma!
O triturar corrosivo numa pseudo-destruição vai apagando o olhar, o ouvir, o sentir, o amar, e por fim, e derradeiramente, o sonhar!
Torpes e entorpecidos, bêbados e embriagados, já não sabemos onde residimos, domiciliamos ou mendingamos o afeto perdido pelo exacerbado afeto aos desafetados.
Com tanto fervor de ansiamos afeto de um desafetado; que de nosso afeto por afeto só nos resta a sensação de um feto! Um feto! E que seja o princípio novamente, do finito, certamente ainda afetado por tantos desafetos mas um feto que, no início da certeza de seu desconforto incomplexo, compreenda a importância da consciência da necessidade de construir-se com muito afeto, já despido dos vazios e completos lixos de tantas tentativas sorrateiramente abarrotadas no canto do quarto da vida de busca em busca de não sermos tão órfãos de nossos afetos.
E o que fazemos, se perplexos por frutracões nos perdemos e, com delongas procuramos este afeto de sermos mais humanos e menos complexos?
Sem receio mergulhemos no íntimo de todo este *“parpadeo” de problemáticas inerentes e pertinentes a todos seres díspares e quase-despertos, e nasçamos do zigoto minúsculo mais uma vez, para não mais lamentar a perda do caminho, que de caminho só traz a ilusória percepção de um espaço, que de espaço , só tem a palavra mal compreendida da eternidade, de inúmeras oportunidades de refazer o já refeito e agora o feito.
E que seja Feito, quantas vezes se morra nosso ser órfão de seus próprios sentimentos!
Desnudos, emendemos e, novamente, tentemos!
*parpadeo = pestanejar.
Daniele de Cássia Rotundo