O artigo "Sonegação Fiscal - O crime compensa?", de autoria do ex-ministro Gustavo Krause, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, causa estranheza. Como um estudioso e ex-ministro pode ter uma visão tão arcaica, distorcida e, por que não dizer, visão de gabinete, sobre a sonegação no Brasil? Provavelmente discutida apenas entre seus pares, num viés irreal e destruidor para a Nação. O jornal O Estado de S. Paulo abriu espaço, no dia 03/02/03, para o delegado de polícia Rubens Rezende Leite, ex juiz do Tribunal de Impostos e Taxas, para publicar mais uma matéria abordando a sonegação. Essa matéria mostra o enorme desconhecimento que essa pessoa tem de como sobrevive uma empresa no Brasil.
Vou usar como exemplo a questão dos desempregados. Há cerca de 30 anos, quando acontecia uma batida policial, todos tinham que apresentar suas carteiras de trabalho assinadas, como prova de que não havia ali nenhum desocupado. Em São Paulo, por exemplo, quando alguém era abordado e não a exibia, era imediatamente encaminhado para a Delegacia de Vadiagem, que funcionava no centro da cidade, na Rua Florêncio de Abreu. Quem não trabalhava, nos anos 60 a 70, era classificado como vadio. Se hoje houver uma batida, a última coisa que o policial procurará saber é se o sujeito possui um emprego. Isso porque o próprio policial tem consciência de que, em hipótese alguma, os milhões de desempregados podem ser chamados de vadios.
O sonegador de impostos de 30 ou 40 anos atrás é hoje o Guerrilheiro Tributário, pois uma política mais do que perversa acabou com qualquer sonho ou possibilidade de uma empresa sobreviver sem que seja obrigada a praticar algum tipo de sonegação. Desde os milhões de marreteiros, que montam suas barracas em frente às lojas e vendem toda a sorte de mercadorias sem nota fiscal e sem recolher qualquer tributo (a não ser para a máfia dos fiscais). Além disso, e até mais grave, é ter qualquer atividade comercial num raio de 1 km de distância de uma megaloja, uma potência estrangeira como Wal-Mart, Carrefour, Sans Club e outras. Esta regra dízima todo o comércio ao seu redor, desempregando não só o trabalhador como também o pequeno empresário, que fica em situação ainda mais difícil.
A rede Wal-Mart tem anunciado grandes prejuízos em suas operações no Brasil, em milhões de dólares nos últimos anos. Todo esse capital deveria ser classificado de dumping comercial. E, no entanto, o dono de um pequeno comércio que fechou as portas é um sujeito sem curriculum, um fracassado, que só sabe tocar pequenos negócios próprios. Ele vai tentando sobreviver como um Guerrilheiro Tributário, rezando para não ter que abrir seu negócio aonde existam as máfias chinesas, coreanas ou outras, que cobram "os extras" a todo o momento. Imagine um imigrante, sem curriculum, tentando arranjar um emprego. O único emprego disponível é um pequeno negócio próprio. Ou existe outra possibilidade?
Se os que querem formular as políticas tributárias não fizerem o trabalho que os agentes sociais fizeram, indo a fundo para estudar e discutir a forma de trabalhar a miséria, a pobreza e o desemprego, nós não teremos a grande chance de resolver o holocausto das pequenas e médias empresas brasileiras.
Ao contratar mais mão-de-obra e pagar os salários em dia, as pequenas e médias empresas geram a melhor carga tributária no País. O dinheiro em circulação movimenta o mercado econômico, propiciando aos funcionários a aquisição de bens e produtos, muitos dos quais carregam volumosos impostos, como o dos cigarros, bebidas, alimentos, equipamentos de som, entre outros.
A indústria que tem proporcionalmente ao seu tamanho muitos funcionários é a que menos pode compensar créditos e débitos. Portanto, tem uma carga muito maior que as cadeias como Extra, Carrefour, Wal- Mart, cujo auto-serviço diminui fantasticamente a folha de pagamento, entre outras diferenças.
Deixo aos "planejadores de gabinetes refrigerados", só mais uma mensagem: Não existem mais sonegadores e os que existirem é por culpa da perversidade e da burrice do sistema fiscal. O Brasil criou a figura do Guerrilheiro Tributário, herói nacional, que sobrevive em piores condições do que as capivaras do Rio Tietê, que ninguém sabe como conseguem sobreviver em situação tão imunda e terrível.
Esse herói brasileiro, detentor do título de Guerrilheiro Tributário, convida o ex-ministro e outros inteligentes economistas a passarem 30 dias administrando uma pequena ou média empresa brasileira, recebendo toda sorte de achaques, de fiscais do Trabalho, da Prefeitura, do ICMS, da Receita Federal, do policial da região vendendo proteção através de anúncios disfarçados em seus jornais, das empresas de segurança do quarteirão, entre outros.
Da mesma maneira que há 30 ou 40 anos quem não trabalhava era um vadio, o empresário, principalmente o da média e grande empresa que, naquela época, era considerado um sonegador, pode ser tratado hoje como um Guerrilheiro Tributário. Vou até mais longe, ele hoje é um guerrilheiro que, diante da visão burra dos arrecadadores, sem nenhum escrúpulo, mantém, a duras penas, sua empresa, mantendo o maior índice de postos de trabalho das empresas no País.
A palavra reforma tributária deveria ser substituída pela proposta de estratégia tributária e ser entregue, em vez de a tributaristas, economistas e políticos, a estrategistas de marketing, empreendedores. Estes certamente saberão melhor como montar uma forma de arrecadação de tributos infinitamente maior, em que ninguém tenha mais necessidade de sonegar e que permita a todas as empresas, por menores que sejam, publicar seu faturamento, participando do ranking setorial, dando exemplos de competitividade, como se faz em quase todo o mundo.
O jornal O Estado de S. Paulo abre espaços para que policiais e advogados debatam questões acerca da sonegação e crimes. Mas esquece que existem milhões de empresários no País que poderiam mostrar à sociedade a verdadeira farra que se faz em cima de quem é " refém" de cada Posto Fiscal, cada Administração Regional, cada Ministério do Trabalho e dos Sindicatos. É mesmo o holocausto da empresa brasileira.
E aqueles que sempre dizem que o empresário é um tradicional chorão, logo percebe que esses são: políticos, profissionais liberais, pagadores só de ISS (transferência para pequenos municípios), funcionários públicos, sindicalistas, entre outros.
Para encerrar, uma questão interessante clama por resposta por parte dos especialistas: Por que o Brasil é o único país do mundo onde o empresário levanta toda manhã pensando em como ser pequeno, encolher mais, diminuir sua empresa, dividir-se em várias empresas para não chamar a atenção da máquina do governo? Por que isso só acontece no Brasil? Responda quem for capaz.
Viva o Guerrilheiro Tributário, o último herói nacional, em extinção.