Trabalhadores jovens - de 15 a 24 anos de idade - foram incluídos no mercado formal (com carteira de trabalho assinada) com mais intensidade nos últimos anos e contribuíram para a formação de um recente grupo de consumidores, popularmente batizado de nova classe média. As vagas criadas para essa massa de profissionais, sobretudo nos setores de serviços e comércio, no entanto, são de alta rotatividade, como revela estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A frequência com que os jovens mudam de emprego é excessiva, conclui a pesquisa. Mas, ao contrário do que se imaginava, essa não é uma escolha: é uma imposição do mercado. A consequência, segundo o Ipea, é o prejuízo da produtividade do trabalho no Brasil e da competitividade da economia.
A Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que serviu de base para a pesquisa do Ipea, demonstra que a contratação de jovens pulou de 4,6 milhões em 2000 para 8,56 milhões em 2010 - avanço de 85%. Embora seja um percentual expressivo, é inferior ao de desligamentos, no mesmo intervalo de tempo, de 94%. O volume de demissão de jovens, na década, passou de 3,47 milhões para 6,75 milhões.
"Não me parece que está sendo difícil para o jovem obter emprego formal. Mas ele também está se desligando da empresa muito rapidamente. Se não se fixa, não acumula capital humano, experiência, não galga melhores salários e não se torna mais produtivo", ressalta Miguel Foguel, um dos pesquisadores do Ipea envolvido no estudo. "Não sabemos o tempo ideal de permanência em uma empresa. Mas sabemos que quanto mais tempo, maior a produtividade, o que tem consequência para a economia como um todo", complementa.
A rotatividade é uma característica do mercado de trabalho na média dos países desde a década de 80, afirma Carlos Fialho, sociólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador de cultura contemporânea. Mas, no Brasil, nos últimos anos, as relações de trabalho se tornaram ainda mais fluidas, por causa do avanço da abertura de postos de trabalho nos setores de serviços e comércio, que exigem menos qualificação dos contratados do que a indústria, por exemplo, e, por isso mesmo, substituem suas equipes com mais facilidade, para reduzir custos trabalhistas.
O tempo de permanência na empresa acompanha o período de desenvolvimento dos projetos, sem que haja tempo necessário para o investimento na qualificação do trabalhador, diz Fialho. "Isso criou uma instabilidade no mercado muito grande. O outro lado da moeda é a corrida para conseguir um emprego público", afirma.
O Brasil conta com 28,8 milhões de jovens empregados ou à procura de trabalho, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011. Para a maioria desses jovens, a mudança de emprego no período de 2004 a 2010, coberto pela pesquisa do Ipea, ocorreu por decisão da empresa. Esse foi o motivo de desligamento para 51,1% dos trabalhadores com até 24 anos e para 59,4%, dos profissionais de 25 a 29 anos. Após o desligamento, 62,5% são substituídos por outros jovens com a mesma qualificação, o que demonstra que a substituição não ocorre por conta da inadequação do perfil do empregado à vaga.
"A razão da alta rotatividade dos jovens nas empresas é uma polêmica há muito tempo. O estudo do Ipea lança luz sobre o tema, porque demonstra que não é só uma questão de qualificação dos trabalhadores, mas das condições de trabalho disponíveis. Há trabalho decente para a juventude?", questiona a coordenadora geral de Políticas Setoriais da Secretaria Nacional de Juventude, Helena Abramo.
A secretaria, ligada à presidência da República, está formulando uma agenda de "trabalho decente para a juventude", em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O estudo do Ipea será utilizado junto com a agenda que está sendo construída para a formação de um Plano Nacional de Trabalho Decente para a Juventude, que deverá ser lançado pelo governo federal em 2014.
Além de políticas de melhorias educacionais e de conciliação dos ambientes de trabalho, com o familiar e o de estudo, o plano deverá estabelecer critérios de fiscalização das condições de trabalho dos jovens. "Não posso dizer que existam propostas concretas. Estamos avançando no debate. Buscamos diagnósticos para pensar respostas", afirma Helena, ressaltando que a rotatividade do jovem no Brasil é superior à de outros países latinoamericanos.
Ela destaca, especialmente, as más condições de trabalho dos jovens cortadores de cana-de-açúcar e no serviço de telemarketing. "Houve uma modernização importante na colheita de cana. Mas, onde não é possível utilizar máquinas, permanece o corte manual. O problema é que passou a ser cobrado dos cortadores que tenham a mesma produtividade das máquinas. Só pessoas jovens, no auge de suas forças físicas, são capazes de suportar esse trabalho. ão jovens nordestinos, que migram para o interior de São Paulo em busca de trabalho temporário, com carteira assinada", relata Helena.
No telemarketing, há "um controle de desempenho que, muitas vezes, esbarra no assédio moral", diz ela, acrescentando que muitos desses jovens ingressam no trabalho com a percepção de que conquistaram melhores postos do que os dos seus pais, porque possuem mais tempo de estudo. Em geral, completaram o ensino médio. "Mas essa é uma sensação que dura pouco tempo. As condições de trabalho são exasperantes", salienta Helena.