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17/01/2013
“Estamos presos numa armadilha de baixo crescimento”

José Roberto Mendonça de Barros fala sobre o Brasil e a economia mundial em 2013

Reconhecido pelo profundo conhecimento que tem do funcionamento da iniciativa privada e do andar da carruagem da macroeconomia, José Roberto Mendonça de Barros foi convidado pela coluna a dar sua opinião sobre o ano de 2013. Ele falou antes do retorno de Barack Obama de suas férias no Havaí, quinta-feira, para mais uma rodada de negociações no Congresso  – a última em 2012 – a fim de evitar o abismo fiscal dos EUA. Mendonça aposta que a economia norte-americana vai atravessar a crise institucional e  pondera que a Europa é ainda um enigma. A China, por sua vez, “não puxa mais o mundo”. Mendonça de Barros não acredita, como muitos, que o Brasil vá crescer 4,5%, segundo projeta o governo, e trabalha hoje com 3,5% na sua MB Associados. Mesmo assim, sinalizando dúvidas.

O País terá de enfrentar (além do fraco desempenho do setor externo) a baixíssima competitividade e um modesto crescimento na produtividade. Como consequência desses dois fatores, a expansão do PIB tem se dado pela incorporação de mão de obra, que não só se tornou escassa, mas é pouco treinada para as atuais necessidades da produção.

Mendonça de Barros vem defendendo, há tempos, que o País está preso em uma armadilha de baixo crescimento. “Hoje, já há forte consenso em relação a isso”. Mas a queda na taxa de juros não ajuda? “Ela abre espaço para maior investimento. Para mim, entretanto, está cada vez mais claro que a queda dos juros pagos pelo Tesouro será substituída, em larga medida, por maiores gastos de custeio, e não de investimento.”

A seguir, os melhores momentos da conversa com o economista.

O que o senhor acha do abismo fiscal nos EUA?

Se nada for feito, se não houver acordo, virão os incentivos fiscais e os cortes automáticos de demanda. Admite-se que os cortes de demanda seriam tão grandes – 4% no PIB pelo aporte fiscal –, que poderiam resultar numa queda do PIB de 1,5% a 2%. Ou seja, recessão.

E como o senhor analisa essa situação?

Praticamente 100% dos analistas estão fazendo o seguinte raciocínio: é tão ruim que é mais provável que haja algum acordo. Não conheço ninguém que trabalhe com a hipótese de não haver acordo. Os republicanos têm conhecimento da realidade. Perderam votos em praticamente todos os cortes relevantes de eleitores: entre as mulheres, os jovens, hispânicos, asiáticos, negros e na maior parte das grandes cidades. Onde eles ganharam? População branca de 35 anos para mais e de cidades menores – o que aqui a gente chamaria de fundão. Não mudar é suicídio, radicalizar garante que o partido não elege nunca mais. Resolvido o problema, os Estados Unidos devem crescer, sim.

E a China?

Hoje, a China está ficando mais cara. Existem, atualmente, produtos que são produzidos nos Estados Unidos de forma menos onerosa. Inclusive autopeças. A mão de obra da China encareceu. É um movimento incrível, ninguém imaginava. O México também renasceu com isso. A China não puxa mais o mundo, mas continua exercendo um papel importante, especialmente para o Brasil.

E o Japão?

Está bastante atrapalhado. Esse atrito na China em cima das empresas japonesas realmente deu uma desmontada na estratégia do país. Li, recentemente, que os dados de comércio são muito ruins para o Japão no que tange às importações chinesas. Acho que isso empurra o país, cada vez mais, a exportar sua indústria, olhando, inclusive, para cá. Nós estamos tendo uma nova onda de investimento japonês no Brasil. Não é um boom, mas a fábrica da Toyota e uma porção de fornecedores estão vindo de novo para cá. Definitivamente, vai ser um país estabilizado, rico, velho, que vai viver de rendas, com parcos recursos naturais.

O que se pode prever da situação na Europa?

Estou convencido de que ninguém tem a mais pálida ideia do que vai acontecer. O que dá para dizer é o seguinte: há uma decisão alemã de contemporizar até a eleição da Angela Merkel, em outubro. Eles sabem que o Tesouro alemão vai ter de comparecer mais do que o eleitor alemão gostaria. Mas não podem falar nada agora. Antes, a Merkel tem de ser reeleita – e provavelmente será. Agora, nós, na MB, achamos que o desenho do euro, como está hoje, não fica em pé.

Qual a solução?

Não sei. A solução alemã é transformar a Europa em Alemanha. Só que não dá para transformar grego em alemão. Não vejo como pode dar certo. E tem também a questão da Inglaterra no orçamento.

Já aqui embaixo temos a questão da Argentina…

Que está mal, mas pode dar um respiro se a safra de soja for boa. O problema da Argentina é o caso clássico do rabo que balança o cachorro. A Argentina precisa ter uma folga cambial de, no mínimo, US$ 10 bilhões e um saldo comercial para, com os controles de preço, conseguir manejar seu fluxo cambial. Como quebrou a safra de soja, quebrou a exportação. Por causa do decréscimo da exportação, eles tiveram de segurar a importação. Cristina Kirchner está apostando tudo safra da soja. E como legítima herdeira do marido, seu estilo político é “se tem uma derrota, dobra a aposta”. E vai enfileirando o número de inimigos.

E o Brasil, o senhor acredita que vai crescer mesmo 4,5% – como projeta o governo?

Não. Estou convencido de que estamos numa armadilha de crescimento baixo. No ano passado, muita gente dizia que crescemos só 2,7% por causa da ressaca de 2010. Este ano foi marcante, porque desmontou essa ideia. Em 2013, a MB aposta em algo entre 3% e 3,5%.

Mas há alternativa no horizonte?

O crescimento será baixo em qualquer circunstância. O que acabou acontecendo é que isso está levando a uma reflexão cada vez maior. Nossa percepção é clara: não adianta nada bombar a demanda se houver problema na oferta. E esse problema na oferta está muito centrado na indústria. Os serviços vão razoavelmente bem, porque não sofrem com a importação. Em crise, aumenta-se o preço; por isso, a inflação de serviços sobe a 9%, e, mesmo assim, os serviços podem ter uma taxa de salários maior. A agricultura também pode, mas por outra razão: melhorou muito a produtividade.

Qual o peso dos serviços no PIB, atualmente?

No conjunto, algo como 60%. A participação da indústria caiu bastante. A agricultura paga mais, porque tem produtividade; mas a indústria não tem produtividade para pagar. Portanto, se os custos sobem, a única alternativa é importar produtos. Assim, ela vai ficando cada vez mais emparedada. É isso que a gente está chamando de “armadilha do crescimento baixo”. E esse quadro fica ainda mais completo quando vemos que o governo não consegue investir diretamente. E por que não consegue? Porque não tem eficiência para tanto.

Mas o governo não está privatizando empresas, fazendo as concessões?

Está, só que com a “mão pesada”, querendo arbitrar a taxa de resultado das empresas. Isso leva à desconfiança, e o investimento não cresce. Acho um grande avanço o governo querer privatizar, querer conceder, mas são tantas regras e tantas condicionantes, que acaba não funcionando como esperado.

Na sua opinião, a indústria tem salvação?

Tem, mas se enganou achando que tudo dependia do câmbio e do juro, porque o juro do BNDES sempre foi baixo. E, para a indústria, câmbio também é custo. Há a percepção de que a gente tem de manter uma certa estratégia macro, mas se não houver a parte micro, setorial, regional, nada anda. A redução dos juros não dará muito efeito a curto prazo. Demora para o aplicador organizar a cabeça. Quando a inflação acabou, quanta gente se atrapalhou, porque vivia da poupança? Até reaprender, levou tempo e muita gente apanhou. Hoje, não dá para viver da renda fixa, a taxa de juro líquida é muito baixa. Então, você tem de repensar em termos de prazo, em termos de ativos.

Isso ajuda ou atrapalha a BM&F/Bovespa?

Deveria ajudar, mas a verdade é que não está ajudando.

E por quê?

Intervenção, intervenção. Do ponto de vista das empresas, a baixa do juro dá uma possibilidade de organizar o passivo, trocar o passivo caro pelo passivo mais barato. Mas este também é um processo lento, porque envolve reavaliação de riscos. Caminhamos para que o juro baixo surta efeito. Entretanto, o razoável equilíbrio macro não leva a crescimento econômico.

E a atuação do governo no que diz respeito ao câmbio?

Há muita gente dizendo que é tão complicado melhorar a competitividade, que a única solução é dar câmbio. Só que não dá para fazer isso agora. O País parou no primeiro semestre e a inflação, mesmo assim, foi de 5,5%. Se puser o câmbio a R$ 2,18, por exemplo, ela vai passar de 6%. O Banco Central não topa – e acho que a presidente também não. A meta da Dilma é manter o juro baixo. E, para manter o juro baixo, a inflação não pode subir muito.

Mas a agenda do governo, agora, não é reduzir custos?

Sem dúvida, mas ele está fazendo isso de um jeito tão autoritário que também não funciona. O exemplo é o setor elétrico. Na porrada, é difícil. E, mesmo que resolva, acumula certa desconfiança. Em consequência disso, o investimento não sobe. A confiança tem de voltar para voltarmos a crescer.


José Roberto Mendonça de Barros - O Estado de São Paulo