É interessante notar como nosso Brasil é interiorano e como nós, os caipiras do passado, temos coisas interessantes para contar - é o tal negócio: “a gente sai da roça, mas a roça não sai da gente” - ainda bem!
Hoje, por exemplo, acordei com muita vontade de escrever esta crônica, para contar um pedacinho importante da minha adolescência, no interior – as vivas lembranças do nosso Cine Rosário - o cinema da minha cidade.
O Cine Rosário era o único e nem poderia ser diferente, afinal a população nesta época não passava de seis mil habitantes. Ficava no centro, bem em frente à uma bucólica praça, onde a juventude fazia o “footing” ao som de uma bandinha regida pelo maestro Pascoalão, antes do filme começar.
Éramos adolescentes e as paqueras aconteciam nesta pracinha, durante as voltas que dávamos, enquanto comíamos pipoca, mascávamos chiclete e “burramente” dávamos umas baforadas “nicotínicas” - fumar era coisa de homem – santa ignorância!
A abordagem com a pretendente era feita normalmente por uma terceira pessoa ou através de correio elegante - um bilhete escrito à mão.
O momento mais emocionante era quando tocava o prefixo anunciando que o filme iria começar dentro de instantes. E a música “O Guarani”, de Carlos Gomes, ficará em minha memória para sempre, e como dizem meus amigos de outrora: até hoje me arrepia quando a ouço.
Neste momento a mão gelava e o coração disparava, era um momento sublime: “Você anda pela tarde, e o seu olhar tristonho, deixa sangrar no peito, uma saudade um sonho”.
Normalmente as meninas iam à frente para guardar lugar para os namoradinhos. Os filmes mais concorridos? Mazzaropi, Grande Otello, Jerry Lewis e Paixão de Cristo. No filme super romântico - A Noiva -, quase morríamos de chorar – “Branca e radiante, vai a noiva, logo a seguir o noivo amado.” A ansiedade parecia explodir nosso jovem coração, quando Giani Morandi cantava: Sobre montes de pedra também nascem flores, vou vivendo a vida morrendo de amor - por você. Não mereço você, não sou digno de ti...
O mais interessante é que a gente escolhia o lugar para sentar de acordo com o grau do “amasso” a ser dado. No lado esquerdo, na parte de trás, sentavam os casais que estavam iniciando o namoro e no lado direito, também na parte traseira, a turminha mais escolada onde rolavam beijos e umas passadinhas discretas de mão – era o reduto dos avançadinhos.
Desagradável mesmo era quando quebrava a fita do filme e as luzes acendiam automaticamente! Era um Deus nos acuda, e os disfarces os mais criativos possíveis.
O lanterninha era um soldado chamado Alemão e parece que ele tinha prazer de focar nosso rosto com sua enorme lanterna, logo quando a gente estava no melhor da festa! Sem contar a vergonha que passávamos quando nos convidava a deixar o recinto sob os olhares da platéia. No dia seguinte os comentários maldosos e os fuxicos eram inevitáveis – maldito Alemão! Que Deus o tenha!
Aos amigos, desta época maravilhosa de minha vida, dedico esta crônica e lhes digo: “Num momento vive-se uma vida e apesar de conhecermos as pessoas por acaso, não é por acaso que elas permanecem em nossas vidas”.
E VIVA O ESCURINHO DO CINEMA!