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09/05/2012
Poeira do laço

Saudosismo é pouco para se referir ao longínquo passado dos boiadeiros que fizeram e ainda fazem história pelos confins brasileiros. Muitos vivem da saudade e das lembranças do tempo que passou. Nas festas de peão matam um pouco desta saudade teimosa que aperta o coração, mas nada se compara com o romantismo de uma estrada boiadeira e uma boiada ordeira, seguindo calmamente ao som melódico de um berrante bem tocado.
A rotina da lida diária que durou por toda uma vida é coisa do passado.  Saúde, disposição e paixão definem o que estes desbravadores tinham no árduo trabalho. Foram muitas as dificuldades e muitas foram as noites de frio, calor, poeira e lama. O cheiro da mata, misturado ao cheiro da boiada, eram como calmantes nas horas em que o coração chorava e pedia aconchego da família e amigos distantes.
Depois de várias marchas, um cansaço gostoso mostrava sua cara. Peões se refestelavam nos banhos de rio das paradas do pernoite, enquanto a boiada, candenciadamente, ruminava as pontas do capim pastado durante a jornada. Ali em baixo das frondosas árvores armavam suas redes para um reparador descanso. Isso quando não dormiam em cima do pelego forrado pelo sovado baixeiro que servia de proteção para a umidade do sereno, que mansamente, caía pela noite adentro, orvalhando a relva.
O cozinheiro, figura muito importante na comitiva, chegava bem antes da boiada, e pacientemente, preparava o local do pernoite. O jantar, com aroma de dar água na boca, era sempre um momento de descontração e ponteado de “causos”. Muitas vezes, os mesmos já contados em outras paragens. A graça estava na autenticidade e simplicidade do contador. E assim, por horas a fio, esta confraternização seguia até que o sono batesse forte.
Ao clarear o dia, estavam lá, novamente com os pés na estrada. E assim, foi por muitos anos, acalentando sonhos mil. O ambiente lhes proporcionava inspiração para sonhar, cantar e versejar, principalmente quando deixava para trás, um grande amor. O céu salpicado de estrelas e as noites de lua cheia judiavam da alma apaixonada da peonada. E a vontade de regressar batia forte! Chorar? Era coisa para os fracos – somente se fosse bem escondido e em silêncio - sem soluçar!
Poucas são as estradas boiadeiras que restaram. Muitas delas se transformaram em rodovias. O chão preto cobriu a poeira numa percepção clara que o progresso atropelou o passado. Boiadas são transportadas por enormes caminhões, que apesar de mais rápidos e eficientes, nada lembram o passado.
Sintam a sensibilidade e a profundidade da letra desta música sertaneja: “Levantei a tampa voltei ao passado, meu mundo guardado dentro de um baú. encontrei no fundo todo empoeirado, o meu velho laço bom de couro cru. Me vi no arreio do meu alazão, berrante na mão, no meio da boiada. Abracei meu laço velho companheiro, bateu a saudade veio o desespero, sentindo o cheiro da poeira da estrada. Estrada que ainda resta um pequeno pedaço, a poeira do laço que ainda não saiu”!
Velho e lendário boiadeiro, o nosso mais profundo respeito por ter sonhado e nos fazer sonhar até hoje. Grande parte da história rural do nosso país, vocês ajudaram a construir ao longo de muitas décadas. Mas desse poético cenário, só nos restaram doces lembranças e a poeira do laço!
E VIVA A POEIRA DO LAÇO!
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Osvaldo Piccinin