As medicações atualmente utilizadas apenas amenizam os sintomas, que se agravam com a evolução da doença
Uma série de experimentos conduzidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indica que uma medicação aprovada em 2005 para tratar o diabetes tipo 2 parece deter e até reverter o avanço do Alzheimer. As medicações atualmente utilizadas apenas amenizam os sintomas, que se agravam com a evolução da doença.
Em um artigo publicado no Journal of Clinical Investigation, o grupo de cientistas brasileiros demonstrou que o medicamento exenatida-4 exerce um efeito protetor sobre os neurônios, as células cerebrais responsáveis pelo transporte e pelo armazenamento de informações, em geral danificadas no Alzheimer. Administrada a camundongos geneticamente alterados para apresentar os efeitos típicos da doença neurodegenerativa, a exenatida reverteu os danos no cérebro e melhorou a memória dos roedores. Resultados semelhantes estão sendo observados nos experimentos ainda em andamento com macacos cinomolgos, realizados no laboratório da Queen' s University, no Canadá.
" Somos muito cautelosos" , diz a neurocientista coordenadora da pesquisa, Fernanda De Felice. " Mas acredito que tenhamos novos resultados em mais um ou dois anos." Estudos feitos no Brasil e no exterior na última década tornam cada vez mais evidente que as duas enfermidades compartilham um mecanismo bioquímico comum.
Anos atrás o grupo do Laboratório de Doenças Neurodegenerativas da UFRJ, coordenado por Fernanda, demonstrou haver um elo em comum entre diabetes e Alzheimer: o aproveitamento inadequado da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas. Na maioria dos tecidos do corpo, a insulina ajuda as células a extrair do sangue a glicose (um tipo de açúcar) e a convertê-la em energia. No cérebro, porém, sua ação é diferente. Ao aderir a uma proteína da superfície dos neurônios, a insulina desencadeia as reações químicas que levam à aquisição e à consolidação da memória.
No trabalho do Journal of Clinical Investigation, os pesquisadores explicam agora como a incapacidade de usar a insulina fenômeno chamado resistência à insulina se instala no cérebro. Assim como no diabetes, a resistência à insulina surge no Alzheimer como consequência de uma inflamação. Testes com células e com camundongos, feitos pelas pesquisadoras Theresa Bomfim e Leticia Forny-Germano, e com cinomolgos, realizados por Jordano Brito-Moreira, demonstraram que pequenos aglomerados de um peptídeo os oligômeros beta-amiloide, formados nos estágios iniciais do Alzheimer estimulam a produção de uma molécula sinalizadora da inflamação que bloqueia o efeito da insulina. " A insulina se conecta ao receptor na superfície dos neurônios, mas a informação que ela emite não segue adiante" , explica Fernanda.
Ela ainda não sabe como o beta-amiloide estimula a produção de moléculas inflamatórias. Mas tanto seu grupo e como o de Konrad Talbot, da Universidade da Pensilvânia, que também publicou um artigo no dia 23/3 no Journal of Clinical Investigation, já observaram que essas mesmas moléculas se encontram em níveis muito mais elevados no cérebro de pessoas com Alzheimer do que no daquelas sem a doença. Com a exenatida, Fernanda e sua equipe conseguiram restituir a sinalização da insulina nos neurônios. " Queríamos fazer um trabalho que tivesse a possibilidade de se transformar rapidamente em uma aplicação clínica para essa doença devastadora" , conclui.