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02/03/2009
O dia em que o povo julgou o Juiz

Contar até parece mentira, mas foi tudo bem verdade, aconteceu meio na surdina, meio diz que diz.
O povo de três cidades de uma Comarca do Estado tinha se acostumado com um certo Juiz de Direito que havia descido do pedestal, diziam. Esse Juiz a todos conhecia e do seu território então nem falar, podia qualquer um dizer ao Juiz onde era certo bairro ou buraco perdido na Comarca que o Juiz já completava com detalhes do local. E o povaréu ia vivendo com seu Juiz, e assimilando o homem que trabalhava no Fórum até altas horas da madrugada, estava em todas, e do que o povo mais gostava, falava com todo mundo a qualquer hora e dia, bastava procurar o “home”.

Como nunca tinha acontecido na Comarca um caso assim, o povo foi começando a tomar certas liberdades, expressão muito comum passou a ser, olha lá o “polícia” que eu procuro o “home”. E a cambada se acostumando mal e mal, tinha gente que já dizia abertamente que a repressão tinha terminado, agora tem autoridade justa no pedaço, diziam, e qualquer buchicho é só procurar o “home”, com ele não tem pobre nem rico não, nem fraco nem poderoso.

E a vida passando, até que chegou o dia do “home” ir embora, e foi mesmo, dizem que por causa de promoção, essas coisas aí que inventaram para danar o povo. As coisas depois disso voltaram ao normal, restauraram o altar no fórum, falar com o Juiz então só com advogado junto, ou então por intimação, mas afinal parecia que tudo não tinha passado de um sonho.

Tudo teria mais uma vez passado e esquecido, o tempo não deixa  marca nem no aço, quanto mais de sentimento. Mas lá pelas tantas um certo Zelão do buraco da onça, como chamavam seu bairro, em conversa de botequim relembrando os bons tempos do tal Juiz, propôs aos colegas de cachaça: vamos julgar o “home” pô, como é que ele vem aqui e faz o que fez, mostra que todos são iguais perante a Lei, que todos são cidadãos comuns, não pode não, tinha que deixar como estava, pobre indo pra cadeia à toa e o resto se enchendo de grana, os políticos se enriquecendo nas custas do povão e a sujeira aumentando.

E não é que a idéia do Zelão foi pra frente que nem fogo em capim seco, dali a dias todos já falavam do tal julgamento onde só faltava o local.

Local também não foi muito difícil de arrumar, uma das Cidades da tal Comarca tinha um belo centro esportivo, com arquibancada e tudo, só faltava marcar a data.

E que data que marcaram, um domingo às 19 horas, dia de Santo Antonio parece, nesse dia fatídico para o Juiz é claro, o povo começou a chegar de mansinho, um a um, afinal o tal do julgamento seria meio Kafkiano, e além do mais a Prefeitura local não tinha autorizado nada, e se o Delegado soubesse então, ia dar polícia na certa.

Só quem ficou sabendo foi um certo advogado amigo do Juiz, o réu, e não é que o rábula espalhou para seus colegas e na hora de começar eles estavam todos lá, prontos para defender o “home”. Mas a essa altura o estádio já estava lotado, mais ou menos 50.000 pessoas, diziam, e todos da acusação. Os advogados não se deram por vencidos e propuseram à multidão que a defesa fosse ouvida. Um deles dizia não entender o porque desse julgamento, já que todos os que ali estavam já tinham a sentença pronta, o “home” era culpado mesmo, sem defesa que agüentasse.

Entretanto ponderou um causídico, vamos cumprir nossa obrigação, e começou a defesa.
“Senhores e senhoras do povo, este julgamento é ilegal e não tem nada de processual”, vendo que o povo não entendia nada, disse: porque julgar e condenar um homem que fez cumprir a Lei, que deu a vocês garantias que jamais tiveram, por acaso ele não estava lá 24 horas , não coibiu a violência, não foi duro em aplicar a Lei em traficantes, não andou exaustivamente para conhecer a Comarca, não atendeu inúmeros telefonemas desesperados, não estendeu a mão amiga a tantos, não mostrou que a Justiça não é cega, enfim não mostrou como é um verdadeiro Juiz? Senhoras e senhores, coloquem a mão na consciência, este julgamento é uma grande farsa, o réu ou os réus que aqui deveriam estar são outros e todos os dias estão nos jornais, na televisão. Então, culpado ou inocente? Inquiriu raivoso.E 50.000 vozes em uníssono respondendo, culpado.

Por Deus; culpado de quê? Vociferou o advogado. Culpado, respondia a multidão, culpado por mostrar-nos que somos gente que temos direitos e obrigações e, sobretudo porque foi humano em sua função e não estávamos acostumados, e agora como é que ficamos?.

Quando o coro de culpado acalmou ouviu-se a voz de um Padre, é... tinha até Padre. Culpado, e que Deus o abençoe..., como é mesmo o nome dele? Parece que é Vanderlei um popular respondeu, mas não é do meu tempo não, eu cheguei depois e só sei da história.

Homenagem ao Juiz Vanderlei A. Borges que andou por estas bandas na década de 1980
 


Edson Navarro