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16/01/2009
Pediatra defende bons modos infantis como parte essencial do desenvolvimento

Para Perri Klass, é importante falar disso nas consultas médicas. Pediatra escreve para o jornal "The New York Times".

Durante anos, cuidei de uma criança muito rude. Quando ele tinha 3 anos, chamei-o de incontrolável – e falei com sua mãe sobre "definir limites". Aos 4, chamei-o de "exigente". Aos 5, ele ainda gritava com sua mãe se ela não fizesse o que ele queria, ainda me batia quando eu tentava examiná-lo, e sua mãe me perguntava preocupadamente se eu o considerava pronto para o jardim da infância.

Eu poderia continuar contando a história (ele não passou um período fácil na escola), mas soaria como um conto vitoriano: O Menino Rude. Eu nunca usei a palavra "rude", nem mesmo "modos" ao falar com sua mãe. Não descrevo meus pacientes como rudes ou educados no registro médico. Mas eu transmito julgamentos, assim como todos os pediatras que conheço.

É sempre admirado – e fácil – lamentar a deterioração dos bons modos; existe uma história frequentemente citada (e contestada) sobre Sócrates reclamando que os jovens atenienses tinham "maus modos e desprezo pela autoridade".

Claro, certas orientações sociais deixaram de valer ou se dissiparam, e claro, a comunicação eletrônica parece ter presenteado adultos e crianças com novas formas de ser rude. Mas o antigo trabalho de criar um filho permanece.

E esse trabalho é começar com um ser que não pensa nos sentimentos dos outros, sem código de comportamento além de seus próprios confortos e necessidades – e, guiado pelo amor e pela responsabilidade, fazer seu melhor para transformar esse ser no que sua avó (ou Sócrates) possa chamar de um ser humano.

Meu livro favorito de educação infantil é "Miss Manners Guide to Rearing Perfect Children", de Judith Martin, que assume a visão de que as boas maneiras são o centro de todo o empreendimento parental. Liguei para ela para perguntar por quê.

"Cada criança nasce adorável, mas egoísta e o centro do universo", ela respondeu. É um trabalho dos pais ensinar que "existem outras pessoas, e elas têm sentimentos".

As conversas que todo pediatra tem, várias vezes, sobre "definir limites" e "elogiar constantemente o bom comportamento" são conversas sobre bons modos. E quando está na sala de exames com uma criança que parece não ter nenhum, você começa a pensar no que está acontecendo em casa e na escola. Questões sobre disfunção familiar ou problemas de desenvolvimento cerebral começam a passar por sua mente.

Barbara Howard, professora assistente de pediatria da Faculdade de Medicina Johns Hopkins e especialista em comportamento e desenvolvimento, me contou que os modos de uma criança é um assunto perfeitamente apropriado para se levantar numa visita ao pediatra.

"Eles têm um enorme impacto nas vidas das pessoas – por que você não levantaria o assunto?”, disse ela. "Eles te olham nos olhos? Se você estica sua mão, eles a cumprimentam? Como eles interagem com os pais; eles interrompem, pedem coisas, eles abrem a bolsa da mamãe e tiram coisas de lá?"

Howard sugeriu que todo o conceito de "modos" pode parecer um pouco obsoleto – até que você o reclassifique como "habilidades sociais", um termo muito em voga atualmente. Habilidades sociais são necessárias para o sucesso na escola, ela aponta; elas afetam seu desempenho no pátio de recreio, na sala de aula, no ambiente de trabalho.

Também pensamos nas habilidades sociais como um complexo grupo de desafios que complicam as vidas das crianças – e adultos – no que hoje é chamado de espectro do autismo. Crianças com autismo, seja leve ou grave, têm sérias dificuldades em aprender os códigos sociais, decifrar linguagens corporais sutis ou tons de voz, e aprender as regras do jogo.

O tratamento para essas crianças pode incluir treinamento sistemático em habilidades sociais, algumas vezes usando scripts para interações humanas comuns. E uma lição, segundo Howard, "é que é possível ensinar essas coisas. Talvez não estejamos ensinando-as tão bem como deveríamos a crianças com desenvolvimento normal".

É claro, uma das consequências de longo prazo de ser uma criança rude é se tornar um adulto rude – até mesmo um médico rude. Existem valentões no pátio da escola e valentões no ambiente de trabalho; pode ser realmente desconcertante encontrar um adulto com 20 e poucos anos de educação que ainda enxerga o mundo somente em relação a suas próprias necessidades e emoções: eu quero isso, então me dê; estou nervoso, preciso bater; estou ferido, preciso gritar.

Gosto da abordagem do livro porque deixa um pai respeitar a privacidade intelectual e emocional de uma criança: não estou lhe dizendo para gostar de sua professora; estou pedindo para tratá-la com cortesia. Não é que você não possa odiar o Joãozinho; só não pode bater nele. Seus sentimentos são assunto seu; seu comportamento é público.

No entanto, essa primeira grande lição intuitiva – de que existem outras pessoas lá fora e que seus sentimentos devem ser considerados – afeta o desenvolvimento moral mais básico de uma criança. Para ela, assim como para um adulto, os bons modos representam uma estratégia para avançar na vida, mas também um compromisso intelectual bem-sucedido com o assunto de ser humano.

Eu não gostava de atender meu paciente rude. Apesar de sua saúde geralmente boa e seu desenvolvimento normal, não podia deixar de sentir que o mundo adulto havia fracassado em guiá-lo e protegê-lo. Ele era barulhento, exigente e teimoso, mas uma de suas necessidades básicas não havia sido atendida: ninguém havia lhe ensinado bons modos.

Como pediatra, me preocupo com as trajetórias de crescimento e desenvolvimento infantis: medir o tamanho da cabeça de um bebê, pesar um garoto, perguntar sobre as habilidades de linguagem de uma criança em idade pré-escolar. Os bons modos são outro lado da jornada de cada criança, do desamparo à autonomia. Uma criança que aprende a administrar um pouco de cortesia, mesmo sob a pressão de uma visita ao médico, é uma criança que funciona bem no mundo, uma criança com um prognóstico positivo.

G1