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26/08/2008
Especialistas indicam como preparar dez alimentos

A interpretação da composição bioquímica dos alimentos e de como esses compostos interagem quando eles são processados deixou de ser matéria de ciência para ser servida nas mesas dos restaurantes mais estrelados do momento. Sim, estamos falando da tal gastronomia molecular, cujo expoente mais badalado é o chef catalão Ferran Adrià, famoso por servir coisas como caipirinhas sólidas ou presuntos líquidos.
Para Glaucia Pastore, presidente da sbCTA (Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos) e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o interesse na preparação é algo mais atual porque "também é recente o conhecimento sobre os alimentos funcionais".
A receita do momento inclui ingredientes como alimentos funcionais, processos físico-químicos e biodisponibilidade (quantidade de nutrientes absorvidos e utilizados pelo organismo). "O que buscamos hoje é propor preparações que respeitem as características de aroma, paladar, textura etc. e preservem ou potencializem os efeitos dos nutrientes", diz o gastroenterologista Dan Waitzberg, professor da USP (Universidade de São Paulo) e diretor do Ganep Nutrição Humana, de São Paulo.
Esquivel acredita que o prazer gastronômico tem também função nutricional. "Ele estimula as papilas gustativas, a salivação etc., melhorando o processo de digestão." Ela acrescenta que muitos conceitos da gastronomia, como preparar vegetais al dente, estão perfeitamente de acordo com os princípios da nutrição. Mas ninguém precisa ser um gourmet para aproveitar os novos conhecimentos sobre alimentação. As técnicas sugeridas podem ser facilmente realizadas em casa. Algumas confirmam cientificamente as formas tradicionais de preparo. Outras desafiam o senso comum, mas não exigem nenhuma pirotecnia culinária para serem postas em prática.
Leia a seguir como preparar dez alimentos importantes de forma nutricionalmente adequada.

Cenoura
À primeira vista, a cenoura crua parece mais saudável. Mas, se a idéia é aproveitar o betacaroteno (pró-vitamina A, de ação antioxidante), o ideal é servir o vegetal cozido e regado com azeite. Isso porque as moléculas de betacaroteno estão envolvidas por fibras e por moléculas de água. O cozimento amolece essas fibras e diminui a quantidade de água, abrindo espaço para o betacaroteno e deixando-o mais acessível ao organismo.
No cozimento em água, só uma pequena parte da pró-vitamina A se perde -aquela que é hidrossolúvel (solúvel em água). Como a maioria dessas moléculas são lipossolúveis (solúveis em gordura), elas se conservam. É por isso também que regar a cenoura com azeite aumenta sua biodisponibilidade. O vegetal pode ser cozido no vapor, o que conserva melhor as substâncias hidrossolúveis e não deixa o alimento amolecer demais. Quando a cenoura for consumida crua, o ideal é ralá-la em ralo fino, misturá-la bem com azeite e deixá-la descansar por cerca de meia hora.

Brócolis
A hortaliça é da família das crucíferas, ricas em fibras e em glucosinolato, com potencial efeito contra o câncer. Para ser digerível, precisa ser cozida, mas, nesse caso, a idéia é submeter ao mínimo de calor para maior preservação das fibras.
Uma forma de fazer isso é, após cozer no vapor, branquear o vegetal (submetê-lo a choque térmico para interromper o cozimento). O mais comum é mergulhá-lo na água fria ou deixá-lo sob água corrente. Porém, para preservar melhor os nutrientes, passe o brócolis para um saco plástico e coloque-o em uma bacia com pedras de gelo -assim, não entra em contato com a água e as substâncias presentes no alimento não migram para ela.
Saltear o brócolis (fritá-lo rapidamente, com pouco óleo, sacudindo a panela) também é bom para a saúde. Assim, o tempo de contato com o calor é pequeno, diminuindo a perda de nutrientes.

Tomate
Embora o tomate tenha algumas vitaminas hidrossolúveis, hoje a sua substância mais valorizada é o licopeno, por atuar contra alguns tipos de câncer, como o de próstata e o de mama. Como a água está presente em grande quantidade no tomate e o licopeno não se dilui nela, a substância é menos disponível no alimento cru. Já o calor faz com que parte dessa água evapore, facilitando a absorção do antioxidante. E, por este ser solúvel em gordura, acrescentar óleo vegetal aumenta a sua biodisponibilidade. Nesse caso, a cocção prolongada é bem-vinda. A melhor forma de aproveitar o licopeno é preparar um molho de tomates usando azeite.
O tomate deve estar maduro. Quando verde, é rico em fitatos, que dificultam a absorção de outros nutrientes. Para afastar preocupações com os agrotóxicos, deve ser lavado e escovado. Outra dica é comprar o tomate não totalmente maduro (mas não verde) e usá-lo após uma semana. Como a meia-vida dos agrotóxicos usados não dura mais do que isso, eles tendem a se dissipar. Para diminuir a acidez, tire a pele e as sementes, que contêm ácido cítrico, antes de fazer o molho.
Uma forma de consumir o tomate cru e aumentar a disponibilidade do licopeno, embora não tanto como no molho, é o gaspacho, sopa fria típica da Espanha. Ao bater o tomate no liquidificador, quebram-se algumas moléculas de água que prendem as de licopeno, e o azeite melhora a sua condução.

Leite
A fervura do leite mata microorganismos prejudiciais à saúde. Mas, no leite pasteurizado, esse processo já foi feito. Além de ser dispensável fervê-lo de novo nesse caso, isso pode fazer com que algumas proteínas se percam. Na fervura, a lactoalbumina, principal proteína do leite, passa de líquida para sólida. Com o calor, ela incorpora moléculas de oxigênio, formando a espuma que sobe. Se o leite transbordar, é proteína que se perde.
Quando o leite esfria, a lactoalbumina solidificada vira uma película na parte de cima. Embaixo, grudada nas paredes da leiteira, fica outra proteína, a caseína. Não descarte essas películas: com elas, vão-se parte das vitaminas e dos minerais.

Ovo
A proteína do ovo, considerada excelente, não se altera se o alimento é cozido ou frito. Mas, se a cocção for excessiva, ele pode perder aminoácidos importantes e outros nutrientes. E a digestibilidade da proteína é menor se ela for aquecida por muito tempo.
Para não haver quase nenhuma perda nutricional, o ideal é cozinhar o ovo por três a quatro minutos. Quem gosta de ovo duro pode cozinhá-lo por até sete minutos, para que a perda seja pequena. O que não se recomenda é esquecer o ovo na panela por mais de dez minutos. Nesse caso, surge ao redor da gema um anel escuro. É o ferro que migrou do centro da gema e se ligou aos aminoácidos sulfurados do ovo. Essa ligação não faz mal, mas torna o mineral menos disponível.

Arroz integral
Fonte importante de fibras e vitaminas, esse alimento só se torna digerível após ser cozido e hidratado. Para conservar seus nutrientes, não lave o arroz. Possíveis resíduos podem ser retirados manualmente.
No caso do arroz integral, não se recomenda refogar os grãos antes, como é feito com arroz polido. Isso porque a casca do arroz integral, além de manter os nutrientes do cereal, dificulta a entrada da água que hidrata o amido para que ele possa ser digerido. O processo de refogar deixa mais dura a parte externa e, assim, faz com que o cozimento demore mais.

Feijão
Rico em minerais, em fibras e em proteínas, o feijão precisa ser hidratado não só para melhorar a digestibilidade mas também para diminuir a concentração de fitatos, que dificultam a absorção de minerais. Porém, como parte dos nutrientes é hidrossolúvel, se essa água for descartada, eles serão perdidos.
Uma alternativa é usar a água em que o feijão ficou de molho para o cozimento. Outra, que conserva ainda mais os nutrientes e acelera o tempo de preparo, é colocar o feijão na panela de pressão, cobrir com água e levar, sem a tampa, ao fogo. Quando a água começar a ferver, retire a panela do fogo e tampe-a. Deixe descansar por uma hora. Depois, complete com água quente (a fria fará o feijão endurecer) e um pouco de óleo (para evitar a formação de espuma) e leve ao fogo, na pressão, por 20 minutos.

Ervas e especiarias
As ervas aromáticas e as especiarias têm propriedades antimicrobianas -matam microorganismos que deterioram os alimentos (principalmente proteínas). Por isso, é interessante usá-las em marinadas para carnes, aves e peixes.
Uma dica para uma erva comum na culinária brasileira, a salsinha: ela é uma ótima fonte de vitamina C. Porém, essa vitamina se perde facilmente com o calor. Para aproveitá-la, adicione a salsinha, picada na hora, depois que a receita estiver pronta. Misturada ao alimento, mesmo após ele ser retirado do fogo, ela acrescenta aroma e sabor.

Frutas Vermelhas
Essas frutas são ricas em flavonóides, especialmente as antocianinas, fitoquímicos muito estudados por sua ação protetora contra vários tipos de câncer. Nesses alimentos, o consumo sem processamento é o melhor.
Em alguns casos, o álcool ajuda a preservar e a extrair alguns componentes antioxidantes. É o que acontece no vinho tinto. Pesquisas apontam que misturar as frutas com uma pequena quantidade de álcool, como em um coquetel, também tem esse efeito.
Se não puder consumir o alimento fresco, as formas mais vantajosas nutricionalmente são a fruta congelada inteira ou a polpa feita em casa. Para isso, bata as frutas no liquidificador, com o mínimo de água (se for necessário) e guarde a pasta obtida no congelador em potes com tampa.

Peixes
Fonte de proteínas de qualidade e de ótima digestibilidade, o peixe é rico em ômega 3, ácido graxo que contribui para o aumento do colesterol "bom" (HDL). Para aproveitar melhor a gordura do peixe, o ideal é prepará-lo com a pele -boa parte da gordura fica entre a pele e a carne e, com o calor, parte dessa camada oleosa se entranha no peixe. Ganha-se no aspecto nutricional e a carne fica mais macia e úmida.
Quando o peixe é frito, a absorção de ômega 3 diminui, porque o peixe absorve ômega 6, presente no óleo. Este também tem sua importância nutricional, mas, na fritura, compete com o ômega 3. Portanto, é melhor preparar o peixe assado, embrulhado em papel-alumínio ou papel-manteiga. Assim, o calor se propaga homogeneamente e o tempo de cozimento não é muito longo.
fontes: ANDRÉA ESQUIVEL, especialista em nutrição clínica e gastronomia e professora convidada da pós-graduação em nutrição da Unopar (Universidade do Norte do Paraná); GLAUCIA PASTORE, presidente da sbCTA (Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos) e professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); NORKA BEATRIZ BARRUETO GONZALEZ, professora do curso de nutrição da Unesp (Universidade Estadual Paulista)-Campus Botucatu Agradecimento: Rei-Labor Material para Laboratório (www.reilabor.com.br)


Folha de S.Paulo