Versão para impressão

21/05/2008
Delfim Neto:Entrevista

Delfim Neto: famoso e polêmico:

De sua sala no primeiro andar de uma bela mansão de tijolinhos à vista, transformada em escritório, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, Delfim Neto continua recebendo empresários e políticos influentes, como nas diferentes épocas em que foi embaixador em Paris, ministro da Fazenda, do Planejamento e Agricultura, durante o governo militar e nas cinco legislaturas como deputado federal. Agora, aos 80 anos de idade, completados no dia primeiro de maio, ele resolveu diminuir o ritmo. Costuma reservar as tardes para estudos.
Delfim Neto tornou-se um dos economistas brasileiros mais conhecidos no país e no exterior pela sua capacidade de trabalho e pela facilidade com que consegue provocar as correntes de opinião de todos os espectros político-ideológicos.
Ficou famoso por comparar o crescimento econômico a um bolo e foi o principal artífice do chamado "milagre brasileiro" (1968-1973), quando o PIB crescia, em média, 10% ao ano.
Também foi muito criticado pela sua ortodoxia econômica. Seus adversários o acusam de ter favorecido a concentração de renda e de ter contribuído para o endividamento externo do Brasil.
Filho de José e Maria Delfim, ele perdeu o pai ainda criança. Começou trabalhar aos 14 anos como contínuo na Gessy e iniciou sua carreira acadêmica como professor na USP onde se formou em Economia, em 1948.
No início desta entrevista exclusiva fez questão de se referir de forma elogiosa a gestão de Jamil Zantut no Corecon-sp (1958-1961-1969-1970-1971-1972) e brindou os leitores com opiniões e informações, como sempre, polêmicas.

O Economista - O número de economistas ativos vem caindo na proporção de 5% ao ano segundo o novo presidente do CORECON-SP, Professor Waldir Pereira Gomes. Em sua opinião, o que é preciso fazer para a valorização do economista no Brasil?
Delfim Neto - Em primeiro lugar eu agradeço muito a oportunidade que vocês estão me dando nessa nova fase do jornal, agora transformado em revista, para poder conversar com os meus companheiros de profissão. O que eu acho é que a profissão de economista, na verdade, é uma espécie de tecnologia com múltiplos usos. Ela serve para uma porção de coisas, como é a advocacia, a engenharia, o contador e o atuário. Se ele não tem uma enorme especialização, o seu mercado é muito pequeno mesmo. Mas é como eu dizia, é uma ferramenta de múltiplas utilidades e eles precisam encontrar novos caminhos e novos usos para elas. Têm que mostrar para o governo e para o setor privado que, realmente, dispõem de conhecimentos que são úteis nas decisões, na análise dessas decisões, que são úteis nas estratégias formuladas pelas empresas ou
pelo Estado. Tivemos o primeiro, o grande impulso na profissão, porque havia a crença que a profissão era capaz de resolver uma porção de problemas.

O Economista
- Essa fase que estamos vivendo na nossa economia, é boa ou é ruim para o economista?
DN - Para o economista não tem fase boa ou ruim. O economista é útil, ou inútil. Se ele for útil qualquer fase é boa, mesmo quando a economia vai mal. Até talvez tenha mais valor quando a economia tem dificuldades. Se realmente incorporar conhecimentos, pode ser até mais útil quando a economia não vai tão bem do que quando vai bem, porque as resistências, digamos, para você progredir contra a corrente, são muito mais fortes do que progredir junto com a corrente.

O Economista - E que mensagem o sr. gostaria de enviar à nova diretoria do CORECON-SP e aos economistas?
DN - A mensagem é: nós só valemos pelo que sabemos. Não adianta imaginar que é por causa do diploma, que é por causa do doutoramento, mestrado ou PhD. Tudo isso é fundamental, é importante, desde que realmente, você esteja incorporando esses conhecimentos e que eles sejam úteis para aquilo que você pretende fazer. Os economistas podem escolher vários caminhos. Alguns têm uma inclinação, digamos, para ciência. Serão pessoas que irão se dedicar a uma análise da teoria econômica para tentar ampliá-la, mas a demanda dessa gente é muito pequena. Na verdade, de vez em quando, em cada sete mil, aparece um que é capaz de ter uma idéia nova e vai ser muito considerado entre os seus pares, ainda que não vá ter sucesso financeiro.

O Economista - O que o levou a escolher economia?
DN - Eu não escolhi a economia. A economia que me escolheu. Acho que essa é a mensagem para todo sujeito que está começando. Ninguém escolhe a sua profissão. É a profissão que te escolhe. Eu queria ser engenheiro mecânico, me preparei, fiz um cursinho, ia prestar concurso na Poli, mas tinha muita dificuldade de sobreviver. Minha família não tinha condição de me manter. Então, simultaneamente, eu fiz um concurso para o DER e me preparei para o vestibular. Aí aconteceu uma coisa interessante. Antes de fazer o vestibular saiu uma lei criando a Faculdade de Economia permitindo que os contadores formados no regimento antigo, que era o meu caso, pudessem candidatar-se. Então fui para lá e, na verdade, gostei. Comecei a trabalhar, tive uma boa escola, a USP, tive bons professores. Eu nunca trabalhei. Se trabalhar significa pena. Nunca trabalhei, eu vivi! Desde quando eu comecei a minha vida com 14
anos eu era office-boy na Gessy, progredi dentro da empresa. Eu me incorporei a ela. Eu vivi a Gessy. Quando ela foi vendida para a Lever, quase morri de tristeza. Então me incorporei à escola, como me incorporei ao DER. Fiquei lá quatro anos muito felizes. Quando você gosta do que você está fazendo, você não trabalha, você vive. Se o sujeito vai fazer a escola como uma tragédia porque o pai quis, porque ele acha que precisa de um diploma, mas ele preferiria ir na sexta-feira para a balada e na segunda-feira começar outra vez, não adianta. Não vai à lugar nenhum, vai ser normal, mas ele não vai ser feliz, porque para as pessoas em que o trabalho não é a vida, não há felicidade.

O Economista - O sr. teve na sua carreira alguma decepção profissional?
DN – Não. A profissão nunca me decepcionou. Honestamente, eu tenho uma grande alegria desde que eu entrei na universidade com 17 para 18 anos. Estou com 80. São 62 anos de grande alegria, com dificuldades, acertando, errando, mas sempre sabendo que você fez o melhor que você podia, nas condições que você tinha, com os conhecimentos que você dispunha naquele momento. E não tem arrependimento.

O Economista - O sr. conduziu o chamado “milagre econômico”. O que falta para o presidente Lula fazer o seu “milagre”?
DN - Nunca houve milagre. O milagre é efeito sem causa. Se as pessoas pensam que o Brasil cresceu por acidente estão muito enganadas. O Brasil cresceu porque foi capaz de pensar-se, porque realizou uma política de desenvolvimento e fez um grande desenvolvimento em taxas iguais às chinesas de hoje, com inflação declinante, e com a relação dívida externa/exportação aceitável. Hoje, estamos em condições de ter um crescimento muito sólido porque nós fomos ajudados pela economia mundial. Também o mundo se expandiu e o Brasil soube ligar o seu plugue ao mundo. O Brasil perdeu o caminho depois de 1985 por causa de desastrosas políticas cambiais, como nós estamos vivendo. Hoje nós podemos sustentar essa política desastrosa porque a expansão do mundo elevou o preço dos produtos que nós exportamos. O mundo crescendo, aumentou a quantidade das nossas exportações. Mas isso não é uma coisa duradoura. O maior equívoco é as pessoas não estarem pensando o Brasil daqui há 25 anos quando teremos 250 milhões de habitantes. Vamos ter que dar emprego decente para 140 milhões de sujeitos, entre 15 e 65 anos, e não se fará isso exportando minério e produto agrícola. O Brasil precisa de uma robusta política industrial exportadora para poder continuar importando livremente depois que esta maré de bonança for embora.

O Economista
- E essa maré dura quantos anos?
DN - Ninguém sabe. A ilusão é pensar que a situação vai se manter. Temos 250 anos de registros bastante razoáveis indicando que o PIB flutua com períodos diferentes e com amplitudes diferentes, mas flutua. Quer dizer: ele não é uma exponencial. A taxa de crescimento não é uma exponencial. Ela vai flutuar como vai flutuar mais dia menos dia nos Estados Unidos. A idéia de que o mundo está isolado é um exagero. O mundo vai responder. O Brasil tem uma grande vantagem nesse momento, que é os fatores do crescimento serem internos. Só têm dois fatores que abortam o crescimento: a oferta de energia e o déficit em contas correntes. Hoje, ainda temos uma saia curta em energia, mas no curto prazo teremos a solução. Com as descobertas de Tupi e de Júpiter, o programa de etanol e com o desenvolvimento das hidroelétricas este é um problema, em minha opinião, vencido. Tem mais 25 anos pela frente de tranqüilidade. Se você fizer um programa industrial exportador inteligente, vai ter 25 anos de tranqüilidade na conta corrente, e vai poder crescer 6 ou 7% ao ano tranquilamente sem nenhum problema.

O Economista
- Qual é, em sua opinião, o maior erro do governo Lula nesse aspecto?
DN - Em minha opinião o Lula salvou o capitalismo. O capitalismo é um regime de competição feroz. Para a sociedade aceitar a competição você precisa ter um mínimo de igualdade de oportunidades. É isso que nós temos esquecido. O Brasil cresceu mediocremente nos últimos 25 anos. No governo Fernando Henrique, já esquecemos, crescemos, durante oito anos menos de 1% ao ano per capita. Hoje estamos crescendo a 3.7 e com melhor distribuição de renda. O capitalismo para ter um mínimo de moralidade precisa que o meu filho tenha uma oportunidade igual ao filho de todos os outros. Não importa o nível de renda dele, não importa aonde ele nasceu, não importa a cor dele, não importa a religião dele. É essa igualdade de oportunidades que o Lula tem como uma coisa intuitiva, porque ele é um sobrevivente.

O Economista
- Qual o defeito do presidente Lula?
DN - É corporativo demais. Na verdade as corporações já eram donas do Brasil, mas agora são senhoras do Brasil. Isso nasceu na constituição de 1988, que foi uma tragédia produzida pelo sucesso efêmero do plano cruzado.

O Economista
- O sr. falou do petróleo. A saída do Brasil, nesse ponto é a bioenergia?
DN – Não. Na verdade essa reserva de Tupi já tinha sido assinalada no U.S. Geological Survey, de 2000. Os americanos já tinham detectado. O satélite já tinha calculado com aquelas formuletas o nível da reserva. Deve ter lá mais de 30 bilhões de barris de reserva. Em Júpiter é igual. É um negócio de grandes proporções. Bom é que o Brasil comprovou que Deus é brasileiro. Nós estávamos em dúvida...

O Economista
- O sr. pretende voltar para a política?
DN - Não, com 80 anos eu não pretendo voltar para lugar nenhum.

O Economista/CRESP