Como já escrevi anteriormente as tradições natalinas eram cumpridas com fidelidade e prazer pelos melhoramentinos. Na casa da minha madrinha então, eram essenciais.Uma das tradições mantidas foi o hábito de sempre presentear parentes,afilhados,comadres e vizinhos . Nem todos eram agraciados.A vida não era fácil, os recursos eram escassos.A família e os amigos eram tantos que, tais mimos a todos, eram impossíveis.Mas, esforçada como era Dona Cida Sant’Anna ,juntar as economias obtidas com as suas costuras era um dogma em seu cotidiano sempre tão generoso.Com alegria ela dava um jeito de comprar alguma lembrança.E conforme ia comprando, ia colocando os pacotes sobre uma cadeira de madeira,forrada com tecido acetinado rosa que ficava em um dos quartos.A maioria eram cortes de tecido para roupas,para toalhas de mesa.Os pacotes depois de embrulhados eram identificados num cantinho escondido do papel e eram empilhados sobre a tal cadeira do quarto.Certo Natal, eu estava tão curiosa em achar o meu presente que não tive dúvidas,fui bisbilhotar .Ignorando a identificação do pacote, ia fazendo pequenos furos no papel pra tentar descobrir alguma coisa. Mas que nada! Rasgava a pontinha e só via tecido preto, estampado,toalha de mesa.Nada parecia ser para mim.O meu teria que ser um brinquedo! Um dia ouvi conversas e descobri que os presentes estavam identificados.Puxa que sorte! Seria bem mais fácil assim.Mas a coisa continuou difícil.Tinha presente com nome de todo mundo: Cema, Ziza, Olga, Terezinha, Matilde, Odete,Cici, Ivone, Marina.Eram para as irmãs, cunhadas.Mas e para mim?Nada! Continuei a busca e não desisti. Num belo dia, finalmente achei o que procurava .Só podia ser aquele.Meu nome estava lá: FATINHA ( meu apelido de criança).Feliz e radiante repeti o processo.Rasguei a ponta do pacote para ver o conteúdo .Tive outra decepção.Era mais um corte de tecido.Triste, ajeitei o pacote na cadeira rosada e me conformei.Teria outro vestido e o brinquedo tão sonhado permaneceria apenas no desejo. Frustrada, sosseguei. Dias antes do Natal , os presentes tiveram seus destinos.Para minha surpresa vi meu pacote sendo dado para outra pessoa: Para a tia TATINHA, cunhada da minha madrinha,esposa do Moacir Sant’Anna. Fiquei desconcertada por ter confundido as letras e cheguei a pensar que não ganharia nem brinquedo e nem tecido.Feliz engano! No dia 25 , pela manhã, ao pé da árvore de Natal lá estava, a grande surpresa.Meu primeiro boneco, dentro de um gracioso carrinho vermelho.A felicidade foi indescritível e naquela tarde após o almoço saí lá da Vila Leão, empurrando o carrinho com meu boneco batizado de João Carlos. Com a minha madrinha fui às costumeiras visitas na Ilha das Cobras,na Vila Pereira,na Vila Nova e por último à casa do Tio Algeu, em frente ao Grupo Escolar.Desfilei com meu presente de Natal (da Estrela ) por muito tempo ainda. Anos mais tarde, já adulta, trabalhando no Hospital Emed, doei este meu presente de infância a uma menina pobre, que estava internada para tratamento.Quando entreguei o boneco, me reencontrei nela e revivi a mesma felicidade daquele dezembro de 1.963.Não me arrependi de ter feito a doação pois, os olhos dela brilharam tanto quanto os meus naquele lindo Natal na Vila Leão.Hoje, depois de tanto tempo me pergunto se ela,em algum lugar, ainda se lembra da emoção ao ganhar o meu boneco.Tenho certeza de que jamais me esquecerei dele e daqueles momentos surpreendentes que se iniciaram numa cadeira antiga, carregada de presentes ,num canto de um quarto simples, de uma casa cheia de amor.
FATIMA CHIATI