A caveira velada
Os meninos de antigamente da década de cinquenta do século passado eram rebeldes. Eles desprezavam tênis, telefone celular, vídeo games, internet, e outras tecnologias porque possuíam as próprias. Certa vez com o Zé Polatto (esse era malvado) num exaustivo trabalho de arte moderna a ser exibida numa noite de autógrafos, nós esvaziamos o interior de um grande mamão verde e numa modelagem artística o transformamos num rosto lindo. Furos imitavam os olhos, nariz e a boca. Na noite da exposição, com uma vela acesa dentro, nós a colocamos sobre um lugar bem visível no escuro da noite. Ficamos à espreita observando se lá havia pessoas eruditas entendidas de arte. Pareceu não haver, pois, alguns homens olhavam para aquela aparição insólita, meneavam a cabeça e prosseguiam andando indiferentes a ela. Felizmente duas mulheres demonstraram aptidão à altura para discutirem sobre o inusitado. Primeiro elas pararam diante da cena iluminada, recuaram parecendo amedrontadas, bestemearam alguma coisa e refazendo suas coragens, olhando para aquela figura do outro mundo, correndo passaram por ela. Ao se aproximarem de onde estávamos escondidos ouvimos seus elogios por tão exemplar trabalho cultural: Quem teria sido o filho disso ou o filho daquilo, por que não vai pra ponte que caiu? Vocabulário erudito mesmo. Foi emocionante. As duas eram da Vila Leão. Essa vila ficava distante e isolada do Bairro da Fábrica porque seus moradores não acompanhavam o progresso. Os homens de lá viviam tomando cerveja caracu com ovo ou comendo ovo de codorna, pois, diziam ser mais potente que o Viagra. Se alguém falasse que comer cágado era bom para aquilo... As mulheres, então, não usavam calcinha “fio dental”, não tinham tatuagem, piercing na língua, silicone para aprumar os seios desaprumados e num desmazelo não recorriam a uma recauchutagem com a operação do períneo. Desinformadas com a modernidade tinham mesmo que se assustarem com uma simples caveira de mamão acesa durante a noite. Como deu pra perceber, a meninada de antigamente era mais criativa do que a meninada de hoje. As de hoje “tadinhas” delas, nem saem de casa porque seus pais vivem com medo do bicho papão e não as deixam sair, e com razão.
Altino Olympio