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21/06/2011
Quase entrou no céu

 Quase entrou no céu

Então o homem morreu? Coitado. Mas, ele continuou consciente. Que surpresa pra ele! Ele que sempre contra-argumentou contra a existência disso. Agora, tudo o que sentiu, viu e ouviu na vida lhe foi recordado como se estivesse assistindo num filme da cidadezinha de Caieiras onde nasceu e viveu. Viu-se quando criança nos seus folguedos, viu-se na escola, no levar marmita para seu pai no trabalho dele, acostumou-se a saber das horas pelo apito da fábrica de papel, viu-se no clube assistindo futebol aos domingos. Viu-se nos bailes da sua mocidade, reviu suas namoradas, seu casamento e seus longos anos de empregado na fábrica local. Da casa onde morava viu sua horta, o galinheiro, o abacateiro, o chiqueiro e depois se emocionou por rever todas as pessoas com as quais conviveu, a maioria tendo morrido antes dele. O lugar era pacato, de gente muito honesta e solidária. Até o padre que era muito admirado, sabia-se, às vezes substituía algum marido que estava meio indiferente para com as suas obrigações conjugais. Outro depois dele tirou a batina em troca de um amor tão próximo que nunca havia sentido antes. Teve quem não deixasse sozinha a esposa de alguém que estivesse trabalhando no turno da noite. Entretanto, ainda surpreso com a circunstância antes nunca acreditada por ele, depois ter visto o “filme” sobre sua vida, o homem se percebeu em seu velório. Viu sua esposa muito triste. Seus filhos tristes também evitavam, pelo menos por enquanto, discutir como seria a partilha dos bens deixados por ele. Os amigos ele ouviu-os contando piadas e outros ao falarem que ele foi uma boa pessoa. “Puxa-vida” ele pensou “então é verdade que o espírito fica próximo ao corpo e eu nunca acreditei nisso, mas até quando ficarei por aqui?” Logo apareceu quem estava encarregado de encaminhar sua alma para o céu. Assim que o ritual terminou, ele sumiu do velório e se viu em outro lugar e desconfiou que fosse a entrada do céu e pensou outra vez “então, é verdade mesmo isso de encaminhar a alma, ainda bem”. Um velho lhe apareceu, talvez São Pedro, que lhe disse:
--Seja bem-vindo! Ao transpor esta porta terás a vida eterna aqui no céu.
--Como assim vida eterna aqui no céu? Falaram-me que depois do juízo final todos ressuscitam e voltam a viver como antes, só que, em melhores condições. Afinal, qual das duas opções é a verdadeira? Estou confuso aqui.
--Homem implicante, está morto e ainda discute. Assim não vais entrar aqui e...
Trirrim... Trirrim... Trirrim... –Ã, que é isso? Nossa, é a campainha do telefone que me acordou. Ai, ainda bem, que sufoco, eu estava sonhando com alguém que morreu e estava em apuros... Mas, não consigo lembrar tudo do sonho. Teria sido uma experiência extracorpórea? Sei lá... Hum... Hum... Que cheirinho de café. Que bom, hoje nada tenho a fazer, acho que vou escrever alguma besteira.

Altino Olympio