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31/07/2009
Filme de uma saudade

Dizem quem sempre se lembra do passado é saudosista. Porém, se lembramos dele é porque neste presente estamos vivos. Estamos à mercê de estímulos visuais e auditivos e muitos deles nos remetem ao passado. Neste caso, uma música antiga teve o poder de provocar um retorno para o interior de um salão de cinema que também era utilizado para festas e bailes, isso, num passado remoto. “Revivido” foi agora aquele salão assoalhado com bancos de madeira enfileirados, a cortina da porta de entrada da mesma cor da do palco onde se situava a tela para a projeção dos filmes, as lâmpadas no teto de madeira, as músicas que antecediam a seção cinematográfica e a campainha que anunciava seu início. Memorável também o bar que existia ao lado do salão, decorado com prateleiras de madeira. Ele parecia ser do estilo daqueles bares vistos em filmes e existentes no exterior do país. Cinema aos sábados e domingos, comum também, era ser freqüentado por famílias e estas ocupavam bancos inteiros. Crianças, inclusive, gostavam de se sentarem nos bancos da frente, os mais próximos da tela. A última música antes do soar da campainha anunciando o início do filme nunca mais seria esquecida. “Que será”, cantada por Dalva de Oliveira era assim: “Que será da minha vida sem o teu amor, da minha boca sem os beijos teus, da minha alma sem o teu calor. Que será da luz difusa do abajur lilás, se nunca mais vier a iluminar outras noites iguais. Procurar uma...” Logo as luzes parcialmente iam se apagando coincidindo com o longo “trim” da campainha seguido pelos “psius”, solicitando silêncio e término do murmúrio das últimas conversas entre os assistentes, pois, entre si, todos eram conhecidos. No finalzinho do filme se ouvia o ruído peculiar do abrir manual das cortinas da porta do salão. Na tela ainda se via e se lia o “The End” do filme quando já se iniciava o acúmulo de pessoas nas proximidades da porta de saída. O reacender das luzes flagrava fisionomias, como que, retornadas de uma aventura ou despertadas de um bonito sonho, dependendo de como tinha sido o enredo e a emoção provocada pelo filme. Se esvaziando das pessoas, com o seu silêncio o salão do cinema, antes do apagar de todas as luzes exibia em seu interior alguns bancos agora fora de ordem tendo por baixo como testemunhas das presenças humanas, papeis coloridos que envolviam balas, chocolates e até cascas de amendoim cujo estalar às vezes se ouvia durante a exibição do filme.

O salão do cinema, salão de bailes e de outros eventos era o local dos melhores entretenimentos na região onde poucos haviam, principalmente no chamado Bairro da Fábrica da Indústria Melhoramentos de Caieiras. Num dia da década de cinqüenta do século passado, uma notícia fatídica se espalhou. O salão do cinema pegou fogo! Fora durante a madrugada. Na parte da manhã muitas pessoas acorreram para lá. Aquela visão do incêndio tristemente emocionou a todos. Era como se uma parte da vida de cada um deixasse de existir. O fogo deve ter tido início no porão do salão onde pertences para o desfile do carnaval local eram guardados. De madeira, o piso do salão veio abaixo e a seguir o teto e o telhado. Nada sobrou intacto, apenas as altas paredes preto chamuscadas. Do espaço onde existia a porta de entrada, se via abaixo em meio aos escombros, brasas fumegantes a expelirem fumaças. Estas, brancas às vezes em espirais por entre escuros carvões pareciam um réquiem (prece aos mortos) para tantas emoções ali vividas que nunca mais seriam repetidas e seriam esquecidas. O salão fora ambiente social para as solenidades da indústria de papel local, para cerimônias de formatura da escola primária, para bailes de carnaval e para bailes de coroação de rainha e suas princesas eleitas em concurso promovido pelo Clube Recreativo Melhoramentos que administrava o salão. Alguns remanescentes daquela época ainda mantêm em seus lares fotografias de tais eventos. Nelas ficaram as imagens de muitas pessoas tão queridas que o tempo pelo seu passar as levou de nosso convívio. “Era uma vez, escondido do mundo, um paraíso persistia em existir. Irmanados como eram, seus habitantes tinham num salão de cinema e de baile o presenciar de suas melhores emoções. Mas, o destino interferiu e...”

 

Altino Olympio