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26/09/07
Esperada Excursão

Ao aproximar-se o esperado dia quatro de outubro de mil novecentos e trinta e seis, os inscritos para a excursão a Santos envolveram-se em preparativos, os quais, hoje, só podemos imaginar, conforme nossas informações sobre o viver de outrora.

Costureiras estiveram a postos para atender encomendas de confecção: calças, camisas, saias e vestidos. Ternos, calçados, foram adquiridos, talvez, em São Paulo, onde, também maillots (maiôs) mais facilmente poderiam ser encontrados. Na véspera da “aventura” as preocupações se intensificaram. Do fogão a lenha, brasas foram retiradas e introduzidas no pesado ferro de passar roupas. As labaredas do fogão a lenha bailaram o dia todo no cozimento, na fritura, nos assados e também no esquentar água em “tachos” para se tomar banho de bacia na inexistência de chuveiro elétrico. As preocupações também se estenderam para os animais de estimação, cães e gatos que ficariam ausentes de seus donos por um dia inteiro e seria preciso reforçar suas cotas de ração. Antes da saída para a viagem, suprir com bastante milho ou farelo, as galinhas e os patos, como também, quirera para os pintinhos e para os patinhos. Capim para a cabra e os cabritinhos.

Conforme noticiou o Jornal Vida Nova, não às 5,55 horas como anteriormente anunciado, mas, às 6,30 horas, o trem especial inicia a sua partida para aquela excursão a Santos, promovida que foi pelo Clube Recreativo Melhoramentos (C.R.M.) e pelo clube União Recreativo Melhoramentos de São Paulo (U.R.M.S.P.). Contagiando agradavelmente o ambiente de dentro do trem, a Banda do C.R.M. iniciou a execução das músicas de seu repertório. O trem parou na Estação de Perus para o embarque de mais excursionistas e para outros estacionou na Estação da Luz. Sempre com a animação da banda o trem prosseguiu por entre as bonitas paisagens no que iria deixar saudades da poderosa locomotiva movida a vapor, vez ou outra apitando, expandindo fumaça e soltando brasas que invadiam os vagões e divertiam os passageiros na intenção de se livrar delas.

Chegada no “Alto da Serra de Santos”. Em Paranapiacaba, o comboio de vagões foi separado em partes (teria sido assim?) para adaptarem-se ao sistema cremalheira, cujos cabos de aço conectados aos vagões permitiam com segurança o tráfego pela íngreme descida da serra até o planalto de Cubatão, onde, novamente reagrupados, engatados, os vagões puxados pela locomotiva seguiram para o fim da viagem até a Estação de Santos. Para a maioria que nunca tinha visto tão belo panorama, isso, provocou disputas para se conseguir um lugar junto a alguma janela do trem para apreciá-lo melhor.

Na Estação de Santos, reservados para a ocasião, vários bondes da Cia. City já os estava aguardando. A banda ocupou os lugares do primeiro bonde e os restantes, na euforia foram lotados pelos excursionistas. Rumando para a Praia do José Menino, o Maestro Assis não deu trégua aos seus músicos. Pelas ruas o povo de Santos foi surpreendido alegremente com os sons melodiosos da banda. Logo que chegaram na praia prevista e depois de alugarem as pequenas “cabines de banho” para se trocarem, os inebriados de Caieiras “caíram n’água” salgada do mar. Quando já queimados pelo sol, o “roncar das barrigas” agrupou-os em volta dos quitutes anteriormente preparados para o inesquecível piquenique.
Naquela data, os santistas ainda não apelidavam os paulistas de “farofeiros de praia”.

Às treze horas, no Clube Recreio Bela Vista de Santos teve início um retumbante baile abrilhantado pelo Jazz e pela Banda C.R.M. prolongando-se até as dezoito horas. Enquanto muitos dançavam, outros retornavam ao banho de mar. Alguns mostravam suas habilidades pedalando bicicletas alugadas. Bem notadas pelos seus elegantes maillots (maiôs) foram as senhoritas Iracema, Nair C., Anna e Elisa M., Genny, Ivone, Yolanda N., Doca e Hilda D.
Maiôs compridos! A decência ainda persistia por aquele tempo.
No baile, o Leopoldo em mangas de camisa bancou o grilo no salão, o Constantino bancou o detetive, o Delphim foi o inimigo № 1 da tristeza e o Ubaldo bancou o pintacuba (que seria isto?) nas duríssimas bicicletas de praia. O Sr. Ehlert, acompanhado de sua esposa, dando prova de estima pelos seus subordinados da Indústria Melhoramentos, o dia todo acompanhou-os nos seus folguedos pela praia. Ele que, em 1920, da Alemanha veio pra Caieiras para trabalhar na qualidade de técnico na indústria de papel.

Às 19,30 horas deu-se inicio o retorno para Caieiras. A claridade das luzes de dentro do trem foi riscando a escuridão da noite. As alegrias nas conversas eram sobre as proezas do dia decorrido. Todos comentavam sobre suas peraltices praianas. O barulho peculiar sobre o trafegar por sobre trilhos pareceu ser uma hipnose que, apropriando-se do cansaço geral foi aos poucos emudecendo a todos, visto que, suas conversas foram diminuindo. Cada um ficou com seus próprios pensamentos sobre o passeio e vez ou outra, lembrando-se do lar que estava a espera e até a banda manteve-se silente. Em vários o cochilo despertou sonhos de felicidades.

Tarde da noite o trem da volta estacionou na pacata Estação de Caieiras. Em posse de artigos de lembranças de viagem comprados em Santos, com suas sacolas, pacotes, bolsas e maletas, os excursionistas desembarcaram. Os que não moravam nas imediações da estação de trem, Caieiras, eles, para seguirem até o Bairro da Fábrica ou Bairro do Monjolinho, embarcaram nos trenzinhos (maquininhas como também eram chamados) particulares da Indústria Melhoramentos de Papel. Em suas chegadas em casa, a alegria mais ficou por conta dos animais de estimação. Latidos e mais latidos rompendo o silêncio da noite sendo os mais sinceros contentamentos pelo regresso de seus donos. Aliado ao cansaço da viagem, o sono exigiu a necessidade de dormir. Os últimos e provocados ruídos da noite foram dos colchões de palha de milho ao acomodar seus donos nas camas. O tic-tac do relógio sobre a cristaleira da sala continuou a ritmar o tempo, tendo como companheiras do silêncio as fotografias de familiares dependuradas pelas paredes. Na cozinha envolta pela escuridão, o guarda-comida contendo louças e canecas feitas de lata com seus cabos soldados com estanho, o saco bordado de guardar pão pendurado num prego da parede próximo a rústica mesa de cozinha, a lata de banha de porco pendurada no teto de madeira, na pia o pote de barro para conter água fresca, o fogão a lenha ainda contendo cinzas do dia anterior ao da excursão e, tudo estando na quietude parecendo estar na expectativa do aguardar do amanhecer do dia. E assim, na primavera, na aurora do dia cinco de outubro, as lembranças da viagem do dia anterior muito ainda persistiam nas mentes daqueles excursionistas das praias da cidade de Santos. Depois, até onde sabemos, a vida naquela Caieiras de outrora continuou pacata, simples, até onde assim conseguiu resistir. Ainda teríamos entre nós algum remanescente daquele passeio inusitado para aquela época?

Altino Olimpio