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A Ação Civil Pública movida pelo Dr. João Carlos Calsavara - promotor de justiça e o seu melancólico fim na justiça

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DISTRITAL DE CAIEIRAS – COMARCA DE FRANCO DA ROCHA.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, representado pelo Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, com fundamentos nos artigos 37, parágrafo 4º, 127, caput, e 129, inciso III da Constituição Federal, consoante o disposto na Lei Federal 7347.85, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar, observados o procedimento ordinário, diante dos fundamentos de fato e de direito expostos adiante, em face de:

 

COMPANHIA AUXILIAR DE VIAÇÃO E OBRAS – CAVO, situada na estrada do Taboão, s/n – Caieiras, com domicílio na Praça Alberto Lion, 366, São Paulo.

 

A presente ação civil pública é fulcrada nos motivos de fato e de direito expostos:

 

I – DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

O artigo 127 da Constituição Federal conferiu ao Ministério Público relevante missão institucional na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis da sociedade.

 

O artigo 129, inciso III da Lei Maior dispõe que:

 

“São funções institucionais do Ministério Público:

 

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

 

A respeito dessa norma prevista na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Ada Pellegrine Grinover afirma tratar-se de uma nova modalidade de ação civil pública que veio a consagrar, na realidade, verdadeira ação popular, com legitimação atribuída ao Ministério Público. A única diferença entre elas reside exclusivamente na legitimação, em ambas extraordinárias, pois o cidadão e o Ministério Público são substitutos processuais da coletividade.¹

 

¹ “Uma Nova Modalidade de Legitimação à Ação Popular”, in “Ação Civil Pública”, p.23, Ed. RT, 1995.

 

A propósito do alcance da Lei da Ação Civil Pública, em comparação com a Lei da Ação Popular, Hugo Nigro Mazzili afirma que o objeto da primeira é mais amplo porque contém uma norma residual ou de encerramento, o que torna possível à defesa de qualquer interesse difuso por seu intermédio, não excluída, naturalmente, a defesa do patrimônio e do meio ambiente. Na ação civil pública pode ser feito qualquer tipo de pedido, de qualquer natureza, conforme autoriza seu artigo 21, nela inserido pela Lei 8078.90.²

 

² “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, Ed. Revista dos Tribunais, 5ª Ed., 1993, p.103.

 

Colocada à questão sob esta ótica, a posição processual do Ministério Público frente aos casos concretos de ofensa ao meio ambiente, importa sempre não uma faculdade, mas sim um dever-agir ministerial, ainda que seja, para fundamentadamente, promover o arquivamento do inquérito civil ou de peças informativas, sujeito sempre o arquivamento ao crivo do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público, na forma do artigo 9º, parágrafos 1º a 4º, da lei 7347.85.

 

Portanto, é incontroversa a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil pública voltada para a proteção do meio ambiente, dentre outros interesses metaindividuais.

 

Nesse sentido é oportuno citar os seguintes julgados do Egrégio Tribunal de Justiça:

 

*Processo civil, Ação Civil Pública – Defesa do Patrimônio Público.

 

Ministério Público – Legitimidade Ativa – Inteligência do Art. 129 III da CF/88, c/c o Art. 1º da Lei 7347.85. Precedente. Recurso Especial não conhecido.

 

I – O campo de atuação do Ministério Público foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo artigo 1º da Lei 7347.85 (Resp. 31.547-9/SP) – S. Paulo, Sexta Turma, v.u, DJ 4.12.95, p. 42148).

 

II – DO DIREITO

 

Nos termos do artigo 3º, II, da Lei nº6939/81, entende-se por degradação da qualidade ambiental a alteração adversa das características do meio ambiente, compreendendo neste, nos termos do inciso I do mesmo artigo, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

 

Dispõe o artigo 225 da Constituição Federal, in verbis, o seguinte:

 

“Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

Tal dispositivo esclarecedor indica que a preservação do ambiente, objeto da pretensão aqui deduzida, inclui-se na categoria dos chamados interesses difusos.

 

O conceito de interesses difusos, a propósito, se viu inserido no artigo 81, inciso I, da lei 8072.91 (Código de Defesa do Consumidor), como sendo “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

 

O interesse, no caso, não é de titularidade de uma só pessoa, ou de um grupo restrito de pessoas, mas de toda a coletividade.

 

De se ressaltar, ainda, que ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, o legislador admitiu a chamada responsabilidade objetiva do poluidor, se contentando com a demonstração do nexo causal entre a conduta operada e a lesão ao meio ambiente para que emerja a responsabilidade pela reparação, independentemente da existência de culpa (artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6938.81), destacando-se que a reparação não implica tão-somente na indenização do dano ambiental causado, mas também na restauração da situação anterior.

 

III – DO ESCORÇO NECESSÁRIO

 

No apagar das luzes da última administração municipal de Caieiras, foi editada a lei municipal nº. 2676, de 10 de dezembro de 1996, determinando a criação de uma zona de serviços de saneamento ambiental e de indústria do setor primário, localizada na área definida como ZUPI 1.1/179, conforme decreto municipal nº 1439, de 16 de agosto de 1978, lei estadual nº1817, de 27 de novembro de 1978 e lei estadual nº 2952, de 15 de julho de 1981, excetuando-se os eventuais assentamentos, residências e comerciais já aprovados.

 

Determinou a lei 2676/96 à autorização de instalações de atividades no local referente ao tratamento, reciclagem e disposição final de resíduos urbanos, industriais e serviços de saúde, de qualquer origem, inclusive, provenientes de outros municípios.

 

A empresa COMPANHIA AUXILIAR DE VIAÇÃO E OBRAS – CAVO, recentemente adquiriu área de 365 hectares localizados na cidade de Caieiras, dentro da área delimitada pela lei autorizadora nº 2676/96, em área próxima aos bairros de Jardim Marcelino, Jardim dos Eucaliptos, destinando-a para a construção do denominado “Centro Tecnológico de Resíduos – CTR”.

 

A implantação do Centro Tecnológico de Resíduos, que receberá lixo de localidades ainda não mencionadas, conforme a própria lei municipal não excetua, não necessariamente da região, abrangidos resíduos domésticos e hospitalares, é de responsabilidade da empresa CAVO.

 

Estranhável que a lei nº 2676/96 tenha estabelecido os limites de possíveis empreendimentos de forma quase idêntica do projeto da empresa que, curiosamente, logo em seguida adquiriu a área para o projeto, dando início ao processo de licenciamento.

 

Importante é mencionar que a população de Caieiras, irresignada com a implantação do CTR posicionou-se contrariamente o projeto, inclusive propondo projeto de lei buscando a reforma da lei municipal nº 2676, de 10 de dezembro de 1996.

 

Desta forma, conforme listas colhidas por todo o município, na forma do prescrito na Lei Orgânica do Município de Caieiras-SP, notadamente no que tange a seu artigo 42, parágrafo único e seus incisos I e II, foi proposta à Câmara Municipal de Caieiras, a iniciativa de lei municipal, com a finalidade de se revogar a lei municipal nº 2676.96, eis que presentes graves conseqüências com a implantação do denominado CTR para a qualidade de vida da cidade, sendo que o descontentamento e a desnecessidade da implantação do denominado CTR para a vida da cidade foram amplamente comprovados pela manifestação pública quando da realização da Reunião Pública de 09 de fevereiro de 1999 no Centro Educacional Izaura Neves (CECIN).

 

Assim, foi encaminhada a proposta à Câmara Municipal de Caieiras, com as mencionadas listas, com identificação de todos os assinantes, com indicação dos números dos respectivos títulos eleitorais e seção, em obediência à Lei Orgânica do Município de Caieiras (Lei 1994.90, de 05 de abril de 1990), requerendo a designação de data, local e horário para a realização da sessão referente a tal iniciativa, com veiculação pela imprensa, para total conhecimento e participação de toda a população caieirense.

 

IV – DOS FATOS

 

A – Quanto à localização do Centro Tecnológico de Resíduos

 

Certo é que o projeto em si engloba dentro de seu âmago cerca de 14 nascentes naturais, dentro da área, considerada área de preservação ambiental, acrescidas de seus córregos.

 

A área do projeto de implantação do Centro Tecnológico de Resíduos de Caieiras encontra-se na região da Sub-Bacia Hidrográfica Juqueri/Cantareira (municípios de Caieiras, Franco da Rocha, Mairiporã, Francisco Morato, Cajamar e Zona Norte/Noroeste do município de São Paulo).

 

Além da mencionada bacia hidrográfica o projeto é próximo a várias unidades de conservação, quais sejam, Parque do Juquery, Parque da Cantareira, Parque Anhanguera, áreas de proteção ambiental referentes aos mananciais de Mairiporã/Franco da Rocha e outras áreas em vias de incorporação à política estadual de proteção aos mananciais do Ribeirão Itaim/ETA Juquery e Ribeirão dos Cristais/ETA Cajamar, conforme deliberação do Subcomitê Juquery/Cantareira de fevereiro de 1998, artigo 5º, III e IV e 6º, I “c” da Resolução Conama 001/86.

 

Insta salientar que o complexo Cantareira, da Represa Paiva Castro encontra-se próximo ao local do projeto, não sendo mera conjectura considerar que acidente com veículo transportando resíduos nocivos e perigosos pode comprometer toda a saúde e a vida de uma população de milhões de pessoas, das zonas norte e oeste da cidade de São Paulo, beneficiadas diretamente com a água que é bombeada através do sistema existente na Represa Paiva Castro.

 

Impende acrescentar que é sabido que o lixo não é inerte, liberando gases inflamáveis (metano) e odores desagradáveis (mercaptanas, gás sulfídrico), além de líquidos altamente tóxicos (chorume) que podem contaminar águas superficiais e subterrâneas.

 

Demais disso, o CTR irá receber resíduos de municípios vários, sendo certo que dentre os resíduos que aqui aportarão estarão também lixos hospitalares de toda parte, bem como resíduos derivados de materiais perigosos, excetuando-se tão-somente lixo atômico.

 

Frize-se que pela grandiosidade da área, ainda sequer a mesma foi delimitada, eis que já está a empresa atuando na área, preparando o terreno para o projeto. Mera inspeção judicial por meio de oficial de justiça basta para identificar o projeto. O que se sabe é que o projeto existe e está situado entre os bairros do Jardim Marcelino e dos Eucaliptos.³

 

³ Conforme descrito na inicial a fls. 04.

 

A própria empresa cansou-se de divulgar seu projeto denominado CTR como localizado no citado bairro e mencionada sua localização na inicial a fls. 04.

 

Importante é mencionar que a população de Caieiras, irresignada com a implantação do CTR posicionou-se contrariamente o projeto, inclusive propondo projeto de lei buscando a reforma da lei municipal nº2676, de 10 de dezembro de 1996.

 

Portanto, o projeto e sua localização, ainda que em área não delimitada milimetricamente EXISTEM!!!

 

A própria empresa por meio de publicação na grande imprensa (Jornal Regional News, Jornal Local, Jornal Gazeta Mercantil, Jornal Regional e Diário Oficial do Estado) noticiou que requereu licença junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente para a construção do “Centro Tecnológico de Resíduos – CTR Caieiras”, na Estrada do Taboão, s/n, em Caieiras/SP.4     

 

4 Folhas 90 destes autos.

 

B – Quanto às conseqüências ao sistema viário

 

Importante é mencionar que é sabido que o transporte de todo o resíduo destinado ao CTR será transportado por meio de caminhões, sendo que tal carga, por sua própria natureza, é de difícil acondicionamento, o que com certeza acarretará perda da matéria transportada pelo caminho até o destino final, fazendo a população ser obrigada a conviver, além do tráfego intenso de caminhões com a sujeira espalhada pelas vias públicas, portanto, indiscutível a poluição.

 

Pela quantidade de resíduos que deverá chegar diariamente no Centro Tecnológico de Resíduos de Caieiras, o número de caminhões por dia usando a malha viária da região chegará à cerca de 150 veículos diários, transportando toda a sorte de resíduos, domésticos, hospitalares e industriais.

 

A única rodovia de acesso à região de Caieiras e Franco da Rocha, qual seja, a rodovia Presidente Tancredo Neves, SP/332, encontra-se saturada, inadequada para tráfego pesado e carecendo de reparos imediatos, sendo que grande é o espessamento populacional em suas margens, ainda com maior adensamento na área mais próxima que está sendo destinada ao Centro Tecnológico de Resíduos de Caieiras.

 

Além do que, pelo impacto ambiental causado pela poluição, em face da emissão de gases poluentes, causada pelo aumento do tráfego com cerca de centena e meia de caminhões por dia transportando resíduos perigosos, mais o risco premente de acidente automobilístico e derramamento envolvendo resíduos perigosos, o empreendimento engloba riscos enormes para o desenvolvimento de vida saudável da população.

 

5 O Aterro receberá resíduos “Classe 1”, definidos como perigosos pela SMA – fls. 74 dos autos.

 

Não há no projeto qualquer menção explicativa no que tange aos resíduos “Classe 1”, definidos como perigosos, sabendo-se que estão excetuados apenas os resíduos atômicos.

 

A citada rodovia é a única com acesso para Jundiaí ou São Paulo, encontrando-se a cidade de Caieiras encravada na região por causa de outros acessos diretos a tais cidades, haja vista que o município é carente de recursos hospitalares, existindo apenas um único hospital, de natureza privada, o Hospital Regional de Caieiras, de média complexidade em seus atendimentos, sendo diuturnamente necessárias remoções para complexos hospitalares de grande porte, utilizando-se a rodovia Tancredo Neves SP/332.

 

Na região ainda encontra-se instalado o DIR-IV, Complexo Hospitalar do Juquery, na cidade de Franco da Rocha, nacionalmente conhecido pela sua amplitude, do qual seus profissionais também removem pacientes para complexos hospitalares de grande porte, utilizando-se da Rodovia Tancredo Neves SP/332.

 

No mais, frize-se que o caminho demonstrado no projeto nunca será seguido, isto porque os motoristas nunca irão até Cajamar, passando por pedágio e balança existentes na rodovia Anhanguera, SP/332, passando os mesmos a usar o notório e conhecido caminho alternativo de caminhões que fogem da fiscalização e do pagamento do pedágio, que é o desvio pelo bairro de Perus/SP, utilizando-se de uma única via que atravessa aquele bairro, com tráfego pelo centro da cidade de Caieiras, até atingir a rodovia Tancredo Neves/SP 332, cujo Centro Tecnológico de Caieiras encontra-se localizado à sua margem esquerda.

 

Demais disso a desvalorização de imóveis da cidade será imediata, notadamente em relação aos imóveis existentes nas proximidades do CTR, com reflexos amplamente negativos a propostas anteriormente existentes na implantação em projetos turísticos voltados aos patrimônios ambientais da região.

 

Impende acrescentar que sequer foram oferecidas quando da aprovação do projeto as chamadas medidas compensatórias previstas na legislação, sendo que, malgrado o projeto ter sido aprovado pela Secretaria do Meio Ambiente, levou-se em conta apenas a permeabilidade do solo e sua localização, olvidando-se todos que a área é de preservação permanente e que o projeto é de longa duração, qual seja, 80 anos a partir da implantação.

 

C – Quanto ao Impacto ambiental no empreendimento

 

Daí decorre a necessidade da elaboração do estudo de impacto ambiental no momento certo, antes do início da execução, ou mesmo de atos preparatórios, do projeto. Tal é sua importância que a Constituição Federal preferiu rebatizá-lo. “Passando de avaliação de impactos ambientais para estudo prévio de Impacto Ambiental” 6.

 

6 “Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa”, Antonio Herman V. Benjamin, Revista Forense, 317.30, 1992.

 

Dois princípios fundamentais se destacam em sede de EIA/RIMA. O princípio da publicidade e o princípio da participação pública.

 

Além da preservação ambiental, o desiderato básico do EIA é: “a) a transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de um determinado projeto, alcançada no momento em que o órgão público e o proponente liberam todas as informações que dispõem, respeitando apenas o sigilo industrial; b) a consulta aos interessados, consiste na efetiva participação e fiscalização da atividade administrativa por parte da comunidade; c) a motivação da decisão ambiental, que se baseia no princípio de que existe uma obrigação de motivar todo ato criador de situações desfavoráveis para os administrados 7.

 

7 “Estudo Prévio de Impacto Ambiental”, Edis Milaré e Antonio Herman V. Benjamim, Ed. RT, 1993, pd. 14.

 

No trabalho da Secretaria do Meio Ambiente foi olvidado que o odor do “lixão” (como a população já denomina o projeto) ultrapassará com certeza os limites do empreendimento, atingindo toda a cidade de Caieiras, que distará do projeto cerca de apenas 01 km, sem qualquer barreira natural que possa barrar a emissão de gases do enorme empreendimento, sendo que o correto é que a percepção de odores, ainda que insuportável não ultrapasse os limites da propriedade do empreendimento. 8

 

8 Parecer Técnico do CAO – Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo – fls. 36 destes autos.

 

O critério puramente subjetivo utilizado pelos técnicos da Secretaria do Meio Ambiente, eis que não há legislação a respeito de emissão de gases, notadamente gás sulfídico, sendo que o único meio de verificação é o nariz humano, deve ser desconsiderado, já que um projeto de tal porte – com duração mínima de 80 anos – com certeza irá produzir, cujo odor atingirá a cidade que fica nas cercanias do projeto.

 

Volta-se a frizar que não é porque a SMA concedeu a licença e o EIA/RIMA foi favorável ao projeto – falho, diga-se – que isto configure “tabula rasa”, sem qualquer possibilidade de seu enfrentamento judicial.

 

V – DA MEDIDA LIMINAR

 

Não se olvide da plausibilidade do direito, demonstrada na motivação da presente ação civil pública, a qual não basta para que se cogite da concessão da medida cautelar.

 

Impende demonstrar, outrossim, os riscos da demora na prestação jurisdicional.

 

Certo é que o projeto em si engloba dentro de seu âmago cerca de 14 nascentes naturais, ocorrendo com a implantação do CTR a destruição dos córregos existentes no local, os quais destinar-se-ão apenas a ser vertedores de chorume e esgoto.

 

A área do projeto de implantação do Centro Tecnológico de Resíduos de Caieiras encontra-se na região da Sub-Bacia Hidrográfica Juqueri/Cantareira. Caso implantado o projeto, a restauração da situação anterior não mais será possível, eis que danos consideráveis ao meio ambiente podem ocorrer com acidentes de trajeto, tais derramamentos, contaminações e interdições das vias de acesso decorrentes de acidentes com produtos tóxicos.

 

Insta salientar que o complexo Cantareira, da Represa Paiva Castro, localizada na divisa das cidades de Caieiras e Mairiporã, encontra-se próximo ao local do projeto, não sendo mera conjectura considerar que acidentes com veículos transportando resíduos nocivos e perigosos podem comprometer toda a saúde e a vida de uma população de milhões de pessoas, das zonas norte e oeste da cidade de São Paulo, além da população da região, beneficiadas diretamente com a água que é bombeada através do sistema existente na Represa Paiva Castro.

 

Valoriza-se, na plenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental, expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar (mieux vaut prévenir que guerir). 9

 

 9 “Droit de I. environnement”, Michel Prieur, Paris, Dalloz, 1984, pp.84/85.

 

Urge destacar que não é porque a Secretaria do Meio Ambiente posicionou-se favoravelmente ao projeto, tal situação impede o Ministério Público em bater-se pela não instalação do projeto, eis que no processo de licenciamento e estudo de impacto ambiental foram olvidadas as conseqüências para o ecossistema de toda a região.

 

Demais disso, o dano ambiental é plenamente verificável, eis que todo o sistema de drenagem do chorume será feito no Córrego Tanque Velho, que escoa até o Rio Juquery, o qual fatalmente será ainda mais contaminado, sendo que a vazão e a qualidade das águas do Córrego Tanque Velho serão fatalmente prejudicadas, eis que para o porte do empreendimento tal curso de água é pequeno demais, nada obstante no local existirem 14 nascentes naturais. 10

 

10 O próprio representante do empreendedor, em reunião do CONSEMA realizada em 11 de novembro de 1998 declarou estar ciente de que a bacia e a vazão do Córrego Tanque Velho são pequenas – fls. 45 destes autos.

 

Pelo exposto, consistindo a tutela jurisdicional pleiteada, basicamente, na paralisação de qualquer obra ou conjunto arquitetônico caso estejam sendo realizados no local ou na determinação de não fazer consistente na não implantação do projeto do Centro Tecnológico de Caieiras, caso ainda não se tenha iniciado a implantação, requer-se liminarmente a paralisação da obra que porventura esteja sendo realizada no local.

 

Requer-se a aplicação de multa diária liminar no importe de R$ 30.000,00 (trata-se de ação de obrigação de não fazer) em caso do descumprimento da cessação da atividade, conforme os artigos 11 e 12, parágrafo 2º da Lei da Ação Civil Pública.

 

VI – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

 

Estabelece o artigo 273-I do Código de Processo Civil que o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial quando ficar comprovado a possibilidade da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação.

 

Sua finalidade precípua é antecipar o provimento jurisdicional, por meio de decisão interlocutória.

 

A prova inequívoca está demonstrada pela insuficiência da cidade em receber o Centro Tecnológico de Resíduos (CTR) da empresa CAVO.

 

Caso não se antecipe a tutela, o provimento final será ineficaz ante a situação instalada, beirando o caos na cidade e na região, sem qualquer capacidade para recebê-lo.

 

O “periculum in mora” reside justamente aí, eis que a capacidade não pode ficar dependente em suas atividades básicas – ir e vir de seus habitantes, transporte coletivo, saúde pública – do denominado CTR, o qual com certeza embaraçará toda a região.

 

Demais disso, dispõe o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que institui o Código de Defesa do Consumidor”.

 

O Código de Defesa do Consumidor estendeu à Lei da Ação Civil Pública a possibilidade da tutela ser antecipada, desde que presentes os requisitos legais.

 

Consistindo a tutela jurisdicional pleiteada, basicamente, na paralisação de qualquer obra ou conjunto arquitetônico caso estejam sendo realizados no local ou na determinação de não fazer consistente na não implantação do projeto do Centro Tecnológico de Caieiras, caso ainda não se tenha iniciado a implantação, requer-se o provimento jurisdicional antecipado, eis que caso se aguarde o provimento ao final do processo, os danos à fauna, à flora, à vida das pessoas e ao próprio desenvolvimento da região estarão severamente atingidos de modo a não mais comportar reparação.

 

Neste sentido prelecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

 

“Consoante autoriza o CDC 84, parágrafo 3º, aplicável a ACP, proposta com base na LACP, por força da LAPC 21, poderá o juiz conceder liminarmente a tutela de mérito, de forma provisória, sempre que for relevante o fundamento da demanda e houver justificado receio de ineficácia do provimento jurisdicional, se concedido a final. A concessão da liminar da tutela de mérito pode ser feita com ou sem justificação prévia” inaudita altera para “ou com a ouvida do réu”.11

 

l 1 “Código de Processo Civil Comentado”, 3ª Edição, 1997, pg. 1149.

 

VII – DO PEDIDO

 

Desta forma, requer-se a paralisação de qualquer obra ou conjunto arquitetônico caso estejam sendo realizados no local ou na determinação de não fazer consistente na não implantação do projeto do Centro Tecnológico de Caieiras, caso ainda não se tenha iniciado a implantação, devendo-se condenar a requerida a não implantar o projeto ou paralisá-lo caso já tenha se iniciado as obras.

 

Deverá a requerida, outrossim, se condenada no pagamento das custas e despesas judiciais, o que fica, de igual sorte, postulado, dispensando-se, contudo, a condenação em honorários advocatícios, pelo fato da causa ser movida pelo Ministério Público.

 

Requer-se, a citação da requerida, na pessoa de seu representante legal, para, querendo, oferecerem resposta à presente postulação, no prazo de quinze dias, inserindo-se no respectivo mandado a advertência preconizada no artigo 285, “in fine”, do Código de Processo Civil.

 

Requer-se ainda a intimação da Prefeitura Municipal de Caieiras para, querendo, vir integrar a lide, bem como da Prefeitura Municipal de Franco da Rocha, eis que a área ocupa pequena parte daquele município.

 

Protestando provar o alegado por todos os meios de prova em Direitos Admitidos, sem exceção, dá-se à causa o valor de 1.000,00 para fins de alçada.

 

Termos em que,

 

P. Deferimento.

 

Caieiras, 03 de janeiro de 2.000.

 

João Carlos Calsavara

 

1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha

 

Designado

 

VISTOS.

 

Considerando-se a demonstração da possibilidade de graves danos ao meio ambiente local, que conta com inúmeras nascentes, bacias hidrográficas, unidade de conservação e reserva d’água, bem como a desconsideração de fatores relevantes quando da elaboração do Estudo de Impacto Ambiental que fundamentou a licença para instalação do Centro Tecnológico de Resíduos, cujos princípios da publicidade e participação públicas não foram observados, entendo presentes nos autos a plausibilidade do direito invocado.

 

No tocante ao “periculum in mora”, evidencia-se pela impossibilidade de plena reparação de tal espécie de dano, razão pela qual, entendendo presentes os requisitos legais, concedo liminarmente a medida requerida para o fim de determinar a paralisação ou, conforme o caso, a não implantação do projeto do CTR, sob pena de pagamento de multa diária de R$30.000,00 (trinta mil reais) para a hipótese de descumprimento.

 

Expeça-se o necessário.

 

Cite-se.

 

Caieiras, 24 de fevereiro de 2.000.

 

Fernanda Souza Pereira de Lima Carvalho.

 

Juíza de Direito.

 

Processo nº 166/2000 – J. G.

 

MANDADO DE LIMINAR E CITAÇÃO

 

O(A) DRª. FERNANDA SOUZA PEREIRA DE LIMA CARVALHO, MM(ª) JUIZ(A) DE DIREITO DE VARA DISTRITAL DE CAIEIRAS, COMARCA DE FRANCO DA ROCHA, ESTADO DE SÃO PAULO, NA FORMA DA LEI, ETC...

 

MANDA a qualquer dos Oficiais de Justiça de sua jurisdição que, em cumprimento deste, expedido nos autos de AÇÃO CIVIL PÚBLICA movida por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra COMPANHIA AUXILIAR DE VIAÇÃO E OBRAS – CAVO, e, com as formalidades legais, dirija-se nesta Comarca e, aí sendo proceda a CITAÇÃO de COMPANHIA DE VIAÇÃO E OBRAS – CAVO, na pessoa de seu representante legal, situada na Estrada do Taboão, s/n, Caieiras, por todo conteúdo da petição inicial, cuja cópia segue em anexo, bem como do r.despacho que deferiu a medida liminar, FICANDO A MESMA ADVERTIDA DOS TERMOS DA R. DECISÃO QUE DETERMINOU A NÃO IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DO CTR – CENTRO TECNOLÓGICO DE RESÍDUOS, OU, CASO JÁ ESTEJA SENDO REALIZADO, QUE SEJA PARALISADA A OBRA, SOB PENA DE PAGAMENTO DE MULTA DIÁRIA DE R$30.000,000 (TRINTA MIL REAIS) PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO, advertindo-a de que terá o prazo de quinze (15) dias para contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão quanto a matéria de fato. CUMPRA-SE, na forma e sob as penas da lei. Dado e passado nesta cidade e Distrito de Caieiras, Comarca de Franco da Rocha, Estado de São Paulo, em 25 de fevereiro de 2.000. Eu, MILENE FRANCO, Escrevente, digitei. Eu, SOLANGE MACHADO DE OLIVEIRA, Escrivã Diretora, subscrevi.

 

SOLANGE MACHADO DE OLIVEIRA

 

ESCRIVÃ DIRETORA

 

POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL

 

O MELANCÓLICO FIM DA AÇÃO NA JUSTIÇA

 

DIÁRIO OFICIAL

 

Estado de São Paulo

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

FORO DISTRITAL DE CAIEIRAS

 

VARA CÍVEL

 

MM JUÍZA DE DIREITO DRª. MARIA CRISTINA DE ALMEIDA BACARIM.

 

AUDIÊNCIAS – URGENTES

 

0188/00 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ministério Público do Estado de São Paulo X Companhia Auxiliar de Viação e Obras Cavo – “Vistos... Ante o exposto, considerando tudo que dos autos consta, JULGO EXTINTO O PROCESSO sem análise do mérito, com fulcro no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, por carecer o autor de interesse de agir – necessidade. Deixo de condenar o Ministério Público nas verbas de sucumbência por não estar evidenciada nos autos a litigância de má-fé, nos termos do disposto artigo 17 da Lei 7347/85, PRIC, Ciência ao Ministério Público”. – Adv.: ERNANI DE ALMEIDA MACHADO, RUBENS ÓPICE FILHO OAB 65.311, MARIA ISABEL DE ALMEIDA ALVARENGA OAB 130.609.