Aquele lugar, Caieiras antiga era bem mais apaixonante do que agora. Nem se imaginava que iriam existir essas tecnologias atuais. Então, a simplicidade reinava sem os recursos e a comodidade que existe agora. Será que as pessoas daqueles tempos estavam “catando latas”? Essa gíria se referia a aqueles que não tinham evolução nalgum fato que outros tinham. Mas, agora para ser entendido literalmente, lá no Bairro da Fábrica de Papel existiram sim dias de catar latas. O desenrolar final dessa nobre tarefa ocorria na chamada Pedra do Valentim e... Ah depois eu conto.
Primeiro é melhor explicar porque o Valentim tinha uma pedra. Era uma grande pedra que se sobressaia da terra ficando toda aparente e ela ficava defronte a casa donde ele morava. Aquela pedra servia também para alguns garotos empinarem papagaios (pipas). Dependendo da direção do vento, os papagaios ao subirem, eles primeiro ficavam por cima da casa do Valentim e depois “tendo mais linha” eles iam até o outro lado do rio até por onde sobrevoavam por cima da Vila Pansute. A pedra ficava por fora da terra até pouco antes de chegar até os fundos dos quintais das duas primeiras casas da Vila Nova, que eram do Sr. Hilário Caresato e a do Sr. Natal Nani.
Os que eram daquele lugar que o tempo não conseguiu apagar de suas memórias e ainda estão entre nós neste mundo de agora tão conturbado, enquanto vão lendo o que estive descrevendo eles vão se lembrando de como tudo lá era. O lugar podia ser monótono, mas tinha seus dias de atrações inesperadas. Quando se ouvia alguém falando alto na rua bastava sair de casa para se ficar sabendo o que estava ocorrendo. Ouvia-se assim: Fígado, línguas e corações. Era um vendedor ambulante com um cesto sobre os ombros. Alguma dona de casa saia para comprar e perguntava sobre o coração. E o homem respondia: coração não tem, acabou (risos). Lá pela minha casa passava também com sua carroça o Luizinho bananeiro.
Às vezes se ouvia um grito assim: Peixeirooooo. Também ele portava pelo ombro um cesto de vime e completava: Peixe fresco. Vestia um casaco descorado cheirando o que ele vendia. Lá do vizinho Bairro de Perus da Cidade de São Paulo sempre vinha o Firmino com a sua carroça e vendendo carne do seu açougue. Também sempre passava por lá o piruliteiro. Ele trazia os pirulitos numa tábua com muitos furos redondos donde os pirulitos ficavam enfiados. E o homem do algodão doce, então. Era uma atração para a meninada vê-lo extraindo “algodão” de açúcar. Lá da Cresciuma vinha aquele furgão azul transportando pães frescos melhores do que aqueles que eram vendidos no armazém do bairro que pareciam ser de borracha (risos). O tal padeiro da Cresciuma tinha uma filha bonita que se me lembro ela se chamava Grajute.
A Dona Maria japonesa esposa do Sr. Tókio Sato, antes dela ter a quitanda ao lado do armazém, ela também vinha com uma carroça vendendo hortaliças. O Sr. Afonso, muito conhecido que era e sempre com o pito na boca, (igual a outro homem que tinha o apelido de Zé do pito) ele vinha com um “carrinho de mão” vendendo sorvetes da sorveteria do Sr. Alfredo Satrapa. Havia também um senhor que vendia tecidos e às vezes ele tinha prejuízo. Uma senhora lá da Vila Nova que sempre lhe comprava tais tecidos, ela disse pra uma vizinha que não os pagava com dinheiro. Havia também uma mulher que vendia produtos de higiene e por isso ela foi apelidada de saboneteira. Outra que vendia roupas se casou com o irmão do Xisto, o Zé Peter. Dava água na boca quando vinha um caminhão vendendo pedaços de melancia e tudo isso aqui descrito revela que a vida era bela.
Agora voltando à pedra do Valentim, se espalhou por aquele lugar a notícia de que lá na pedra estavam comprando lata velha. Isso veio bem a calhar para a meninada que nunca havia trabalhado na vida. E lá foram eles catar latas para encherem o saco. E vinham mesmo com o saco cheio. Lá na pedra do Valentim uns homens pesavam o saco de um por um dos meninos e os pagavam de acordo com o peso acusado numa balança. Mas, por que havia tantas latas velhas para os meninos irem catar? Naqueles tempos não havia coletores de lixo e muito menos eram reciclados. Latas vazias eram jogadas em qualquer lugar onde o mato as escondia. Muitas eram jogadas no rio que as levava embora. Mas, muitas delas ficavam mesmo se enferrujando nas ribanceiras que terminavam no rio.
Por causa daqueles compradores de lata aquele lugar se viu numa limpeza que jamais havia visto. Entretanto, até uns fatos políticos costumeiros aconteceram. Depois que aqueles compradores esvaziavam os sacos daqueles meninos de então para formar uma grande pilha de latas, eles perceberam que dentro de algumas latas amassadas tinham pedras ou tijolos escondidos para aumentar o peso dos sacos dos meninos. E assim aqueles meninos honestíssimos e de boa família foram compensados monetariamente pelas suas estafantes buscas por latas velhas. Que pena que não ouve uma gravação, um vídeo - tape ou um reprise daqueles tempos em que o tempo demorava em passar dando mais tempo para sentir como era a vida daqueles tempos.
Altino Olimpio