O aposentado Renato Marchesini enviou para o também aposentado Nilson Rodrigues e para mim, aposentado também, umas fotos da famosa serrinha da Vila da Cerâmica, que, subindo por ela se ia até o famoso Bairro da Fábrica. Diziam que os moços desse bairro eram “pó de arroz”. Talvez porque, eram mais elegantes e tinham mais sucesso com as moças de uma época que deixou saudades. Muitos dos aposentados e das aposentadas da antiga Indústria Melhoramentos de Papel, agora, sem as atrações daquela época romântica dos clubes, dos bons bailes, da maquininha, do apito da fábrica, dos namoros, das festas de igreja e daqueles sempre todos se verem, eles, vivem agora de recordações. As fotos da serrinha me fizeram recordar de quando vários rapazes do Bairro da Fábrica tinham suas namoradas na Vila Cresciuma, hoje Centro de Caieiras. Utilizavam-se da maquininha das dezoito horas e trinta minutos rumo a Caieiras e de lá prosseguiam a pé para a Vila Cresciuma. Era pouco tempo de namoro e pouco tempo para as carícias apaixonadas. Os rapazes que namoravam em casa, costume daquela época (ainda não existia motéis) tinham que retornar a pé até Caieiras para embarcarem na última maquininha, as vinte e duas horas e trinta minutos. Que lástima! Sempre na hora do “bem bom” tinha-se que interromper o “agarra-agarra” deixando o erotismo e a volúpia do instinto sem finalizar, coitado. Por vezes perdi a última maquininha e por outras desconsiderei o último horário dela, que, era cedo demais para quem àquela sensualidade do namoro era predominante. Na alta madrugada depois de tantos momentos agradáveis, não era desagradável o retorno a pé da Vila Cresciuma até o Bairro da Fábrica. Ninguém se encontrava pelas ruas e o caminhar era tranquilo com as recentes lembranças do namoro tão apaixonado. Passava-se pela Estação de Caieiras da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, depois pelos velhos prédios do correio, da escola, do armazém, sorveteria do Delfim, almoxarifado antes do pequeno lago, oficina das locomotivas da maquininha, portaria três para o acesso dos empregados dali, carpintaria, garagem para conserto dos carros da indústria, depois, à direita estavam os tanques de óleo, donde por sobre o rio se via o prédio do cinema com algumas casas ao lado. À esquerda era a oficina mecânica e no fim dela, caminhando pelos trilhos da maquininha se passava pela ponte sobre o Rio Juquery, quando olhando à direita se via entre as árvores o coreto e mais ao alto se avistava a Igreja Nossa Senhora do Rosário, local das sempre lembradas festas religiosas. A seguir estava a famosa Rua dos Coqueiros e no fim dela o velho cemitério antes do Largo da Cerâmica, onde eram vistas as luzes acesas da portaria onde ficavam os “guardas” do horário noturno. Depois da topografia plana da Vila Cerâmica, nome do local onde só se fabricava papel, tinha-se duas opções de trajeto para se chegar ao Bairro da Fábrica: Pela serrinha ou pela linha da maquininha. Eu sempre escolhia o trajeto pela serrinha, embora, naqueles tempos de muita superstição, falavam que ela era assombrada. Subindo por ela se esquecia dos momentos agradáveis com a namorada porque se ficava atento a qualquer ruído vindo da escuridão e das matas que ladeavam a serrinha. Depois de transpor aquela subida, lá no alto, no fim dela se sentia algum alívio por nada de sobrenatural ter acontecido. Porém, uma vez, lá no alto da estradinha de terra plana e entre as matas, naquela escuridão tive um susto que me paralisou momentaneamente. Vi um enorme vulto. O vulto de um homem grande parecendo querer barrar minha passagem. Assustei-me sim, mas, continuei caminhando até passar por ele. Não o reconheci e nem ele me reconheceu. Deduzi que ele era o Azulão, apelido este de como ele era conhecido. Ele morava numa casa que lá existia e próxima da serrinha. Dias depois me encontrei com o Azulão e ele lembrando-se daquele dia disse-me que de propósito ficou imóvel na estrada para assustar quem estava vindo de encontro a ele. Era eu e ele, de fato, também não me reconheceu naquela escuridão e naquele dia o medo me fez pensar que ele era uma alma do outro mundo. Contudo, as fotos da serrinha que me foram enviadas desarquivaram da memória essas lembranças de um passado de aventuras e da juventude de quando o carinho de uma mulher valia por qualquer sacrifício (risos). Agora nem tanto.
Altino Olympio